"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

domingo, 31 de janeiro de 2010

Educação de quarto mundo

Lya Luft

"Por que nos contentarmos com o pior, o medíocre, se podemos ter o melhor e não nos falta o recurso humano para isso?"


No meio da tragédia do Haiti, que comove até mesmo os calejados repórteres de guerra, levo um choque nacional. Não são horrores como os de lá, mas não deixa de ser um drama moral. O relatório "Educação para todos", da Unesco, pôs o Brasil na 88ª posição no ranking de desenvolvimento educacional. Estamos atrás dos países mais pobres da América Latina, como o Paraguai, o Equador e a Bolívia. Parece que em alfabetizar somos até bons, mas depois a coisa degringola: a repetência média na América Latina e no Caribe é de pouco mais de 4%. No Brasil, é de quase 19%.

No clima de ufanismo que anda reinando por aqui, talvez seja bom acalmar-se e parar para refletir. Pois, se nossa economia não ficou arruinada, a verdade é que nossas crianças brincam na lama do esgoto, nossas famílias são soterradas em casas cuja segurança ninguém controla, nossos jovens são assassinados nas esquinas, em favelas ou condomínios de luxo somos reféns da bandidagem geral, e os velhos morrem no chão dos corredores dos hospitais públicos. Nossos políticos continuam numa queda de braço para ver quem é o mais impune dos corruptos, a linguagem e a postura das campanhas eleitorais se delineiam nada elegantes, e agora está provado o que a gente já imaginava: somos péssimos em educação.

Pergunta básica: quanto de nosso orçamento nacional vai para educação e cultura? Quanto interesse temos num povo educado, isto é, consciente e informado - não só de seus deveres e direitos, mas dos deveres dos homens públicos e do que poderia facilmente ser muito melhor neste país, que não é só de sabiás e palmeiras, mas de esforço, luta, sofrimento e desilusão?

Precisamos muito de crianças que saibam ler e escrever no fim da 1ª série elementar; jovens que consigam raciocinar e tenham o hábito de ler pelo menos jornal no 2º grau; universitários que possam se expressar falando e escrevendo, em lugar de, às vezes com beneplácito dos professores, copiar trabalhos da internet. Qualidade e liberdade de expressão também são pilares da democracia. Só com empenho dos governos, com exigência e rigor razoáveis das escolas - o que significa respeito ao estudante, à família e ao professor - teremos profissionais de primeira em todas as áreas, de técnicos, pesquisadores, jornalistas e médicos a operários. Por que nos contentarmos com o pior, o medíocre, se podemos ter o melhor e não nos falta o recurso humano para isso? Quando empregarmos em educação uma boa parte dos nossos recursos, com professores valorizados, os alunos vendo que suas ações têm consequências, como a reprovação - palavra que assusta alguns moderníssimos pedagogos, palavra que em algumas escolas nem deve ser usada, quando o que prejudica não é o termo, mas a negligência. Tantos são os jeitos e os recursos favorecendo o aluno preguiçoso que alguns casos chegam a ser bizarros: reprovação, só com muito esforço. Trabalho ou relaxamento têm o mesmo valor e recompensa.

Sou de uma família de professores universitários. Exerci o duro ofício durante dez anos, nos quais me apaixonei por lidar com alunos, mas já questionava o nível de exigência que podia lhes fazer. Isso faz algumas décadas: quando éramos ingênuos, e não antecipávamos ter nosso país entre os piores em educação. Quando os alunos ainda não usavam celular e iPhone na sala de aula, não conversavam como se estivessem no bar nem copiavam seus trabalhos da internet - o que hoje começa a ser considerado normal. Em suma, quando escola e universidade eram lugares de compostura, trabalho e aprendizado. O relaxamento não é geral, mas preocupa quem deseja o melhor para esta terra.

Há gente que acha tudo ótimo como está: os que reclamam é que estão fora da moda ou da realidade. Preparar para as lidas da vida real seria incutir nos jovens uma resignação de usuários do SUS, ou deixar a meninada "aproveitar a vida": alguém pode me explicar o que seria isso?

10 novas competências para ensinar

PERRENOUD, Philippe

Este livro privilegia as práticas inovadoras e, portanto, as competências emergentes, aquelas que deveriam orientar as formações iniciais e continuadas, aquelas que contribuem para a luta contra o fracasso escolar e desenvolvem a cidadania, aquelas que recorrem à pesquisa e enfatizam a prática reflexiva.

1) organizar e dirigir situações de aprendizagem;

2) administrar a progressão das aprendizagens;

3) conceber e fazer com que os dispositivos de diferenciação evoluam;

4) envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho;

5) trabalhar em equipe;

6) participar da administração da escola;

7) informar e envolver os pais;

8) utilizar novas tecnologias;

9) enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão;

10) administrar a própria formação continua.

A prática educativa: como ensinar

ZABALA, Antoni.

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Nesta obra, ao tratar da questão da prática docente, o autor argumenta sobre a necessidade de aprimoramento e vigilância constante na postura do professor, sua prática e da organização de sua sequência didática, bem como as demais variáveis metodológicas.

Apresentando referenciais que permitem profunda reflexão e proporcionando parâmetros para as decisões a serem tomadas, o livro se ocupa dos problemas que a prática gera, considerando que os docentes são profissionais que devem diagnosticar o contexto de trabalho, tomar decisões, atuar e avaliar a pertinência das atuações, a fim de reconduzi-las no sentido adequado.

Quanto à função social do ensino e a concepção sobre os processos de aprendizagem, Zabala apresenta instrumentos de análise que levam o leitor a se debruçar sobre diversas indagações. A função social do ensino e o papel dos objetivos educacionais; os conteúdos e os processos de aprendizagem; o construtivismo e a aprendizagem dos conteúdos, conceitos e princípios.

As relações interativas em sala de aula, tratando do papel do professor e dos alunos, a organização da sala e dos conteúdos, a seleção dos materiais curriculares e outros recursos didáticos.

Também recebe lugar de destaque na obra, a questão da avaliação, que traz esclarecimentos sobre os tipos de avaliação, a necessidade de se avaliar, quem são os sujeitos e os objetos da avaliação.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Corrigindo ditos alguns populares

Confira como existem erros nos seguintes 'ditos populares'...

No popular se diz: 'Esse menino não pára quieto, parece que tem bicho carpinteiro' "Minha grande dúvida na infância... Mas que bicho é esse que é carpinteiro, um bicho pode ser carpinteiro?"
Correto: 'Esse menino não pára quieto, parece que tem bicho no corpo inteiro'


Batatinha quando nasce, esparrama pelo chão.'
Enquanto o correto é: ' Batatinha quando nasce, espalha a rama pelo chão.' "Se a batata é uma raiz, ou seja, nasce enterrada, como ela se esparrama pelo chão se ela está embaixo dele?"


'Cor de burro quando foge.'
O correto é: 'Corro de burro quando foge!' Esse foi o pior de todos!
Burro muda de cor quando foge??? Qual cor ele fica??? Porque ele muda de cor??? Eu queria porque queria ver um burro fugindo para ver a cor dele! Sério!

Outro que no popular todo mundo erra: 'Quem tem boca vai a Roma.'
"Bom, esse eu entendia, de um modo errado, mas entendia! Pensava que quem sabia se comunicar ia a qualquer lugar!" O correto é: 'Quem tem boca vaia Roma.' (isso mesmo, do verbo vaiar).

Outro que todo mundo diz errado, "Cuspido e escarrado" - quando alguém quer dizer que é muito parecido com outra pessoa. "Esse... Sei lá!"
O correto é: 'Esculpido em Carrara.' (Carrara é um tipo de mármore)

Mais um famoso.... 'Quem não tem cão, caça com gato.' "Entendia também, errado, mas entendia! Se não tem o cão para ajudar na caça o gato ajuda! Tudo bem que o gato só faz o que quer, quando quer e se quer, mas vai que o bicho tá de bom humor!"
O correto é:'Quem não tem cão, caça como gato.... ou seja, sozinho!'

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Vygotsky – Aprendizado e desenvolvimento: Um processo sócio-histórico

A (nova) abordagem da psicologia, desenvolvida por Vygotsky, revela-se em três idéias centrais, as quais podem ser consideradas como “pilares” do pensamento vygotskyano:

- as funções psicológicas possuem uma base biológica, porque são produtos da atividade cerebral;
- o funcionamento psicológico fundamentam-se nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo exterior, sendo que estas se desenvolvem-se num processo histórico;

- os sistemas simbólicos são os mediadores a relação homem-mundo;

Mediação Simbólica. A principal dedicação de Vygotsky foi o estudo das funções psicológicas superiores ou processos mentais superiores(pensar em objetos ausentes, imaginar eventos nunca vividos, planejar ações a serem realizadas em momentos posteriores tec.). Para que seja possível compreender as concepções vygotskyanas é necessário, primeiro, compreender o conceito de mediação. Este conceito, em termos genéricos, consiste no processo de intervenção de um elemento intermediário em uma relação, a qual deixa de ser direta e passa a ser mediada por tal elemento.

Vygotsky assume, então, o posicionamento segundo o qual a relação do homem com o mundo é uma relação, fundamentalmente, mediada. Diante disso, Vygotsky diferenciou dois tipos de mediadores; instrumentos (no plano externo ao homem) e os signos (no plano interno ao homem).

O uso de instrumentos. Dentre as características do instrumento, o autor mencionado destaca: é um elemento interposto entre o trabalhador e o objeto de seu trabalho, ampliando as possibilidades de transformação da natureza; o instrumento é feito ou buscado especialmente para um certo objetivo; ele carrega, portanto, a função para a qual foi criado e o modo de utilização desenvolvido durante a história do trabalho coletivo; é, pois, um objeto social e mediador da relação entre o indivíduo e o mundo.
Os animais também utilizam instrumentos, no entanto, existem diferenças entre as utilizações humanas e as animais. Tais diferenças consistem no fato de que apenas os seres humanos produzem, deliberadamente, instrumentos com objetivos específicos, guardam os instrumentos para uso futuro, preservam sua função como conquista a ser transmitida a outros membros do grupo social; são capazes de transformar o ambiente num momento específico, mas, não desenvolvem sua relação com o meio num processo histórico-cultural.

O uso de signos. A utilização de signos como auxiliares no tocante a solução de problemas psicológicos (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher etc.) pode ser comparada à utilização de instrumentos, só que no plano psicológico. O signo age como um instrumento da atividade da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho. Uma das grandes diferenças entre eles, no entanto, decorre do fato de que os instrumentos são elementos externos ao indivíduo e a sua função é modificar e controlar os processos da natureza, enquanto os signos são orientados para o próprio sujeito e tem por função o controle de ações psicológicas, seja do próprio indivíduo, seja de outras pessoas.

Os sistemas simbólicos e o processo de internalização. O uso de instrumentos sofre duas mudanças qualitativas fundamentais: por um lado, a utilização de marcas externas vai se transformar em processos internos de mediação; esse mecanismo é chamado, por Vygotsky, de processos de internalização; por outro lado, são desenvolvidos sistemas simbólicos, que organizam os signos em estruturas complexas e articuladas. Ao longo do processo de desenvolvimento, o indivíduo deixa de necessitar de marcas externas e passa a utilizar signos internos, isto é, representações mentais que substituem os objetos do mundo real.

Quando trabalhamos com os processos que caracterizam o funcionamento psicológico tipicamente humano, as representações mentais da realidade exterior são, na verdade, os principais mediadores a serem considerados na relação do homem com o mundo.

Os sistemas de representação da realidade – e, a linguagem é o sistema simbólico básico de todos os grupos humanos – são socialmente dados. É o grupo cultural onde o indivíduo se desenvolve que lhe fornece formas de perceber e organizar o real, as quais vão constituir os instrumentos psicológicos que fazem a mediação entre o indivíduo e o mundo. A vida humana, entretanto, está impregnada de significações e a influência do mundo social se dá por meio de processos que ocorrem em diversos níveis.

A interação de indivíduos possibilita a interiorização das formas culturalmente estabelecidas de funcionamento psicológico. Por isso, o intercâmbio social fornece a matéria-prima para o desenvolvimento psicológico do indivíduo.

Para se entender a origem das funções psicológicas superiores, portanto, é necessário refletir sobre as relações sociais entre o indivíduo e os outros homens, considerando que o fundamento do funcionamento psicológico tipicamente humano é social e, por isso, histórico.

(...)

* Para ter acesso ao resumo completo desta obra, solicite por e-mail para juarezfirmino@professor.sp.gov.br

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Protágoras

Houve tempo em que os deuses existiam, mas não as espécies mortais. Quando chegou o momento assinalado pelo destino para sua criação, os deuses formaram-nas nas entranhas da terra, com uma mistura de terra, de fogo e dos elementos associados ao fogo e à terra. Quando chegou a ocasião de as trazer à luz, encarregaram Prometeu e Epimeteu de as prover de qualidades apropriadas. Mas Epimeteu pediu a Prometeu que lhe deixasse fazer sozinho a partilha. “Quando acabar, disse ele, tu virás examiná-la”. Satisfeito o pedido, procedeu à partilha, atribuindo a uns a força sem a velocidade, aos outros a velocidade sem a força; deu armas a estes, recusou-as àqueles, mas concedeu-lhes outros meios de conservação; aos que tinham pequena corpulência deu asas para fugirem ou refúgio subterrâneo; aos que tinham a vantagem da corpulência esta bastava para os conservar; e aplicou este processo de compensação a todos os animais. Estas medidas de precaução eram destinadas a evitar o desaparecimento das raças. Então, quando lhes havia fornecido os meios de escapar à mútua destruição, quis ajudá-los a suportar as estações de Zeus; para isso, lembrou-se de os revestir de pêlos espessos e peles fortes, suficientes para os abrigar do frio, capazes também de os proteger do calor e destinados, finalmente a servir, durante o sono, de coberturas naturais, próprias de cada um deles; deu-lhes, além disso, como calçado, sapatos de corno ou peles calosas e desprovidas de sangue; em seguida deu-lhes alimentos variados, segundo as espécies: a uns, ervas do chão, a outros frutos das árvores, a outros raízes; a alguns deu outros animais a comer, mas limitou sua fecundidade e multiplicou a das vítimas, para assegurar a preservação da raça. Todavia, Epimeteu, pouco refletido, tinha esgotado as qualidades a distribuir, mas faltava-lhe ainda prover a espécie humana e não sabia como resolver o caso.

Então Prometeu veio examinar a partilha; viu os animais bem providos de tudo, mas o homem nu, descalço, sem cobertura nem armas, e aproximava-se o dia fixado em que ele devia sair do seio da terra para a luz. Então Prometeu, não sabendo que inventar para dar ao homem um meio de conservação, roubou a Hefaisto e a Ateneia o conhecimento das artes com o fogo, pois sem o fogo o conhecimento das artes é impossível e inútil, e presenteou com isto o homem. O homem ficou assim com ciência para conservar a vida, mas faltava-lhe a ciência política; esta, possuía-a Zeus, e Prometeu já não tinha tempo de entrar na acrópole que Zeus habita e onde velam, aliás, temíveis guardas. Introduziu-se, pois, furtivamente na oficina comum em que Ateneia e Hefaisto cultivavam o seu amor às artes, furtou ao Deus a sua arte de manejar o fogo e à Deusa a arte que lhe é própria, e ofereceu tudo ao homem, tornando-o apto a procurar recursos para viver. Diz-se que Prometeu foi depois punido pelo roubo que tinha cometido, por culpa de Epimeteu.

Quando o homem entrou na posse do seu quinhão divino, a princípio, por causa da sua afinidade com os deuses, acreditou na existência deles, privilégio só a ele atribuído, entre todos os animais, e começou a erguer-lhes altares e estátuas; seguidamente, graças à ciência que possuía, conseguiu articular a voz e formar os nomes das coisas, inventar as casas, o vestuário, o calçado, os leitos e tirar alimentos da terra. Com estes recursos, os homens, na sua origem, viviam isolados e as cidades não existiam; por isso morriam sob os ataques dos animais selvagens, mais fortes do que eles; bastavam as artes mecânicas, para os fazer viver; mas tinham insuficientes recursos na guerra contra os animais, porque não possuíam ainda a ciência política de que a arte militar faz parte. Por conseqüência procuraram reunir-se e pôr-se em segurança, fundando cidades; mas, quando se reuniam, faziam mal uns aos outros, porque lhes faltava a ciência política, de modo que se separavam novamente e morriam.

Então Zeus, receando que a nossa raça se extinguisse, encarregou Hermes de levar aos homens o respeito e a justiça para servirem de normas às cidades e unir os homens pelos laços da amizade. Então Hermes perguntou a Zeus de que maneira devia dar aos homens a justiça e o respeito. “Devo distribuí-los, como se distribuíram as artes? Ora as artes foram divididas de maneira que um único homem, especializado na arte médica, basta para um grande número de profanos e o mesmo quanto aos outros artistas. Devo repartir assim a justiça e o respeito pelos homens, ou fazer que pertençam a todos?”

– “Que pertençam a todos, respondeu Zeus; que todos tenham a sua parte, porque as cidades não poderiam existir se estas virtudes fossem, como as artes, quinhão exclusivo de alguns; estabelece, além disso, em meu nome, esta lei: que todo homem incapaz de respeito e de justiça seja exterminado como o flagelo da sociedade”.

Eis como e porquê, Sócrates, os atenienses e outros povos, quando se trata de arquitetura ou de qualquer arte profissional, entendem que só um pequeno número pode dar conselhos, e se qualquer outra pessoa, fora deste pequeno número, se atreve a emitir opinião, eles não o toleram, como acabo de dizer, e têm razão, ao que me parece. Mas, quando se delibera sobre política, em que tudo assenta na justiça e no respeito, têm razão de admitir toda a gente, porque é necessário que todos tenham parte na virtude cívica. Doutra forma, não pode existir a cidade.

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Platão, Protágoras.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

O diamante

Um dia, Maria chegou em casa da escola muito triste.

"O que foi?" perguntou a mãe de Maria.

Mas Maria nem quis conversa.

Foi direto para o seu quarto, pegou o seu Snoopy e se atirou na cama, onde ficou deitada, emburrada.

A mãe de Maria foi ver se Maria estava com febre. Não estava. Perguntou se Maria estava sentindo alguma coisa. Não estava. Perguntou se estava com fome. Não estava. Perguntou o que era, então.

"Nada" disse Maria.

A mãe resolveu não insistir. Deixou Maria deitada na cama, abraçada com o seu Snoopy, emburrada. Quando o pai de Maria chegou em casa do trabalho a mãe de Maria avisou:

"Melhor nem falar com ela..."

Maria estava com cara de poucos amigos. Pior, estava com cara de amigo nenhum.

Na mesa do jantar, Maria de repente falou:

"Eu não valo nada."

O pai de Maria disse:

"Em primeiro lugar, não se diz 'eu não valo nada'. É 'eu não valho nada'. Em segundo lugar, não é verdade. Você valhe muito. Quer dizer, vale muito."

"Não valho."

"Mas o que é isso?" disse a mãe de Maria. "Você é a nossa filha querida. Todos gostam de você. A mamãe, o papai, a vovó, os tios, as tias. Para nós, você é uma preciosidade."

Mas Maria não se convenceu. Disse que era igual a mil outras pessoas. A milhões de outras pessoas.

"Só na minha aula tem sete Marias."

"Querida..." começou a dizer a mãe. Mas o pai interrompeu.

"Maria, disse o pai, você sabe por que um diamante vale tanto dinheiro?"

"Porque é bonito."

"Porque é raro. Um pedaço de vidro também é bonito. Mas o vidro se encontra em toda parte. Um diamante é difícil de encontrar. Quanto mais rara é uma coisa, mais ela vale. Você sabe por que o ouro vale tanto?"

"Por quê?"

"Porque tem pouquíssimo ouro no mundo. Se o ouro fosse como areia, a gente ia caminhar no ouro, ia rolar no ouro, depois ia chegar cm casa e lavar o ouro do corpo para não ficar suja. Agora, imagina se em todo o mundo só existisse uma pepita de ouro."

"Ia ser a coisa mais valiosa do mundo.'

"Pois é. E em todo o mundo só existe uma Maria."

"São iguais a mim. Dois olhos, um nariz..."

"Mas esta pintinha aqui nenhuma delas tem."

"É..."

"Você já se deu conta que em todo mundo só existe uma você?"

"Mas, pai..."

"Só uma. Você é uma raridade. Podem existir outras parecidas. Mas você, você mesmo, só existe uma. Se algum dia aparecer outra você na sua frente, você pode dizer: é falsa."

"Então eu sou a coisa mais valiosa do mundo."

"Olha, você deve estar valendo aí uns três trilhões..."

Naquela noite a mãe de Maria passou perto do quarto dela e ouviu Maria falando com o Snoopy:

"Sabe um diamante?"
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Luís Fernando Veríssimo

sábado, 2 de janeiro de 2010

Desiderata

Do latim desideratum; aquilo que se deseja, aspiração...
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Vá placidamente por entre o barulho e a pressa e lembre-se da paz que pode haver no silêncio. Tanto quanto possível, sem capitular, esteja de bem com todas as pessoas. Fale a sua verdade calma e claramente; e escute os outros, mesmo os estúpidos e ignorantes; também eles têm a sua história. Evite as pessoas barulhentas e agressivas. Elas são o tormento para o espírito. Se você se comparar a outros, poderá se tornar vaidoso e amargo; porque sempre haverá pessoas superiores e inferiores a você. Desfrute suas conquistas assim como seus planos. Mantenha-se interessado em sua própria carreira, mesmo que humilde; é o que realmente se possui na sorte incerta dos tempos. Exercite a cautela nos negócios; porque o mundo é cheio de artifícios. Mas não deixe que isso o torne cego à virtude que existe; muitas pessoas lutam por altos ideais; e por toda parte a vida é cheia de heroísmo. Seja você mesmo. Principalmente não finja afeição, nem seja cínico sobre o amor; porque em face de toda aridez e desencantamento, ele é perene como a grama. Aceite gentilmente o conselho dos anos, renunciando com benevolência as coisas da juventude. Cultive a força do espírito para proteger-se num infortúnio inesperado. Mas não se desgaste com temores imaginários. Muitos medos nascem da fadiga e da solidão. Acima de uma benéfica disciplina, seja bondoso consigo mesmo. Você é filho do Universo, não menos que as árvores e as estrelas. Você tem o direito de estar aqui. E, quer seja claro ou não para você, sem dúvida o Universo se desenrola como deveria. Portanto, esteja em paz com Deus, qualquer que seja a sua forma de concebê-lo, e, seja qual for a sua lida e suas aspirações, na barulhenta confusão da vida, mantenha-se em paz com a sua alma. Com todos os enganos, penas e sonhos desfeitos, este ainda é um mundo maravilhoso. Esteja atento.
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Texto de autoria desconhecida, encontrado há mais de 2 séculos nas ruínas de uma igreja em Baltimore, USA.