"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O meu professor de literatura



Às vezes, eu costumava matar aula no colégio para ir ao cinema, outras vezes, vejam só, para ir à biblioteca da escola mesmo. Foi estranho quando, um dia, o meu professor de literatura da época me encontrou numa dessas vezes entre as estantes, procurando um livro. Naquela hora, na minha turma, era a aula dele. Por algum motivo, ele precisou deixar a sala e ir à biblioteca rapidamente. Teve um espanto ao me ver ali. Não sei se por que eu matava a sua aula, ou por que fazia isso na biblioteca, com um livro nas mãos. Ele me olhava e olhava o livro. Ia e voltava com os olhos, perplexo. Eu não soube, por um instante, se devia justificar a minha ausência na sala ou o fato de ter escolhido um lugar cheio de livros para faltar à aula de literatura. Quando enfim comecei a gaguejar alguma coisa, ele se afastou, transtornado, e saiu, mas não antes de olhar mais uma vez o livro que eu tinha nas mãos, com evidente ressentimento.
Eu havia cometido algum delito grave para aquele professor. O fundo em meu estômago dizia isso. Não podia ser só a aula. Outros alunos também a matavam de vez em quando, e ele depois lhes chamava à atenção com uma seriedade divertida e irônica. Nada de perplexidades constrangidas. Olhares graves e ressentidos. Aquela reação perturbadora ele havia reservado apenas para mim. Mas, tampouco, devia ser a biblioteca, ou era? O livro suava em minhas mãos, assumindo talvez a culpa. Levei-o para casa, apertando-o em meu peito. Éramos cúmplices, nós dois, de um ato horrível e misterioso contra o professor. Naquela noite, tive pesadelos. Os olhos do professor tomavam inteiramente o seu rosto, e me enfrentavam indignados e ofendidos.
Na aula seguinte, tentei me comportar da melhor maneira possível. Não passei o tempo olhando para a janela, como costumava fazer, em busca de um horizonte qualquer. Nem me distraí com rabiscos, desenhos e frases inúteis no caderno. Fixava o professor com atenção exagerada, tentando absorver e compreender tudo o que ele dizia sobre o estilo de época Arcadismo, anotando bucolismo e pastoralismo com caligrafia exemplar, e assentindo com a cabeça toda a vez que seus olhos passavam por mim e não me viam. Ao contrário do meu pesadelo, o professor não me olhava mais. Era dessa forma retraída que ele lidava com o ressentimento. Eu, por outro lado, assumia todas as culpas na medida em que ele silenciosamente me acusava. No corredor, evitava cruzar comigo, e se me via no pátio lendo um livro, como eu gostava de fazer, mudava de direção como se estivesse diante de um obstáculo intransponível. Era sempre à noite, na escuridão da insônia, que eu ruminava as atitudes do professor e repassava a matéria. Romantismo: nacionalismo, exaltação do eu. Realismo: racionalismo, crítica social. Não sei por que, naquele dia, eu achei que ele tremera um pouco durante a aula, a voz rasgando a garganta, ao dizer, crítica social.
Semanas depois, eu percebi: o professor não fazia mais a barba, engordava, e, como se não tivesse mais nada a fazer, envelhecia. Se antes não era alegre nem triste, agora não era, simplesmente. Entrava na sala de aula resignado, dizia algumas coisas, escrevia outras, para depois desaparecer. A sua apatia era tão grande que um dia ele deve ter se esquecido de que sua presença era aguardada e realmente desapareceu. “Viajou”, explicou a diretora, como se o fato de alguém ir de um lugar para o outro explicasse tudo. E assim os anos se passaram sem notícias do professor.
Nos encontramos anos depois, por acaso, numa livraria. Eu a frequentava sempre, e não sabia que, desde que entrei pela primeira vez ali, era observada pelo professor. Já sentia o livro suando em minhas mãos, quando ele me cumprimentou, perguntando se eu era eu, a sua aluna. Sim, confirmei. Ele me olhava e olhava o livro, como nosso constrangido encontro na biblioteca da escola. De repente, me abraçou, com uma gratidão que eu não pude entender. Mas, em seguida, o professor foi de uma claridade imprevista, de fechar os olhos. Uma de suas alegrias era me ver ali em sua livraria, ele disse. E sorriu, confirmando, sim, sou livreiro. E pegando um livro, levou-o ao peito. A capa sobre o coração, enquanto ele confirmava a satisfação de ver que eu continuava a gostar de ler, apesar de suas aulas. Aquele dia na biblioteca ressurgiu então entre nós. Me ver matar a aula de literatura para ler foi a gota d’água para o professor. Havia passado a noite anterior preparando uma aula de literatura, elencando, não poetas e escritores, seus textos e suas poesias, mas características, datas e nomes que os alunos não podiam deixar de saber, porque ia cair na prova, porque estava no currículo do semestre. Às vezes, conseguia uma aula ou outra para os textos, mas era pouco, muito pouco. Até me ver na biblioteca, o professor me julgava uma aluna desinteressada e desinteressante, daquelas que não se avista o futuro. Não me imaginava abrindo um livro, como podia supor que eu era uma leitora? Mas eu era, e, para ele, havia sido como um marido, que sempre considerara a esposa frígida, descobrir que ela tem um amante. Eu, que já tinha idade e altura para sorrir dessa imagem, sorri, profundamente feliz. O professor abraçava o livro, apaixonado. Contou que um dia, se levantou da cama, se arrumou para ir trabalhar, saiu de casa, mas, em vez de ir à escola, foi para uma livraria. No dia seguinte, pediu demissão. Juntou dinheiro, conseguiu um empréstimo e abriu uma pequena livraria, que se expandira em outras. “Eu queria estar perto dos livros”, explicou. “Antes, eu achava que podia ser professor de literatura impunemente”, disse. O professor entrara na escola cheio de esperanças de mudar o modo em que é feito o ensino da literatura, de driblar, dia a dia, o sistema. Mas foi ao contrário, era o sistema que estava, pouco a pouco, mudando o professor, encurralando-o numa sala escura. “Até te ver na biblioteca, eu não tinha a real consciência da dimensão do que eu fazia. A cada aula, eu matava um livro. A cada aula, um leitor morria.”

Claudia Lage 
é formada em literatura e dedicou muito tempo ao teatro. Autora, entre outros, do romance Mundos de Eufrásia.

Texto publicado no jornal Rascunho, em março de 2011 e na revista Na Ponta do Lápis, n. 20, julho/2012. Disponível em http://rascunho.gazetadopovo.com.br/o-meu-professor-de-literatura.
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sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Os numerais

Numeral

1 – Nos exemplos seguintes, as palavras destacadas são numerais:
Comprei cinco livros.                         cinco      ànúmero, quantidade
Moro no segundo andar.                  segundo    àordem numérica
Comemos um terço da pizza.            terço       àparte, fração
Trinta é o triplo de dez.                     triplo       àmúltiplo

Numeral é a palavra que exprime número, ordem numérica, múltiplo ou fração.

2 – O número pode ser cardinal, ordinal, multiplicativo e fracionário. Exemplos:
dez litros; sexta-feira; um terço da pizza; o triplo de vinte

3 – Incluem-se entre os numerais as seguintes palavras:
1.       zero: grau zero, zero hora, zero quilômetro;
2.       ambos (= os dois, um e outro), ambas (= as duas, uma e outra).

4 – São substantivos coletivos numéricos:
1.       par , dezena, década,dúzia, vintena, centena, centúria, grosa, milheiro, milhar e outros coletivos que indicam um agrupamento numericamente exato;
2.       biênio, triênio, quadriênio, lustro ou quinquênio, década ou decênio, milênio, centenário e sesquicentenário, referente a anos;
3.       tríduo e novena, referentes a dias, e bimestre, trimestre e semestre, relativos a meses.

Obs.:
As palavras último, penúltimo e antepenúltimo são adjetivos. Metade é substantivo.

Flexão dos numerais

5 – Alguns numerais se flexionam, outros não.
1.       Os cardinais, com exceção de um (fem. uma), dois (fem. duas) e daqueles terminados em –entos e –ao (duzentas, trezentas, milhões, etc.), são invariáveis.
2.       Os ordinais variam em gênero e numero: primeira volta, primeiros resultados, as segundas eleições, etc.
3.       No plural flexionam-se os numerais cardinais substantivados que terminam por fonema vocálico: dois cinquentas, dois setes, três oitos, dois cens, quatro uns, etc. permanecem invariáveis os que finalizam por fonema consonantal: Pedro tirou quatro seis e dois dez, nas notas bimestrais.

Leitura e escrita dos números

6 – Intercala-se a conjunção e entre as centenas e as dezenas e entre estas e as unidades. Exemplo:
3.655.264 = três milhões seiscentos e cinquenta e cinco mil duzentos e sessenta e quatro
Obs.:
1.        Na escrita dos números por extenso não se põe vírgula entre uma classe e outra.
2.        Não se usa ponto na escrita dos anos: 1997, 2010, 2012, etc.

Quadro dos principais numerais

·         Cardinais                                                          
um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, catorze, quinze, dezesseis, dezessete, dezoito, dezenove, vinte, trinta, quarenta, cinquenta, sessenta, setenta, oitenta, noventa, cem (cento), duzentos, trezentos, quatrocentos, quinhentos, seiscentos, setecentos, oitocentos, novecentos, mil, milhão, bilhão.                                  
·         Ordinais
primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo, oitavo, nono, décimo, décimo primeiro, décimo segundo, décimo terceiro, décimo quarto, décimo quinto, décimo sexto, décimo sétimo, décimo oitavo, décimo nono, vigésimo, trigésimo, quadragésimo, quinquagésimo, sexagésimo, setuagésimo, octogésimo, nonagésimo, centésimo, ducentésimo, trecentésimo, quadringentésimo, quingentésimo, sexcentésimo, setingentésimo, octingentésimo, nongentésimo, milésimo, milionésimo, bilionésimo.

·         Multiplicativos
dobro (ou duplo), triplo (tríplice), quádruplo, quíntuplo, sêxtuplo, sétuplo, óctuplo, nônuplo, décuplo, cêntuplo.

·         Fracionários
meio, terço, quarto, quinto, sexto, sétimo, oitavo, nono, décimo, onze avos, doze avos, treze avos, catorze avos, quinze avos, dezesseis avos, dezessete avos, dezoito avos, dezenove avos, vinte avos, trinta avos, quarenta avos, cinquenta avos, sessenta avos, setenta avos, oitenta avos, noventa avos, centésimo, ducentésimo, trecentésimo, quadringentésimo, quingentésimo,   sexcentésimo, setingentésimo, octingentésimo, nongentésimo, milésimo, milionésimo, bilionésimo.

Formas duplas
7 – Os seguintes numerais apresentam mais de uma forma:
     undécimo ou décimo primeiro
     duodécimo ou décimo segundo
     catorze ou quatorze
     setuagésimo ou septuagésimo
     sexcentésimo ou seiscentésimo
     septingentésimo ou setingentésimo
     noningentésimo ou nongentésimo

Obs.:
Os numerais um (hum) e cinquenta (cincoenta) apresentam grafias duplas, respectivamente, por interesse em evitar fraudes em documentos financeiros e, no segundo caso, por contaminação pela grafia do número cinco, mas também a forma corretar procura dificultar a ação dos golpistas.

Importante:
A partir de dois mil é melhor usar segundo milésimo, terceiro milésimo, etc., do que dois milésimos, três milésimos, etc. Assim:
No segundo milésimo quingentésimo aniversário da fundação da cidade...
Na terceira milésima ducentésima vigésima quinta página da enciclopédia...

Algarismos Romanos:
Conforme está posto, são algarismos romanos e não se aplica oficialmente a grafia da língua portuguesa praticada no Brasil, com exceções para inscrição de capítulos em obras literárias, em documentos jurídicos e outros poucos casos.

M = 1.000
D = 500
C = 100
L = 50
X = 10
V = 5
I = 1


Obs.:
Quando houver um traço sobre os algarismos, significa que ele está sendo multiplicado por 1.000 vezes. Ex.:

_
V = 5.000
__
XLII = 42.000
_
M = 1.000.000


Fonte: Adaptação da obra. CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática da língua portuguesa. 45ª ed. São Paulo: Companhia Editora NAcional, 2002.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Modelo de requerimento

Obs.: O requerimento é o documento que utilizamos para solicitar ou pedir, a um órgão ou a uma autoridade pública, alguma coisa a que temos direito. É um tipo de redação técnica que nos acompanha desde a vida estudantil... Começamos no ensino médio a requerer o que necessitamos na escola, na faculdade requeremos provas de segunda chamada, emissão de certificados e diplomas. Na vida social, o cidadão envia requerimentos para a prefeitura, ao comando da polícia militar, ao departamento de iluminação urbana, entre tantos outros. Veja o modelo a seguir:
***



Ilmo (ilustríssimo) Sr. Diretor do Colégio Machado de Assis






         Marcelo Mattos, alunos regularmente matriculado na 1ª série do

ensino médio, turma A-102, vem respeitosamente requerer a V.S.a

(vossa senhoria) dispensa das aulas de Educação Física deste

estabelecimento de ensino, durante o mês de setembro do corrente,

por problemas de saúde, conforme o atestado médico em anexo.




Nestes termos


Pede deferimento






                                           São Paulo/SP, 03 de setembro de 2012.




                                           (Assinatura do requerente)
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sábado, 4 de agosto de 2012

4ª Olimpíada Nacional em História do Brasil

O Museu Exploratório de Ciências – Unicamp recebe a partir do dia 01/06/2012, as inscrições para a 4ª Olimpíada Nacional em História do Brasil (ONHB). Poderão participar estudantes regularmente matriculados no 8º e 9º anos do Ensino Fundamental e demais séries do Ensino Médio, de escolas públicas e privadas de todo o Brasil, incluindo alunos do Ensino de Jovens e Adultos (EJA). Para orientar a equipe, composta por três estudantes, é obrigatória a participação de um professor de história.



O formulário de inscrição e o boleto para pagamento estarão disponíveis no site do Museu Exploratório de Ciências de 01 de junho até 10 de agosto. A taxa de inscrição é de 21 reais para as equipes de escolas públicas e 45 reais para as equipes das escolas particulares. O valor da inscrição corresponde à inscrição de todos os membros da equipe (incluindo o professor-orientador).

Em 2012, O Museu Exploratório de Ciências custeará, para participarem da final, as passagens de avião das 27 equipes mais bem colocadas em cada estado da Federação (escolas públicas ou particulares) e mais 10 equipes de escolas públicas com a maior pontuação, sendo uma por região do país, e cinco escolas públicas com mais alta pontuação em todo o Brasil, independente de sua região. Após a final da Olimpíada, os professores responsáveis por essas equipes são convidados a permanecer na Unicamp para realizar capacitação de uma semana, com custos de hospedagem cobertos também pelo Museu.

A ONHB premiará escolas, alunos e professores, com medalhas de ouro (60), prata (100) e bronze (140) e certificados de participação para todos os inscritos e também para as escolas.

A 4ª Olimpíada Nacional em História do Brasil é uma iniciativa do Museu Exploratório de Ciências – Unicamp. O evento é patrocinado pelo CNPq e tem o apoio da Rede Globo de Televisão e da Revista de História da Biblioteca Nacional. A última edição, realizada em 2011, inscreveu mais de 65 mil participantes e reuniu cerca de duas mil pessoas na final presencial, realizada na Unicamp, nos dias 15 e 16 de outubro.

A ONHB é organizada pela equipe do Museu Exploratório de Ciências e as provas são concebidas e elaboradas por historiadores, professores e pós graduandos de História da Unicamp. Como proposta, os participantes têm a oportunidade de trabalhar com temas fundamentais da história nacional e de conhecer de perto as práticas e metodologias utilizadas pelos historiadores.


Calendário da 4ª ONHB


Inscrições e pagamento dos boletos: de 01/06/2012 a 10/08/2012.


Primeira fase: inicia no dia 20/08/2012 e finaliza no dia 25/08/2012.


Segunda fase: inicia no dia 27/08/2012 e finaliza no dia 01/09/2012.


Terceira fase: inicia no dia 03/09/2012 e finaliza no dia 08/09/2012.


Quarta fase: inicia no dia 10/09/2012 e finaliza no dia 15/09/2012.


Quinta fase: inicia no dia 17/09/2012 e finaliza no dia 22/09/2012.


Grande Final Presencial: Prova: 20/10/2012


Cerimônia de Premiação: 21/10/2012



Inscrições no site: www.mc.unicamp.br
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sexta-feira, 13 de julho de 2012

Variação diamésica

Variação diamésica (oralidade e escrita)

Uma das confusões que as pessoas mais cometem no campo da variação linguística é acreditar que oralidade é sinônimo de informalidade. Nada mais enganoso. Existem várias situações em que necessitamos nos expressar oralmente de maneira formal. Veja alguns exemplos: uma entrevista de emprego, um seminário, uma palestra, uma arguição oral em um concurso público, uma reunião de negócios.
Por outro lado, é preciso reconhecer que a oralidade possui certas características que a distinguem sensivelmente da expressão escrita. A principal delas diz respeito aos momentos de produção e recepção do texto: na comunicação oral, eles são simultâneos ― à medida que você fala, seu interlocutor ouve; já na comunicação escrita, existe uma defasagem entre o momento de produção e o de recepção.
Essa diferença fundamental traz vantagens e desvantagens para cada modalidade. A vantagem da sincronia na comunicação oral é que ela nos permite acionar dois importantes mecanismos:

·         a negociação de sentido:

O que você quis dizer com isso?
                                    
Eu quis dizer que...
                                                                          

·         e a correção que pode ser pontual:
O anarquismo é uma posição... Ou, melhor dizendo, uma corrente ideológica.
                                                                   

Se notamos que o interlocutor não está nos entendendo bem, a correção pode implicar uma verdadeira paráfrase:
Já vi que você não está entendendo, então vou explicar de outro modo...
                    

Esses mecanismos não são acionados apenas por palavras, mas também por gestos, expressões faciais, olhares. Basta nosso interlocutor nos olhar com “cara de ponto de interrogação” para sabermos que não estamos sendo bem compreendidos. A linguagem não verbal nos permite, também, complementar o sentido da verbal: entonação, gestos, referências a elementos do entorno ― tudo isso ajuda a tornar a comunicação oral mais clara.
Já a comunicação escrita não conta com nenhum desses expedientes. O autor precisa prever todas as dúvidas que seu texto pode causar ao leitor e tentar esclarecê-las no momento da produção. O leitor, por sua vez, só conta com aquele papel (ou tela) inerte para recuperar os significados que o autor tentou construir.
Essa falta de sincronia tem, contudo, suas vantagens. Poderíamos dizer que, se o texto oral é como uma transmissão ao vivo, o texto escrito é como um programa gravado e editado: podemos revisá-lo quantas vezes for necessário, “apagando” os erros que cometemos e apresentando ao interlocutor apenas o resultado final, perfeitamente polido e retocado. Outra vantagem da comunicação escrita é que ela nos permite fazer pesquisas e consultas durante a produção ― se você está preparando uma monografia, por exemplo, pode buscar informações em livros e textos na Internet; mas, se está apresentando um seminário, só pode contar com suas anotações e a própria memória.
A possibilidade de produzir textos mais bem-acabados gera, também, maior cobrança na expressão escrita. Em outras palavras, tendemos a ser bem menos tolerantes com erros nos textos escritos do que nos orais. Cientes disso, as pessoas costumam tomar um cuidado maior na hora de escrever. Portanto, tende a existir, de fato, maior formalidade na expressão escrita; mas isso não significa que não haja eventos comunicativos orais formais, como dissemos antes.

Síntese das principais diferenças entre oralidade e escrita.

Oralidade
Escrita
O momento de produção e o de recepção do texto são simultâneos.
Há defasagem entre o momento de produção e o de recepção.
É possível negociar o sentido com o interlocutor e, também, corrigir-se.
O autor deve antecipar possíveis dúvidas do leitor e tratar de esclarecê-las ainda no momento de produção.
O texto é coconstruído: para comunicar-se melhor, os interlocutores interagem o tempo todo, usando tanto a linguagem verbal quanto a não verbal.
O autor produz o texto solidariamente e, depois, o leitor deve reconstruir seus significados também sozinho.
É impossível “voltar atrás” no que foi dito.
É possível revisar o texto quantas vezes for necessário.
O processo de produção é transparente: o interlocutor “vê” seus erros e correções.
O processo de produção fica oculto: o leitor tem acesso apenas ao texto final.
É impossível consultar outras fontes durante a produção.
É possível consultar outras fontes e checar as informações.
O planejamento é local: enquanto está falando uma frase, a pessoa pensa na próxima.
O planejamento é global: a pessoa planeja o texto como um todo e, caso se desvie do plano inicial, pode aceitar a nova ordem ou voltar atrás.
Tende a haver maior tolerância a erros e, portanto, mais informalidade.
Tende a haver maior cobrança e, portanto, mais formalidade.
A obediência à norma padrão costuma ser menos rígida. Por exemplo: as marcas do plural às vezes desaparecem.
A norma padrão costuma ser seguida com mais rigor, até porque é possível revisar o texto.
Predomínio de frases curtas e simples: “Bom dia, pessoal! Hoje a gente vai dar uma recordada na equação de segundo grau. Vamos abrir o livro na página 10 que eu já explico”.
Predomínio de frases longas e complexas: “Para a primeira aula, está prevista uma revisão dos fundamentos de cálculo, a começar pela equação de segundo grau. Os alunos resolverão uma série de problemas em sala, sob a supervisão do professor”.
Predomínio da voz ativa e da ordem direta: “Vamos revisar os fundamentos de cálculo”.
Uso frequente da voz passiva e da ordem indireta: “Serão revisados os fundamentos de cálculo”.
Abundância de “frases quebradas” (anacolutos): “Essas optativas, precisa fazer o pré-requisito primeiro”.
Maior linearidade na composição das frases: “Para inscrever-se nas disciplinas optativas, é preciso ter cumprido os pré-requisitos”.

*Fonte: Adaptado da obra de GUIMARÃES, Thelma de Carvalho. Comunicação e linguagem. – São Paulo: Pearson, 2012.