"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Raciocínio e inferência

* Veja o problema apresentado no seguinte miniconto de fadas:


Há não muito tempo atrás, num país distante, havia um velho rei que tinha três filhas, inteligentíssimas e de indescritível beleza, chamadas Guilhermina, Genoveva e Griselda. Sentindo-se perto de partir desta para melhor, e sem saber qual das filhas designar como sua sucessora, o velho rei resolveu submetê-las a um teste. A vencedora não apenas seria a nova soberana, como ainda receberia a senha da conta secreta do rei (num banco suíço), além de um fim de semana, com despesas pagas, na Disneylândia. Chamando as filhas à sua presença, o rei mostrou-lhes cinco pares de brincos, idênticos em tudo com exceção das três pedras neles engastadas: três eram de esmeralda, e dois de rubi. O rei vendou então os olhos das moças e, escolhendo ao acaso, colocou em cada uma delas um par de brincos. O teste consistia no seguinte: aquela que pudesse dizer, sem sombra de dúvida, qual o tipo de pedra que havia em seus brincos herdaria o reino (e a conta na Suíça etc.).
A primeira que resolveu tentar foi Guilhermina, de quem foi removida a venda dos olhos. Guilhermina examinou os brincos de suas irmãs, mas não foi capaz de dizer que tipo de pedra estava nos seus (e retirou-se, furiosa). A segunda que desejou tentar foi Genoveva. Contudo, após examinar os brincos de Griselda, Genoveva se deu conta de que também não sabia determinar se seus brincos eram de esmeralda ou rubi e, da mesma forma que sua irmã, saiu batendo a porta. Quanto à Griselda, antes mesmo que o rei lhe tirasse a venda dos olhos, anunciou corretamente, alto e bom som, o tipo de pedra de seus brincos, dizendo ainda o porquê de sua afirmação. Assim, ela herdou o reino, a conta na Suíça e, na viagem à Disneylândia, conheceu um jovem cirurgião plástico, com quem se casou e foi feliz para sempre.
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Responda: Que brincos tinha Griselda, de esmeralda ou de rubi? Justifique sua resposta.


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sábado, 11 de fevereiro de 2017

A língua viva de Mikhail Bakhtin

A língua é viva

Para o teórico russo Mikhail Bakhtin e seu círculo de estudiosos, a língua tem vida porque é um diálogo contínuo entre os sujeitos sociais. Isso quer dizer que ela é como eu ou você e está sujeita aos processos normais pelos quais passam todos os seres vivos: há palavras que nascem, palavras que se modificam (tanto no que querem dizer como na forma da escrita), e palavras que morrem.
Nada mais natural. O estranho é que durante séculos isso não tenha sido considerado no ensino de língua. Até pouco tempo, o que se ensinava na escola eram os aspectos normativos da língua, principalmente. E ensinava-se como se eles nunca tivessem sido mudados e como se nunca fossem mudar novamente. Então, os alunos eram execrados se esquecessem das normas para uso do trema, do hífen. Com essa atitude, a escola ensinava apenas a norma culta, ou seja, aquela falada pelas elites (em momentos formais, claro) e abençoada pelos gramáticos. Mas, se a ortografia e a gramática sofrem mudanças, por que não tratar o erro de forma reflexiva e não punitiva?
Este é um primeiro ponto para reflexão neste momento de mudança da ortografia. Pode parecer que a luta imensa para ensinar aos meninos a complexa utilização da acentuação, por exemplo, foi em vão. Os professores mais antigos passaram décadas exigindo que os alunos acentuassem o que não tem mais acento. Carregaram água em cestos?
Outro ponto é o da apropriação, por nós adultos, das mudanças que chegam. Certamente, em nosso processo de aprendizagem, nos esforçamos para aprender coisas que teremos que esquecer! Aprendemos inutilidades?
Um terceiro ponto é oposto aos anteriores. Trata-se daqueles que se recusaram a obedecer às normas. Se eles não aprenderam coisas para desaprender, têm vantagens sobre os que aprenderam?
O assunto dá o que pensar, não só sobre a língua e seu ensino, mas sobre o ensino em geral em época de mudanças velozes. O que é mesmo que temos que ensinar para que os alunos tenham aquela tão falada base que possibilite que consigam prosseguir aprendendo, talvez para sempre, como a vida exige agora?
Muitos já vêm tentando há décadas flexibilizar conteúdos e ensino. O modo como boa parte dos professores encaram o ensino de gramática e ortografia, atualmente, por exemplo, mudou de forma radical. Passou-se, muitas vezes, a considerar a variante da língua falada na região como referência para a reflexão sobre os “erros”. Correto, desse modo a língua é estudada de acordo com sua natureza, ou seja, como nascida dos processos de comunicação social e viva pelo uso contínuo, histórico, do uso desses processos. Adotar esse procedimento de ensino valoriza a pessoa, o cidadão, qualquer que seja seu modo de falar.
O problema, às vezes, é ir do oito para o oitenta. Ao deixar de usar a gramática como camisa de força, pensou-se que a saída era não intervir no que os alunos escrevem. E essa postura ficou consolidada, principalmente, nas séries iniciais. Em vez de acolher as hipóteses dos alunos sobre a grafia das palavras para abrir um diálogo sobre ela, por exemplo, passou-se a aceitá-las como forma definitiva de grafar as palavras. “Escreva do seu jeito”, dizia-se. “Use sua criatividade”.
As mudanças na forma de grafar as palavras não podem ser decididas por professores e alunos na intimidade da sala de aula. Se cada um escrever do seu jeito, a comunicação pela escrita fica difícil. A cada escrita que nos chega sem um referencial padrão, temos que fazer um esforço para entendê-la, o que toma tempo e desgasta. É por essa razão que temos que combinar, num nível amplo, de nação para nação, como vão ser escritas as palavras. Para facilitar a comunicação. Para falarmos a mesma língua, mas não uma língua morta e rígida, uma língua viva que acompanha as mudanças sociais e as reflete.
É dessas mudanças que decorrem as alterações que a língua e seu ensino sofrem. Como quase sempre são mais profundas do que aparentam ser, é sempre bom parar para refletir sobre elas. A presente mudança ortográfica é um bom momento para essa reflexão.


Heloisa Amaral