"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Variação diamésica

Variação diamésica (oralidade e escrita)

Uma das confusões que as pessoas mais cometem no campo da variação linguística é acreditar que oralidade é sinônimo de informalidade. Nada mais enganoso. Existem várias situações em que necessitamos nos expressar oralmente de maneira formal. Veja alguns exemplos: uma entrevista de emprego, um seminário, uma palestra, uma arguição oral em um concurso público, uma reunião de negócios.
Por outro lado, é preciso reconhecer que a oralidade possui certas características que a distinguem sensivelmente da expressão escrita. A principal delas diz respeito aos momentos de produção e recepção do texto: na comunicação oral, eles são simultâneos ― à medida que você fala, seu interlocutor ouve; já na comunicação escrita, existe uma defasagem entre o momento de produção e o de recepção.
Essa diferença fundamental traz vantagens e desvantagens para cada modalidade. A vantagem da sincronia na comunicação oral é que ela nos permite acionar dois importantes mecanismos:

·         a negociação de sentido:

O que você quis dizer com isso?
                                    
Eu quis dizer que...
                                                                          

·         e a correção que pode ser pontual:
O anarquismo é uma posição... Ou, melhor dizendo, uma corrente ideológica.
                                                                   

Se notamos que o interlocutor não está nos entendendo bem, a correção pode implicar uma verdadeira paráfrase:
Já vi que você não está entendendo, então vou explicar de outro modo...
                    

Esses mecanismos não são acionados apenas por palavras, mas também por gestos, expressões faciais, olhares. Basta nosso interlocutor nos olhar com “cara de ponto de interrogação” para sabermos que não estamos sendo bem compreendidos. A linguagem não verbal nos permite, também, complementar o sentido da verbal: entonação, gestos, referências a elementos do entorno ― tudo isso ajuda a tornar a comunicação oral mais clara.
Já a comunicação escrita não conta com nenhum desses expedientes. O autor precisa prever todas as dúvidas que seu texto pode causar ao leitor e tentar esclarecê-las no momento da produção. O leitor, por sua vez, só conta com aquele papel (ou tela) inerte para recuperar os significados que o autor tentou construir.
Essa falta de sincronia tem, contudo, suas vantagens. Poderíamos dizer que, se o texto oral é como uma transmissão ao vivo, o texto escrito é como um programa gravado e editado: podemos revisá-lo quantas vezes for necessário, “apagando” os erros que cometemos e apresentando ao interlocutor apenas o resultado final, perfeitamente polido e retocado. Outra vantagem da comunicação escrita é que ela nos permite fazer pesquisas e consultas durante a produção ― se você está preparando uma monografia, por exemplo, pode buscar informações em livros e textos na Internet; mas, se está apresentando um seminário, só pode contar com suas anotações e a própria memória.
A possibilidade de produzir textos mais bem-acabados gera, também, maior cobrança na expressão escrita. Em outras palavras, tendemos a ser bem menos tolerantes com erros nos textos escritos do que nos orais. Cientes disso, as pessoas costumam tomar um cuidado maior na hora de escrever. Portanto, tende a existir, de fato, maior formalidade na expressão escrita; mas isso não significa que não haja eventos comunicativos orais formais, como dissemos antes.

Síntese das principais diferenças entre oralidade e escrita.

Oralidade
Escrita
O momento de produção e o de recepção do texto são simultâneos.
Há defasagem entre o momento de produção e o de recepção.
É possível negociar o sentido com o interlocutor e, também, corrigir-se.
O autor deve antecipar possíveis dúvidas do leitor e tratar de esclarecê-las ainda no momento de produção.
O texto é coconstruído: para comunicar-se melhor, os interlocutores interagem o tempo todo, usando tanto a linguagem verbal quanto a não verbal.
O autor produz o texto solidariamente e, depois, o leitor deve reconstruir seus significados também sozinho.
É impossível “voltar atrás” no que foi dito.
É possível revisar o texto quantas vezes for necessário.
O processo de produção é transparente: o interlocutor “vê” seus erros e correções.
O processo de produção fica oculto: o leitor tem acesso apenas ao texto final.
É impossível consultar outras fontes durante a produção.
É possível consultar outras fontes e checar as informações.
O planejamento é local: enquanto está falando uma frase, a pessoa pensa na próxima.
O planejamento é global: a pessoa planeja o texto como um todo e, caso se desvie do plano inicial, pode aceitar a nova ordem ou voltar atrás.
Tende a haver maior tolerância a erros e, portanto, mais informalidade.
Tende a haver maior cobrança e, portanto, mais formalidade.
A obediência à norma padrão costuma ser menos rígida. Por exemplo: as marcas do plural às vezes desaparecem.
A norma padrão costuma ser seguida com mais rigor, até porque é possível revisar o texto.
Predomínio de frases curtas e simples: “Bom dia, pessoal! Hoje a gente vai dar uma recordada na equação de segundo grau. Vamos abrir o livro na página 10 que eu já explico”.
Predomínio de frases longas e complexas: “Para a primeira aula, está prevista uma revisão dos fundamentos de cálculo, a começar pela equação de segundo grau. Os alunos resolverão uma série de problemas em sala, sob a supervisão do professor”.
Predomínio da voz ativa e da ordem direta: “Vamos revisar os fundamentos de cálculo”.
Uso frequente da voz passiva e da ordem indireta: “Serão revisados os fundamentos de cálculo”.
Abundância de “frases quebradas” (anacolutos): “Essas optativas, precisa fazer o pré-requisito primeiro”.
Maior linearidade na composição das frases: “Para inscrever-se nas disciplinas optativas, é preciso ter cumprido os pré-requisitos”.

*Fonte: Adaptado da obra de GUIMARÃES, Thelma de Carvalho. Comunicação e linguagem. – São Paulo: Pearson, 2012.