"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Campos semânticos e campos léxicos

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Uma das maiores contribuições de Saussure foi a de mostrar que a palavra não é uma unidade semântica isolada. Ao procurar relações de aproximação (sinonímia) e de oposição (antonímia), abriu ele caminho para os estudos da semântica estrutural, notadamente entre linguistas da Alemanha e da Suíça, a partir das décadas de vinte e trinta, trazendo a ideia de ligação significativa de certos conjuntos de signos linguísticos, e.g., grupos de animais domésticos – cão, cavalo, gato, boi, que possuem em comum certos atributos (animais, irracionais, vertebrados, quadrúpedes, domésticos etc.), colocando-os, assim, em um mesmo campo semântico.
A esta associação de conceitos, Dubois (1978, p. 366) chama de campo semântico em termos de polissemia. Não alcança, porém, a aceitação da maioria dos linguistas, estes concordes com Mattoso Câmara Jr., entendendo que campos semânticos constituem “famílias ideológicas”.
Compreendido o sentido de campos semânticos ou campos nocionais, cumpre verificar que cada unidade-membro da família ideológica possui suas particularidades, vale esclarecer, traços mínimos de significação que a distingue das demais. Quando se diz canino, equino, felino, bovino, não se está colocando os signos em um mesmo campo semântico, pois as especificações referem-se a cada signo, isoladamente. As palavras unem-se em torno de uma palavra primitiva e a derivação constitui as “famílias etimológicas”.
Veja-se:

Campo semântico                            Campo léxico
Indústria                                           Operário
fábrica                                                operacional
operário                                              operariado
empresário                                          operacionalizar
máquina                                              operador
torno                                                  operar
metalúrgico                                         operante
têxtil                                                   operacionismo
mão-de-obra                                      operativo
empresarial                                         operoso
salário                                                 operosidade
sindicato

Ainda consoante Mattoso Câmara Jr., campos léxicos são famílias de palavras ou palavras cognatas, a saber, palavras que constituem um grupo de derivação incluindo-se a composição prefixal. Como exemplos:
§  Do latim fiscus-i (cesto de vime, cesto para dinheiro e, daí, dinheiro público): fisco, fiscal, fiscalista, fiscalizar, confiscar, confiscação, confiscatório, confiscativo, confiscável.
§  Do latim pecus-oris (rebanho, gado, objeto de troca em tempos antigos): pecuária, pecuário, pecuniário, pecúlio, peculiar, peculato, peculatório, peculador, pegureiro.
§  Do lati torquere (torqueo, torquis, torsus sum, torsum ou tortum): torto, tortura, torturar, tortuoso, tormento, torculo, torção, contorção, distorção, extorsão, contorcer, distorcer, extorquir, retorquir, retorcer, retorção.
§  Do latim loqui (loquor, locutus sum): loquaz, eloquência, colóquio, solilóquio, locutor, locução, elocução, alocução, alocutário, interlocutor, perculatário.
§   Do latim cursare (frequentativo de currere – correr): acorrer, concorrer, decorrer, discorrer, escorrer, intercorrer, recorrer, socorrer, transcorrer, curso, concurso, decurso, discurso, incurso, excursão, recurso, transcurso, socorro.
§    Do latim puer-i: puerícia, pueril, puericultura, puérpera, puerperal, puerilidade, puerpério, puerilizar.
§  Do latim trahere (traho-trahis-traxi-tractum): atração, abstração, contração, extração, detração, retrair, contrair, subtrair.


FONTE: DAMIÃO, Regina Toledo. Curso de português jurídico. 10. ed. – 2. Reimpressão. – São Paulo: Atlas, 2008. (Adaptado).
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sábado, 7 de dezembro de 2013

A ponte e a crase


O poeta Ferreira Gullar um dia me disse que “a crase não foi feita para humilhar ninguém”. Não sei de quem é a frase — talvez seja do próprio Gullar —, mas é lapidar. A crase talvez não humilhe, mas causa embaraços. A coisa começa na confusão entre o nome do acento que indica a crase e a própria crase. Vamos por partes. O acento que aparece em “à”, “às”, por exemplo, chama-se grave.
O acento é grave. Crase é o nome do fenômeno. Crase vem do grego e significa fusão, mistura. De qualquer coisa com qualquer coisa. O dicionário Aurélio diz que a palavra é empregada em linguagem médica, para indicar “mistura, equilíbrio das partes constitutivas dos líquidos orgânicos”. Em gramática, quando se fala de crase, fala-se da fusão de duas vogais iguais.
No português moderno, em 99% dos casos, a crase se restringe à fusão da preposição “a” com o artigo “a”. É o que ocorre em “O livro pertence à diretora”, por exemplo. O verbo pertencer rege a preposição “a”. Se uma coisa pertence, pertence a alguém. Esse “a” se funde com o artigo feminino “a”, exigido pelo substantivo feminino “diretora”. Pois bem. A fusão dessas vogais (a+a) é representada pelo acento grave a+a=à.
Tome cuidado com a pronúncia, com a leitura. Muita gente, quase sempre com a melhor das intenções, espicha esse “a” na leitura: “O livro pertence aa diretora”. Mais caprichosos, alguns exageram e ficam uma semana com o “à” na boca (pertence aaaaaa diretora). Nada disso. Lê-se esse “a” como se lê “a” ou “há”. Na boca o som é o mesmo.
E que relação a crase tem com a ponte? Você já deve ter visto na televisão uma propaganda da TAM, que termina com a seguinte frase: “A ponte que liga (ou “une” — não me lembro) preço à qualidade”. Que tal o acento grave? Pense comigo. Parece que a ponte liga (ou une) x a y. Quem são x e y?Preço e qualidade, dois substantivos, isto é, duas palavras de mesma natureza.
Existe em língua um processo chamado simetria, paralelismo. Ou se coloca artigo para os dois substantivos, ou não se coloca nenhum. Ao empregar o acento grave antes de “qualidade”, o redator fundiu preposição e artigo, ou seja, empregou o artigo para “qualidade”. E onde está o artigo para “preço”? O gato comeu.
Moral da história: “A ponte que une o preço à qualidade”. Ou “A ponte que une preço a qualidade”. É isso.


“Inculta & Bela”, Pasquale Cipro Neto.
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domingo, 1 de dezembro de 2013

Exigências da vida moderna


Dizem que todos os dias você deve comer uma maçã por causa do ferro.
E uma banana pelo potássio.
E também uma laranja pela vitamina C. Uma xícara de chá verde sem açúcar para prevenir a diabetes.
Todos os dias deve-se tomar ao menos dois litros de água. E uriná-los, o que consome o dobro do tempo.
Todos os dias deve-se tomar um Yakult pelos lactobacilos (que ninguém sabe bem o que é, mas que aos bilhões, ajudam a digestão). Cada dia uma Aspirina, previne infarto. Uma taça de vinho tinto também. Uma de vinho branco estabiliza o sistema nervoso. Um copo de cerveja, para... não lembro bem para o que, mas faz bem. O benefício adicional é que se você tomar tudo isso ao mesmo tempo e tiver um derrame, nem vai perceber.
Todos os dias deve-se comer fibra. Muita, muitíssima fibra. Fibra suficiente para fazer um pulôver.
Você deve fazer entre quatro e seis refeições leves diariamente. E nunca se esqueça de mastigar pelo menos cem vezes cada garfada. Só para comer, serão cerca de cinco horas do dia...
E não esqueça de escovar os dentes depois de comer. Ou seja, você tem que escovar os dentes depois da maçã, da banana, da laranja, das seis refeições e enquanto tiver dentes, passar fio dental, massagear a gengiva, escovar a língua e bochechar com Plax. Melhor, inclusive, ampliar o banheiro e aproveitar para colocar um equipamento de som, porque entre a água, a fibra e os dentes, você vai passar ali várias horas por dia.
Há que se dormir oito horas por noite e trabalhar outras oito por dia, mais as cinco comendo são vinte e uma.
Sobram três, desde que você não pegue trânsito. As estatísticas comprovam que assistimos três horas de TV por dia. Menos você, porque todos os dias você vai caminhar ao menos meia hora (por experiência própria, após quinze minutos dê meia volta e comece a voltar, ou a meia hora vira uma).
E você deve cuidar das amizades, porque são como uma planta: devem ser regadas diariamente, o que me faz pensar em quem vai cuidar delas quando eu estiver viajando.
Deve-se estar bem informado também, lendo dois ou três jornais por dia para comparar as informações.
Ah! E o sexo! Todos os dias, tomando o cuidado de não se cair na rotina. Há que ser criativo, inovador para renovar a sedução. Isso leva tempo - e nem estou falando de sexo tântrico.
Também precisa sobrar tempo para varrer, passar, lavar roupa, pratos e espero que você não tenha um bichinho de estimação. Na minha conta são 29 horas por dia.
A única solução que me ocorre é fazer várias dessas coisas ao mesmo tempo! Por exemplo, tomar banho frio com a boca aberta, assim você toma água e escova os dentes. Chame os amigos junto com os seus pais. Beba o vinho, coma a maçã e a banana junto com a sua mulher... na sua cama.
Ainda bem que somos crescidinhos, senão ainda teria um Danoninho e se sobrarem 5 minutos, uma colherada de leite de magnésio.
Agora tenho que ir.
É o meio do dia, e depois da cerveja, do vinho e da maçã, tenho que ir ao banheiro.
E já que vou, levo um jornal... Tchau!
Viva a vida com bom humor!!!


Luis Fernando Veríssimo