quarta-feira, 29 de julho de 2015
Comentários sobre a Literatura Barroca no Brasil
Os
ciclos de ocupação da terra sucederam-se em consonância com as possibilidades
demográficas e os interesses econômicos. Do litoral para o interior foram se
definindo manchas de povoamento que originaram ilhas culturais. Estas, segundo
Viana Moog, foram sementes da literatura regionalista que se faz presente ao
longo de toda a história literária do país.
Nesta
primeira fase é sensível a presença da Europa: Ibéria, no barroco; Itália, no
arcadismo; francesa, no iluminismo (ver Século das Luzes). Define-se,
ainda, a mediação da metrópole na transposição de valores estéticos do
arcadismo e iluminismo. As manifestações literárias dos três primeiros séculos
brasileiros respondem, antes de tudo, ao problema da expansão ultramarina. A Carta
de Pero Vaz de Caminha, oficializando para Portugal a posse das terras
brasileiras, e o Diário de Navegação de Pero Lopes e Martim Afonso de
Souza (1530) podem ser incluídos na Literatura de Viagens, gênero definido ao
longo do século XV, em Portugal.
O
processo expansionista desdobra-se na colonização. Vencido o mar, começa a
preocupação com a terra desconhecida que significava um desafio, pois,
aparentemente, era indomesticável. Logo surgiram propostas para a possível
resistência, agressividade e inconquistabilidade do índio. Esta preocupação
manifesta-se na necessidade de registrar informações, organizar elencos e
catálogos. Por estes motivos são importantes os Textos de Informação, entre
os quais se inserem Tratado da terra do Brasil (1570) e História da
província de Santa Cruz (1576), de Pero de Magalhães Gandavo; Narrativa
epistolar e o tratado da terra e gente do Brasil (1587), de Gabriel Soares;
Diálogo das grandezas do Brasil (1618), de Ambrósio Fernandes Brandão; Diálogo
sobre a conversão do gentio, do padre Manuel da Nóbrega; História do
Brasil (1627), de frei Vicente de Salvador e os três primeiros séculos das Cartas
jesuíticas.
Estes
textos descrevem a terra, os costumes silvícolas e revelam a expectativa do
colonizador em encontrar ouro e prata. Já os textos jesuíticos, mesmo os
literários, de poesia ou teatro, têm como pano de fundo a preocupação missionária,
alimentada pelo clima proporcionado pelas resoluções do Concílio de Trento.
Esta realidade é facilmente identificada na obra do padre, poeta e dramaturgo
José de Anchieta (1534-1597), autor de autos pastoris, entre eles, o Auto
representativo da festa de São Lourenço (1583), e de poemas em metros
breves, de tradição medieval espanhola e portuguesa, entre os quais se destacam
Santíssimo Sacramento e A Santa Inês.
O
teatro liga-se aos vilancicos ibéricos, centrando-se no antagonismo entre anjos
e demônios, bem e mal, vício e virtude. Nos poemas épicos, Anchieta mostra a
influência de Virgílio. O polilinguismo de muitas poesias e autos expressa uma
atitude adaptativa ao meio. A palavra escrita ajustava-se à nova realidade,
tentando inculcar valores portugueses e cristãos na população autóctone e
mestiça que começava a se constituir. Estes primeiros escritos, feitos no
Brasil e sobre o Brasil, de acordo com critérios estéticos vigentes no
ocidente, desvendam relações com estilos de vida e arte. São importantes por
conterem uma literatura de imaginação, possível raiz do mito ufanista que se
projeta através do tempo até a contemporaneidade.
Esteticamente,
as criações literárias dos três primeiros séculos são barrocas, neoclássicas e
arcádicas. A organização da prosa identifica-se com o barroco no processo de
identificação ilusória e sensorial, expresso nos jogos de palavras, trocadilhos
e enigmas. Conceitualismo e cultismo, na melhor tradição cultural ibérica,
misturam o mitológico ao descritivo, a alegoria ao realismo, o patético ao
satírico, o idílico ao dramático. A literatura brasileira nasceu com o barroco,
pelas mãos jesuíticas. Neste trabalho merecem destaque o padre Antônio Vieira,
Bento Teixeira, Gregório de Matos, Manuel Botelho de Oliveira, secundados por
frei Manuel de Santa Maria Itaparica, padre Simão de Vasconcelos, frei Manuel
Calado, Francisco de Brito Freire. Quando não integrantes da Companhia de
Jesus, muitos destes autores foram educados pelos jesuítas, nos colégios ao
lado das igrejas, em aulas de letras e humanidades, focos de transmissão da
cultura metropolitana. Nelas, escoava-se a tradição portuguesa da retórica,
base da formação intelectual e literária, preocupada em ensinar a falar e
escrever com persuasão e beleza. Projetava-se, também, a postura intelectual da
imitação de modelos, realizada nos escritos destes primeiros autores, em
variados graus que vão da inspiração à glosa e tradução.
Nesta
primeira fase, a literatura brasileira segue o ritmo lusitano do tempo. A obra
do jesuíta, catequista e orador sacro Antônio Vieira (1608-1697) sincretiza
marcas europeias, portuguesas e brasileiras. Os 15 volumes de Sermões são
de particular interesse para nossa literatura, principalmente o Sermão do
primeiro domingo da Quaresma (1653) que versava sobre a extinção do escravismo
índio e o Sermão XIV do rosário (1633), sobre os escravos negros. Na História
do futuro, Antônio Vieira escreve um tratado sobre o profetismo onde
defende a mística do 5º Império do Mundo, que seria português, com sede no
Brasil. Beirando a heterodoxia, este texto obrigou seu autor a explicar-se ante
o Tribunal do Santo Ofício. Maior orador sacro do Brasil, o padre Antônio
Vieira era um barroco. Sua oratória é prolixa, cheia de alegorias nas quais
revela a argúcia de seu raciocínio.
Bento Teixeira (1561-1600), cristão-novo português,
nascido no Porto e morador em Pernambuco, escreveu a Prosopopeia, exaltando
o terceiro donatário da Capitania de Pernambuco, Jorge de Albuquerque Coelho.
Obra barroca, calcada em Os Lusíadas, exalta o herói estoico cristão, realçando
valores como o heroísmo, a estirpe, o poder, a glória, a honra, a riqueza, o
saber e as virtudes. Inspira-se na terra e tem um caráter eminentemente social
e individual. Criação diretamente estruturada pela realidade permite a
realização, num plano imaginário, de uma coerência jamais atingida pelo autor,
cripto-judeu, no plano real.
Gregório de Matos (1838-1696), natural da Bahia, cria uma
poética composta de poemas líricos, religiosos e satíricos, nos quais retrata o
Brasil com pessimismo realista, mesclado de obscenidades. Pela temática e
técnica estilística, é a mais forte expressão individual do barroco na colônia.
Manifestação da mestiçagem cultural, Gregório de Matos coloca em seus escritos
antíteses, equívocos e jogos de palavras, transpostos dos modelos de Góngora e
Quevedo. Sua obra é marcada pelos dualismos: religiosidade e sensualismo,
misticismo e erotismo, valores terrenos e aspirações espirituais.
Manoel Botelho de Oliveira
(1838-1711), publicou
Musica do Parnaso (1705), dividido em quatro coros de rimas portuguesas,
castelhanas, italianas e latinas, com seu descante cômico reduzido em duas
comédias: Hay amigo para amigos e Amor, Engaños y Celos. Poeta-literato
segue os modelos de Marino Góngora e, em seu processo estilístico, destacam-se
a analogia e a acentuação dos contrastes.
Frei Manoel de Santa Maria (1704-1768), escreveu uma epopeia sacra, Eustáquidos
(1769), imitação dos épicos, e um poema, Descrição da cidade da Ilha de
Itaparica. Simão de Vasconcelos produziu uma obra de edificação religiosa
em que se distingue a Vida do venerável padre José de Anchieta (1672).
Frei Manuel Calado (1584–1654), inspira-se na defesa da
terra contra invasores estrangeiros para criar Valeroso Lucideno (1648).
De autoria de Francisco Brito Freire é A Nova Lusitânia (1675). Nesta
primeira fase não se deve estranhar o teor das manifestações literárias.
Primeiro, pela fragilidade da vida intelectual na colônia, fato compreensível
uma vez que a colonização foi um fenômeno burguês, com caráter empresarial,
visando à produção e o lucro no comércio do açúcar. Não havia público para a
produção literária, nem interesse nela, em um meio acrítico e desinteressado da
vida cultural. No entanto, não houve deseuropeização: as estruturas do mundo
que se erigia eram genuinamente portuguesas, embora passíveis de adoçamentos.
As manifestações literárias foram, pois, desdobramentos da literatura
portuguesa que, por sua vez, ainda não tinha desenvolvido, perfeitamente, os
gêneros literários. Salvo raras exceções, a literatura barroca produzida na
colônia acabou sendo de qualidade inferior. A própria obra de Anchieta, a mais
alta expressão do barroco no seu tempo, não teve valor estético de primeira
grandeza.
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