segunda-feira, 6 de julho de 2015
A língua é viva segundo Mikhail Bakhtin
A língua é viva
Para o teórico russo Mikhail Bakhtin e seu círculo de estudiosos, a língua
tem vida porque é um diálogo contínuo entre os sujeitos sociais. Isso quer
dizer que ela é tão viva como eu ou você e está sujeita aos processos normais
pelos quais passam todos os seres vivos: há palavras que nascem, palavras que
se modificam (tanto no que querem dizer como na forma da escrita), palavras que
morrem.
Nada mais natural. O estranho é que durante séculos isso não tenha sido considerado
no ensino de língua. Até pouco tempo, o que se ensinava na escola eram os
aspectos normativos da língua, principalmente. E ensinava-se como se eles nunca
tivessem sido mudados e como se nunca fossem mudar novamente. Então, os alunos eram
execrados se esquecessem normas para uso do trema, do hífen. Com essa atitude,
a escola ensinava apenas a norma culta, ou seja, aquela falada pelas elites (em
momentos formais, claro) e abençoada pelos gramáticos. Mas, se a ortografia e a
gramática sofrem mudanças, por que não tratar o erro de forma reflexiva e não punitiva?
Este é um primeiro ponto para reflexão neste momento de mudança da
ortografia. Pode parecer que a luta imensa para ensinar aos meninos a complexa
utilização da acentuação, por exemplo, foi em vão. Os professores mais antigos
passaram décadas exigindo que os alunos acentuassem o que não tem mais acento.
Carregaram água em cestos?
Outro ponto é o da apropriação, por nós adultos, das mudanças que chegam. Certamente,
em nosso processo de aprendizagem, nos esforçamos para aprender coisas que
teremos que esquecer! Aprendemos inutilidades?
Um terceiro ponto é oposto aos anteriores. Trata-se daqueles que se
recusaram a obedecer às normas. Se eles não aprenderam coisas para desaprender,
têm vantagens sobre os que aprenderam?
O assunto dá o que pensar, não só sobre a língua e seu ensino, mas sobre o ensino
em geral em época de mudanças velozes. O que é mesmo que temos que ensinar para
que os alunos tenham aquela tão falada base que possibilite que consigam
prosseguir aprendendo, talvez para sempre, como a vida exige agora?
Muitos já vêm tentando há décadas flexibilizar conteúdos e ensino. O modo
como boa parte dos professores encaram o ensino de gramática e ortografia,
atualmente, por exemplo, mudou de forma radical. Passou-se, muitas vezes, a
considerar a variante da língua falada na região como referência para a
reflexão sobre os “erros”. Correto, desse modo a língua é estudada de acordo
com sua natureza, ou seja, como nascida dos processos de comunicação social e
viva pelo uso contínuo, histórico, do uso desses processos. Adotar esse
procedimento de ensino valoriza a pessoa, o cidadão, qualquer que seja seu modo
de falar.
O problema, às vezes, é ir do oito para o oitenta. Ao deixar de usar a
gramática como camisa de força, pensou-se que a saída era não intervir no que
os alunos escrevem. E essa postura ficou consolidada, principalmente, nas
séries iniciais. Em vez de acolher as hipóteses dos alunos sobre a grafia das
palavras para abrir um diálogo sobre ela, por exemplo, passou-se a aceitá-las
como forma definitiva de grafar as palavras. “Escreva do seu jeito”, dizia-se.
“Use sua criatividade”.
As mudanças na forma de grafar as palavras não podem ser decididas por professores
e alunos na intimidade da sala de aula. Se cada um escrever do seu jeito, a
comunicação pela escrita fica difícil. A cada escrita que nos chega sem um
referencial padrão, temos que fazer um esforço para entendê-la, o que toma
tempo e desgasta. É por essa razão que temos que combinar, num nível amplo, de
nação para nação, como vão ser escritas as palavras. Para facilitar a
comunicação. Para falarmos a mesma língua, mas não uma língua morta e rígida,
uma língua viva que acompanha as mudanças sociais e as reflete.
É dessas mudanças que decorrem as alterações que a língua e seu ensino
sofrem. Como quase sempre são mais profundas do que aparentam ser, é sempre bom
parar para refletir sobre elas. A presente mudança ortográfica é um bom momento
para essa reflexão.
Heloisa Amaral
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