O primeiro a embarcar é um
Fidalgo, que chega acompanhado de um Pajem, que leva a cauda da roupa do
Fidalgo e também uma cadeira, para seu encosto.
O Diabo mal viu o Fidalgo e já lhe
falou para entrar em sua barca, pois ele iria levar mais almas e mostrar que
era bom navegante. Antes disso, o companheiro do Diabo, começou a preparar a barca para que as almas dos que viessem
pudessem entrar.
Quando tudo estava pronto, o Fidalgo dirigiu a palavra ao
Diabo, perguntando para onde aquela barca iria. O Diabo respondeu que iria para
o Inferno, então o Fidalgo resolveu ser sarcástico e falou que as roupas do Diabo pareciam de uma mulher
e que sua barca era horrível. O
Diabo não gostou da provocação
e disse que aquela barca com certeza era ideal para ele, devido a sua impertinência. O Fidalgo espantado, diz ao Diabo que tem quem reze
por ele, mas acaba recebendo a notícia
de que seu pai também havia
embarcado rumo ao Inferno.
O Fidalgo tenta achar outra barca, que não siga ao Inferno, então
resolve dirigir-se a barca do céu. Ele
resolve perguntar ao Anjo, aonde sua barca iria e se ele poderia embarcar nela,
mas é impedido de entrar, devido a sua tirania, pois o Anjo disse
que aquela barca era muito pequena para ele, não
teria espaço para o seu mau caráter.
O Diabo começa a fazer
propaganda de sua barca, dizendo que ela era a ideal, a melhor. Assim, O
Fidalgo desconsolado, resolve embarcar na barca para o Inferno. Mas antes, o
Fidalgo queria tornar a ver sua amada, pois ele disse que ela se mataria por
ele, mas o Diabo falou que a mulher na qual ele tanto ama, estava apenas
enganando- o, que tudo que ela lhe escrevia era mentira. E assim, o Diabo
insistia cada vez mais para que o Fidalgo esquecesse sua mulher e que embarcasse
logo, pois ainda viria mais gente.
O Diabo manda o Pajem, que estava junto com o Fidalgo, ir
embora, pois ainda não era sua
hora. Logo a seguir, veio um agiota que questionou ao Diabo, para onde ele iria
conduzir aquela barca. O Diabo querendo conduzi-lo a sua barca, perguntou por
que ele tinha demorado tanto, e o Agiota afirmou que havia sido devido ao
dinheiro que ele queria ganhar, mas que foi por causa dele que ele havia
morrido e que não sobrou
nem um pouco para pagar ao barqueiro.
O Agiota não quis
entrar na barca do Diabo, então resolveu
dirigir-se à barca do céu. Chegando até a
barca divina, ele pergunta ao Anjo se ele poderia embarcar, mas o Anjo afirmou
que por ele, o Agiota não entraria
em sua barca, por ter roubado muito e por ser ganancioso. Então, negada a sua entrada na barca divina, o Agiota acaba
entrando na barca do Inferno.
Mais uma alma se aproximou, desta vez era um Parvo, um homem
tolo que perguntou se aquela barca era a barca dos tolos. O Diabo afirmou que
era a barca dos tolos e que ele deveria entrar, mas o Parvo ficou reclamando
que morreu na hora errada e o Diabo perguntou do que ele havia morrido, e o
Parvo sendo muito sutil respondeu que havia sido de caganeira.
O Parvo ao saber aonde aquela barca iria, começou a insultar o Diabo e foi tentar embarcar na barca divina.
O Anjo falou que se ele quisesse, poderia entrar, pois ele não havia feito nada de mal em sua vida, mas disse para
esperar para ver se tinha mais alguém
que merecia entrar na barca divina.
Vem um sapateiro com seu avental, carregando algumas fôrmas e chegando ao batel do inferno, chama o Diabo. Ele fica
espantado com a maneira na qual o sapateiro vem carregado, cheio de pecados e
de suas fôrmas.
O sapateiro tenta enrolar o Diabo, dizendo que ali ele não entraria,
pois ele sempre se confessava, mas o Diabo joga toda a verdade na sua cara e o
manda entrar logo em sua barca. O sapateiro tenta lhe dizer todas as feitorias
que havia feito, na tentativa de conseguir entrar no batel do céu, mas o Anjo lhe diz que a "carga" que ele trazia
não entraria em sua barca e que o batel do Inferno era
perfeito para ele. Vendo que não
conseguiu o que queria, o sapateiro se dirige à barca
do Inferno e ordena que ela saia logo.
Chegou um Frade, junto de uma moça, carregando em uma mão
um pequeno escudo e uma espada, na outra mão,
um capacete debaixo do capuz. Começou
a cantarolar uma música e a dançar.
Ele falou ao Diabo que era da corte, mas o próprio perguntou-lhe como ele sabia dançar o Tordião, já que era da corte. O Diabo perguntou se a moça que ele trazia era dele e se no convento não censuravam tal tipo de coisa. O Frade por sua vez diz que
todo no convento são tão pecadores como ele e aproveitou para perguntar para onde
aquela barca iria. Ao saber para onde iria, ficou inconformado e tenta entender
porque ele teria que ir ao Inferno e não
ao céu, já que
era um frade. O Diabo lhe responde que foi devido ao seu comportamento durante
a vida, por ter tido várias mulheres
e por ter sido muito aventureiro. Assim, o Frade desafia o Diabo, mas este não faz nada e apenas observa o que o Frade faz.
O Frade resolve puxar a moça
para irem ao batel do Céu, mas lá se encontram com o Parvo, que pergunta se ele havia roubado
aquela espada que ele carregava. O Frade completamente arrasado, finalmente se
convence que seu destino é o
inferno, pois até mesmo
o Parvo zombou de sua vida e de seus pecados. Dirigiu-se a barca do Inferno,
resolve embarcar junto com a moça que o
acompanhava.
Assim que o Frade embarcou, veio a alcoviteira Brísida Vaz, chamando o Diabo, para saber em qual barca ela
haveria de entrar. O companheiro do Diabo lhe disse que ela não entraria na barca sem Joana de Valdês.
Ela foi relatando o que estava trazendo para a barca e
afirmava que iria para o Paraíso, mas o Diabo
dizia que sua barca era o seu lugar, que ela teria que ficar ali.
Brísida vai
implorar de joelhos ao Anjo, que esse a deixe entrar em sua barca, pois ela não queria arder no fogo do inferno, dizendo que tinha o mesmo
mérito de um apóstolo
para entrar em sua barca. O Anjo, já sem
paciência, mandou-lhe que fosse embora e que não lhe importunasse mais.
Triste por não poder ir
para o Paraíso, Brísida
vai caminhando em direção
ao batel do Inferno e resolve entrar, já que
era o único lugar para onde ela poderia ir.
Logo após o
embarque de Brísida Vaz, veio um Judeu, carregando um
bode, na qual fazia parte dos rituais de sacrifício
da religião hebraica.
Chegando ao batel dos danados, chama o marinheiro, que por acaso era o Diabo;
perguntando a quem pertencia aquela barca. O Diabo questiona se o bode também iria junto com o Judeu, esse por sua vez afirma que sim,
mas o Diabo o impede, pois ele não
levava para o Inferno, os caprinos.
O Judeu resolve pagar alguns tostões ao Diabo, para que ele permita a entrada do bode; disse
que por meio do Semifará ele
seria pago. Vendo que não
consegue, ele xinga o Diabo e roga-lhe várias
pragas, apenas por não fazer a
sua vontade.
O Parvo, para zombar o Judeu, perguntou se ele havia roubado
aquela cabra, e aproveitou para xingá-lo. Afirmou também que ele havia mijado na igreja de São Gião e que
teria comido a carne da panela do Nosso Senhor. Vendo que o Judeu era uma péssima pessoa, o Diabo ordenou-lhe logo que entrasse em sua
barca, para não perderem tanto tempo com uma discussão tola.
Depois que o Judeu embarcou, veio um Corregedor, carregado
de feitos, que quando chegou ao batel do Inferno, com sua vara na mão, chamou o barqueiro. O barqueiro ao vê-lo, fica feliz, pois esta seria mais uma alma que ele
conduziria para o fogo ardente do Inferno. O Corregedor era um amante da boa
mesa e sua carga era qualificada como "gentil", pois se tratava de
processos relativos a crimes, que era um conteúdo
muito agradável para o Diabo. Ele era ideal para entrar na barca do Inferno,
pois durante sua vida, ele era um juiz
corrupto e que aceitava Perdizes como suborno.
O Diabo começa a falar
em latim com o Corregedor, pois era usado pela Justiça e pela Igreja, além
de ser a língua internacional da cultura. Ele ordena ao seu companheiro que
este apronte logo a barca e que se prepare para remar rumo ao Inferno.
Os dois começam a
discutir em latim, pois o Corregedor, por ser achar superior ao Diabo, pensa que
só porque era um juiz
prestigiado, não teria que entrar em sua barca. O
Diabo vai perguntando sobre todas as suas falcatruas, até citando sua mulher no meio, que aceitava suborno dos judeus,
mas o Corregedor garantiu que com isso ele não
estava envolvido, que estes eram os lucros de sua mulher, e não dele.
Enquanto o Corregedor estava nesta conversa com o Arrais do
Inferno, chegou um Procurador, carregando vários
livros. Resolve falar com o Corregedor, espantado por encontra-lo aí, questiona para onde ele iria, mas o Diabo responde pelo
Corregedor e diz que iria para o Inferno, mas que também era bom ele ir entrando logo, para retirar a água que estava entrando na barca.
O Corregedor e o Procurador não
quiseram entrar na barca, pois eles tinham fé em
Deus e também porque havia outra barca em melhores
condições, que os conduziria para um lugar mais ameno. Quando
chegam ao batel divino, o Anjo
e o Parvo zombam de suas ações,
que eles não tinham o direito de entrar ali, pois tudo que eles haviam feito de ruim, estava sendo pago
agora, com a ida de suas almas para o Inferno. Desistindo de ir para o paraíso, os dois ao entrarem no batel dos condenados, encontram
Brísida Vaz. Ela por sua vez, se sentiu aliviada por estar ali, pois enquanto estava viva foi muito castigada pela Justiça.
Veio um homem que morreu enforcado e ao chegar ao batel dos
mal-aventurados, começou a conversar
com o Diabo. Ele tentou explicar porque ele não
iria no batel do Inferno, que ele havia sido perdoado por Deus ao morrer
enforcado, mas isso não passou
de uma mentira, pois ele teria que morrer e arder no fogo do Inferno devido aos
seus erros. Desistindo de tentar fugir de seu futuro, ele acaba obedecendo às
ordens do Diabo para ajudar a empurrar a barca e a remar, pois o horário de partida estava próximo.
Depois disso, vieram quatro Cavaleiros cantando, na qual
cada um trazia a Cruz de Cristo, pelo Senhor e também para demonstrar a sua fé,
pois eles haviam lutado em uma Cruzada contra os Mulçumanos, no norte da África.
Absolvidos da culpa e pena, por privilégio
dos que morreram em guerra, foram cantarolando felizes indo em direção ao batel do Céu.
Ao passarem na frente do batel do Inferno, cantando,
segurando suas espadas e escudos, o Diabo não
resiste e os pergunta por que eles não
pararam para questionar para onde sua barca iria. Convidando-os para entrar, o
Diabo recebe uma resposta não muito
agradável de um dos Cavaleiros, pois esse disse que quem morresse
por Jesus Cristo, não entraria
em tal barca.
Tornaram a prosseguir, cantarolando, em direção à barca
da Glória, que quando eles chegaram nela, o Anjo os recebeu muito
bem e disse que estava à espera
deles por muito tempo. Sendo assim, os quatro Cavaleiros embarcaram e tomaram
rumo em direção ao Paraíso,
já que morreram por Deus e porque eram livres de qualquer
pecado.
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