"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Sobre o uso das redes sociais na internet

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O passado vai nos condenar

No mundo físico, você sempre pode mudar. Pode mudar de cidade, de aparência, de estilo, de profissão, de opinião. Na internet, não é assim: tudo o que você já fez ou diz fica gravado para sempre. Cada vez mais, usamos a rede para nos relacionarmos uns com os outros. Isso está gerando uma massa de dados tão grande, cobrindo tantos detalhes de nossas vidas, que no futuro será muito difícil de controlar – e poderá nos comprometer. “Nunca mais escreva [na internet] nada que você não queira ver estampado na capa de um jornal”, advertem Cohen e Schmidt, autores do livro The New Digital Age.
A internet não esquece nada. E isso afetará a vida de todo mundo. Se uma criança chamar uma colega de “gorda” na rede, por exemplo, poderá manchar a própria reputação pelo resto da vida – pois todo mundo poderá saber que, um dia, ela praticou bullying. Inclusive potenciais empregadores, que poderão deixar de contratá-la. Uma foto ou comentário poderão trazer consequências por muito tempo. Schmidt diz que a internet deveria ter um botão “delete”, que permitisse apagar para sempre eventuais erros que cometamos online. Isso é muito difícil, pois alguém sempre poderá ter copiado a informação que queremos ver sumir. Mas surgirão empresas especializadas em gerenciar nossa reputação online, prometendo controlar ou eliminar informações de que não gostamos, e empresas de seguro virtual, que vão oferecer proteção contra roubo de identidade virtual e difamação na internet. “A identidade online será algo tão valioso que até surgirá um mercado negro, em que as pessoas poderão comprar identidades reais ou inventadas”, dizem os autores.
O fim do esquecimento terá consequências profundas – que, para o Google, incluirão até a escolha do nome das pessoas. Alguns casais batizarão seus filhos com nomes bem diferentes, que não sejam comuns, e registrarão esses nomes nas redes sociais antes mesmo do nascimento da criança, tudo para que ela se destaque. Outros preferirão nomes comuns e genéricos, como “José Carlos”, que sejam muito frequentes e tornem mais difícil identificar a pessoa, permitindo que se esconda na multidão e mantenha algum grau de privacidade online.


(Anna Carolina Rodrigues – Superinteressante, junho, 2013. Adaptado)
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sábado, 24 de agosto de 2013

A reforma pelo jornal


A Reforma pelo jornal

Texto-fonte:
Obra Completa, Machado de Assis,
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, V.III, 1994.

Publicado originalmente em O Espelho , Rio de Janeiro, 23/10/1859.

  
Houve uma coisa que fez tremer as aristocracias, mais do que os movimentos populares; foi o jornal. Devia ser curioso vê-las quando um século despertou ao clarão deste fiat humano; era a cúpula de seu edifício que se desmoronava.
Com o jornal eram incompatíveis esses parasitas da humanidade, essas fofas individualidades de pergaminho alçado e leitos de brasões. O jornal que tende à unidade humana, ao abraço comum, não era um inimigo vulgar, era uma barreira...  de papel, não, mas de inteligências, de aspirações.
É fácil prever um resultado favorável ao pensamento democrático. A imprensa, que encarnava a ideia no livro, expendi eu em outra parte, sentia-se ainda assim presa por um obstáculo qualquer; sentia-se cerrada naquela esfera larga mas ainda não infinita; abriu pois uma represa que a impedia, e lançou-se uma noite aquele oceano ao novo leito aberto: o pergaminho será a Atlântida submergida.

Por que não?

Todas as coisas estão em gérmen na palavra, diz um poeta oriental. Não é assim? O verbo é a origem de todas as reformas.

Os hebreus, narrando a lenda do Gênesis, dão à criação da luz a precedência da palavra de Deus. É palpitante o símbolo. O fiat repe­tiu-se em todos caos, e, coisa admirável! sempre nasceu dele alguma luz.

A história é a crônica da palavra. Moisés, no deserto; Demóstenes, nas guerras helênicas; Cristo, nas sinagogas da Galileia; Huss, no púlpito cristão; Mirabeau, na tribuna republicana; todas essas bocas eloquentes, todas essas cabeças salientes do passado, não são senão o fiat multiplicado levantado em todas as confusões da humanidade. A história não é um simples quadro de acontecimentos; é mais, é o verbo feito livro.

Ora pois, a palavra, esse dom divino que fez do homem simples matéria organizada, um ente superior na criação, a palavra foi sem­pre uma reforma. Falada na tribuna é prodigiosa, é criadora, mas é o monólogo; escrita no livro, é ainda criadora, é ainda prodigiosa, mas é ainda o monólogo; esculpida no jornal, é prodigiosa e cria­dora, mas não é o monólogo, é a discussão.

E o que é a discussão?

A sentença de morte de todo o status quo, de todos os falsos princípios dominantes. Desde que uma coisa é trazida à discussão, não tem legitimidade evidente, e nesse caso o choque da argumentação é uma probabilidade de queda.

Ora, a discussão, que é a feição mais especial, o cunho mais vivo do jornal, é o que não convém exatamente à organização desigual e sinuosa da sociedade.

Examinemos.

A primeira propriedade do jornal é a reprodução amiudada, é o derramamento fácil em todos os membros do corpo social. Assim, o operário que se retira ao lar, fatigado pelo labor quotidiano, vai lá encontrar ao lado do pão do corpo, aquele pão do espírito, hóstia social da comunhão pública. A propaganda assim é fácil; a discussão do jornal reproduz-se também naquele espírito rude, com a diferença que vai lá achar o terreno preparado. A alma torturada da individualidade ínfima recebe, aceita, absorve sem labor, sem obstá­culo aquelas impressões, aquela argumentação de princípios, aquela arguição de fatos. Depois uma reflexão, depois um braço que se ergue, um palácio que se invade, um sistema que cai, um princípio que se levanta, uma reforma que se coroa.

Malévola faculdade — a palavra!

Será ou não o escolho das aristocracias modernas, este novo molde do pensamento e do verbo?

Eu o creio de coração. Graças a Deus, se há alguma coisa a espe­rar é a das inteligências proletárias, das classes ínfimas; das supe­riores, não.

As aristocracias dissolvem-se, diz um eloquente irmão d'armas. É a verdade. A ação democrática parece reagir sobre as castas que se levantam no primeiro plano social. Os próprios brasões já se humanizam mais, e alguns jogam na praça sem notarem que começam a confundir-se com as casacas do agiota.

Causa riso.

Tremem, pois, tremem com este invento que parece abranger os séculos — e rasgar desde já um horizonte largo às aspirações cívicas, às inteligências populares.

E se quisessem suprimi-lo? Não seria mau para eles; o fechamento da imprensa, e a supressão da sua liberdade, é a base atual do pri­meiro trono da Europa.

Mas como! cortar as asas de águia que se lança no infinito, seria uma tarefa absurda, e, desculpem a expressão, um cometimento par­vo. Os pergaminhos já não são asas de Ícaro. Mudaram as cenas; o talento tem asas próprias para voar; senso bastante para aquilatar as culpas aristocráticas e as probidades cívicas.

Procedem estas ideias entre nós? Parece que sim. É verdade que o jornal aqui não está à altura da sua missão; pesa-lhe ainda o último elo. Às vezes leva a exigência até à letra maiúscula de um título de fidalgo.

Cortesania fina, em abono da verdade!

Mas, não importa! eu não creio no destino individual, mas aceito o destino coletivo da humanidade. Há um polo atraente e fases a atravessar. — Cumpre vencer o caminho a todo o custo; no fim há sempre uma tenda para descansar, e uma relva para dormir.