sexta-feira, 24 de julho de 2015
Morte e Vida Severina
João Cabral de Melo Neto
Severino é um retirante: ele é como muitos outros e que está partindo para o litoral, fugindo da seca e
da morte. A vida na Capital parece mais atraente, mais "vida", menos "severina".
Em suas andanças, entretanto, Severino se depara a todo momento não com a vida, mas sim com o que já conhece como coisa vulgar: a morte e o
desespero que a cerca.
Em seu primeiro encontro com ela, o retirante topa com dois
homens carregando um defunto até sua última morada. Durante uma conversa, descobre que o pobre
coitado havia sido assassinado e que o motivo fora ter querido expandir um
pouco suas terras, que praticamente não eram produtíveis. O retirante segue sua viagem e percebe
que na região onde se encontra, nem o rio Capibaribe — seco no verão — consegue cumprir o seu papel. Severino
sente medo de não conseguir chegar ao seu destino.
Escuta, então, uma cantoria e, aproximando-se, vê que está sendo encomendado um defunto. Pela primeira
vez, Severino pensa em interromper sua "descida" para o litoral e procurar
trabalho naquela vila. Ao dirigir-se a uma mulher, descobre que tudo que sabe fazer
não serve ali, e o único trabalho existente e lucrativo é o que ajuda na morte: médico, rezadeira, farmacêutico, coveiro. E o lucro é certo nessas profissões, pois não faltam fregueses, uma vez que ali a morte
também é coisa vulgar.
Se não há como trabalhar, mais uma vez Severino retoma seu rumo e chega à Zona da Mata, onde novamente pensa em
interromper sua viagem e se fixar naquela terra branda e macia, tão diferente do solo do Sertão. Mais do que isso: começou a acreditar que não via ninguém porque a vida ali deveria ser tão boa, que todos estavam de folga e que
ninguém deveria conhecer a morte em vida, a vida severina. Ilusão de quem está à procura do paraíso: logo Severino assiste ao enterro de um
trabalhador de eito e ouve o que dizem do morto os amigos que o levaram ao
cemitério. Severino se dá conta que ali as privações são as mesmas que ele conhece bem e que também a única parte que pode ser sua daquela terra é uma cova para sepultura, nada mais.
O retirante resolve então apressar o passo para chegar logo ao
Recife. Severino senta-se para descansar ao pé de um muro alto e ouve uma conversa. É mais uma vez a morte rondando, são dois coveiros que lhe dão a má notícia: toda a gente que vai do Sertão até ali procurando morrer de velhice, vai na
verdade é seguindo o próprio enterro, pois logo que chegam, são os cemitérios que os esperam.
Severino nunca quis muito da vida, mas está desiludido: esperava encontrar trabalho, trabalho
duro mas agora — desespero! — já se imagina um defunto como aqueles que os coveiros descreviam,
faltava apenas cumprir seu destino de retirante.
Nesse momento, aproxima-se de Severino seu José, mestre carpina, morador de um dos mocambos
que havia entre o cais e a água do rio. O retirante, desesperançado, revela ao mestre carpina sua intenção de suicídio, de se jogar naquele rio e ter uma
mortalha "macia e líquida". Se José tenta convencer Severino que ainda vale a
pena lutar pela vida, mesmo que seja vida severina. Mas Severino não vê mais diferença entre vida e morte e lança a pergunta: "que diferença faria/ se em vez de continuar/tomasse
melhor saída:/a de saltar, numa noite, / fora da ponte e da vida?"
Da porta de onde havia saído o mestre carpina, surge uma mulher, que
grita uma notícia. Um filho nascera, o filho de seu José! Chegam vizinhos, amigos, pessoas trazendo presentes
ao recém-nascido. Vêm também duas ciganas, que fazem a previsão do futuro do menino: ele crescerá aprendendo com os bichos e no futuro
trabalhará numa fábrica, lambuzado de graxa e, quem sabe, poderá morar num lugar um pouco melhor.
Severino assiste ao movimento, ao clima de euforia com a vinda
do menino. O carpina se aproxima novamente do retirante e reata a conversa que
estavam levando. Diz que não sabe a resposta da pergunta feita, mas, melhor que palavras,
o nascimento da criança podia ser uma resposta: a vida vale a pena ser defendida.
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