quarta-feira, 19 de abril de 2017
A VIDA DE SANTO AGOSTINHO
Gareth B. Matthews
Agostinho não se encaixa
facilmente em nossos esboços para entender a história da Filosofia Ocidental.
Suas datas, 354-430 da era cristã, colocam-no perto do fim do que se
convencionou chamar de filosofia antiga, durante o período em que as filosofias
helenísticas do ceticismo, estoicismo e neoplatonismo dominavam a cena
filosófica. De fato, importantes filósofos neoplatônicos, como Simplício e
Filopón, viveram ainda por boa parte do segundo século após a morte de santo
Agostinho. Assim, poderíamos pensar que Agostinho deveria ser agrupado com
eles.
Sem dúvida, Agostinho foi
influenciado pelas principais escolas da filosofia helenística. Em mais de um
momento em sua vida ele foi atraído para o ceticismo da Nova Academia. O
estoicismo também influenciou seu pensamento como os literatos passaram a
enfatizar recentemente. Quanto ao neoplatonismo, o próprio Agostinho reconhece
em suas Confissões1 o papel central que os “livros platônicos [i.e.,
neoplatônicos] traduzidos do grego para o latim” (VII, 9, 13) desempenharam em
seu desenvolvimento filosófico e religioso, inclusive em sua conversão final ao
cristianismo.
Ainda assim, Agostinho não é um
filósofo helenístico. Pelo contrário, é o primeiro filósofo cristão importante.
É também o primeiro filósofo medieval, embora o seu período de vida não
pertença ao que, sob muitos e diversos aspectos, é geralmente designado como
Idade Média. É preferível dizer que ele pertence ao que se pode considerar a
“baixa Antiguidade”. De fato, se não fosse por Agostinho e Boécio (480-524),
pensaríamos naturalmente que a filosofia medieval começou após a “idade das
trevas”, talvez com João Escoto Erígena (810-77), mas mais exatamente com
Anselmo de Cantuária (1033-109), que só nasceu seis séculos após a morte de
santo Agostinho!
Agostinho não apenas não se
enquadra facilmente nas categorias cronológicas através das quais procuramos
entender a história da filosofia ocidental, mas o lugar onde viveu quase toda a
vida também não era onde poderíamos esperar encontrar qualquer pensamento
filosófico importante. Ele nasceu em Tagaste, uma cidade do Norte da África que
hoje se chama Souk Ahras, na Argélia. Ele obteve sua educação superior em
Cartago, que fica ao norte da moderna Tunis, capital da Tunísia. Mas, com
exceção de um ano em Roma (383-4) e cerca de mais seis anos na Itália,
sobretudo em Milão, passou toda a sua existência no Norte de África.
Por fim, Agostinho tornou-se
bispo de Hipona (Hippo Regius, próximo da moderna Bône, ou Annaba, na Argélia),
que é uma cidade litorânea do Norte da África com uma história longa, mas não
particularmente memorável. Hipona era uma urbe muito próspera na época de
Agostinho. Mas nenhuma outra figura conhecida, e certamente nenhum outro
filósofo ou teólogo célebre, tem seu nome associado a Hipona.
A anomalia
da localização de Agostinho em um momento e em um lugar é ainda mais complicada
pela natureza de seu pensamento e sua influência. John Rist escreveu um
importante livro intitulado Augustine: Ancient
Thought Baptized. O que o título escolhido por Rist para o seu livro sugere
é que a filosofia de Agostinho é a filosofia antiga cristianizada. E existe,
por certo, algo muito apropriado nessa caracterização. O que lhe falta, porém,
é o reconhecimento de que na filosofia agostiniana também está contido um novo
começo. O ponto de vista em primeira pessoa na filosofia, o qual mencionei no capítulo
anterior, não se encontra na filosofia antiga. De fato, ele é mais importante
na filosofia moderna, a partir de Descartes, que no fim da filosofia do
medievo. Além disso, o modo como Agostinho se afasta da filosofia antiga é tão
importante quanto o modo como ele recorre à tradição filosófica que herdou.
Por outro lado, houve aspectos
de sua obra em que santo Agostinho mostrou-se um pensador do seu tempo e lugar.
Ele era versado em literatura e retórica latinas, e estava profundamente
envolvido nas controvérsias teológicas da época, tendo contribuído, de fato,
mais que qualquer outra pessoa, para lhes dar forma. Participou do torvelinho
social e político do seu tempo. Assim, dedicou a sua grande obra A cidade de
Deus à indagação sobre se o saque de Roma em 410 teria sido o resultado da
conversão da cidade ao cristianismo. E as hordas vândalas aproximavam-se de
Hipona em 430, quando Agostinho jazia em seu leito de morte.
Entretanto, existem outros
aspectos segundo os quais Agostinho não pertence, em absoluto, a seu tempo e
lugar. Seu estilo confessional de escrever, incluindo suas reflexões sobre sua
própria vida interior, impressiona-nos hoje por seu perfil notavelmente
moderno. Como já sublinhei, suas Confissões são a primeira autobiografia
significativa da literatura ocidental. Sua concepção singularmente cartesiana
da mente, seu modo de elaborar as questões filosóficas suscitadas pela mente,
linguagem e crença religiosa prefiguram o que hoje reputamos ser o pensamento
moderno. Curiosamente para uma pessoa cuja vida transcorreu durante a maior
parte do tempo em um lugar que, sob outros aspectos, é destituído de toda a
importância para nós, ele também é um filósofo para o nosso próprio tempo.
Agostinho era o filho favorito
de Mônica, uma devota cristã, e de Patrício, um pagão até ser batizado em seu
leito de morte. Agostinho tinha um irmão e uma irmã, de quem quase nada
sabemos, e talvez outros irmãos. Era em Agostinho que a família, e
especialmente a mãe, concentravam sua atenção.
Aos 12 anos, foi enviado para a
escola secundária na cidade vizinha de Maudaudos por três anos. Após regressar
a Tagaste por um ano, ele foi em 371 para Cartago, a fim de investir na
educação superior. Agostinho descreve Cartago como um “caldeirão de amores
ilícitos” (III.1.1). Sem dúvida, devia parecer um lugar lascivo e devasso para
um garoto de cidade pequena. Em Cartago, ele não tardou em encontrar uma
amante, que lhe deu um filho, que recebeu o beatifico nome de “Adeodatus”
(“dado por Deus”). Agostinho nunca nos diz o nome de sua amante, mas assevera
ter-lhe sido sempre fiel (IV.2.2).
Para profunda tristeza de
Agostinho, Adeodatus morreu jovem, aos 18 anos. Não sabemos exatamente em que
medida Adeodatus, em sua infância e puberdade, foi importante para seu pai. Mas
o diálogo Do Mestre é testemunho das profundas conversas filosóficas que
Agostinho mantinha com Adeodatus quando adolescente.
Em Cartago, Agostinho estudou a
retórica. Ele nos conta que era o primeiro de sua turma (III.3.6), e podemos
facilmente acreditar nele. De fato, é difícil imaginar que qualquer um dos seus
colegas estudantes, ou mesmo seus professores, fossem nem de longe tão astutos
ou talentosos quanto ele. Foi como estudante em Cartago que descobriu Cícero,
que se tornou o seu principal mentor filosófico. Conta-nos que a leitura de
Hortensius, uma obra que não sobreviveu, mudou sua vida ao seduzi-lo para a
filosofia (III.4.7).
Cícero era menos um filósofo
original que um cativante apresentador das ideias filosóficas de outros. Foi
principalmente através de Cícero que Agostinho tomou conhecimento do ceticismo
da “Nova Academia”, a sucessora da Academia de Platão, e das concepções dos
estóicos e epicuristas.
Nessa época, Agostinho tentou
ler as Escrituras cristãs “para descobrir como eram” (III.5.9). Mas achou a
Bíblia “indigna de comparação com a elegância ciceroniana”. Entre as questões
suscitadas nele pelo seu estudo da Bíblia, sem dúvida a mais significativa foi
“Qual é a origem do mal?” (III.7.12). Essa questão o perseguiu durante boa
parte da vida.
Em consonância com a sua
preocupação com a origem do mal, Agostinho tornou-se um “ouvinte” maniqueísta,
e como tal permaneceu durante nove anos. Os maniqueístas, uma seita cristã que
prosperou na época, ofereceram pelo menos uma resposta razoavelmente clara para
o Problema do Mal. De acordo com o maniqueísmo, existe um princípio cósmico de
trevas, assim como um princípio da luz. O que experimentamos em nossas vidas é
fruto da guerra entre o Reino da Luz e o Reino das Trevas.
Agostinho também enfrentou uma
profunda perda pessoal durante esse tempo de penetrante exploração filosófica e
religiosa. Ele dedica uma extensa seção do Livro IV de suas Confissões à
descrição da morte de um amigo íntimo, cujo nome não nos é dado, e da depressão
que isso lhe causou. “Os meus olhos o buscavam por toda a parte”, ele escreve,
“e ele não estava lá. Tudo me aborrecia porque nada o continha e ninguém me
avisava: ‘olha, ali vem ele!’, como costumava acontecer quando ele ainda vivia
e regressava após longa ausência. Eu tinha me convertido num vasto problema
para mim mesmo…” (IV.4.9)
Agostinho
iniciou sua carreira como professor de retórica em Cartago em 376, aos 22 anos
de idade. Alguns anos depois ele escreveu o primeiro livro, Do belo e do capaz,
do qual logo se perderia o original (III.13.20). A obra não sobreviveu.
Quando Agostinho tinha 29 anos,
chegou a Cartago um famoso bispo maniqueísta, Fausto. Agostinho nos conta que
esperou nove anos, todo o período de seu aprendizado maniqueísta, para
apresentar ao bispo Fausto suas indagações acerca da fé maniqueísta. Mas o seu
encontro com o famoso homem resultou em uma amarga decepção para Agostinho.
“Quando lhe expus algumas das dúvidas que me perturbavam”, escreve em suas
Confissões, “descobri rapidamente que das artes liberais ele conhecia apenas a
gramática e a literatura, e seu conhecimento nada tinha de extraordinário,
[apenas] convencional. Tinha lido algumas orações de Cícero, pouquíssimos
tratados de Sêneca, algumas poesias e os poucos livros da seita, escritos em um
latim de bom estilo.” (V.6.11)
Mas era só isso – dificilmente o
bastante para prepará-lo para enfrentar as profundas questões de Agostinho.
Este não demorou em perder toda a esperança de que Fausto ou qualquer outro
maniqueísta pudesse resolver as dificuldades que vinha enfrentando com a fé que
adotara.
Em 384,
Agostinho deixou Cartago para ensinar retórica em Roma. Depois de apenas um ano
em Roma, um ano atormentado por doença, mudou-se para Milão, onde assumiu um
cargo de professor a pedido do novo prefeito da cidade. Ambrósio era então o
bispo de Milão e Agostinho começou a ir ouvir os sermões de Ambrósio na
catedral milanesa.
Ambrósio tornou-se o mentor de
Agostinho, que encontrou finalmente no bispo um intelectual à sua altura.
Ambrósio tivera uma bem-sucedida carreira na administração pública imperial
romana, antes de sua conversão ao cristianismo na meia-idade. Impregnado de
erudição no grego clássico, foi o primeiro Doutor Latino da Igreja. Agostinho
não podia ter conhecido alguém como ele em Cartago, e muito menos ainda em
Tagaste.
Agostinho
conta que Ambrósio o recebeu paternalmente, e com grandes manifestações de
gentileza. Ele escreveu:
Comecei a gostar dele, a
princípio não como mestre da Verdade – pois jamais esperara encontrá-la na
vossa Igreja [isto é, na Igreja de Deus] –, mas como um ser humano benevolente
comigo. Costumava ouvi-lo com entusiasmo quando pregava ao povo, não com o
espírito que convinha, mas como que para sondar sua eloquência oratória para
ver se merecia a fama de que gozava ou se realmente se exagerava ou diminuía a
fluência de que tanto se falava. Eu ficava suspenso de suas palavras, extasiado
com sua dicção, mas indiferente e escarnecendo até do assunto que ele estava
expondo. O meu prazer concentrava-se na suavidade e no encanto de sua linguagem.
(V.13.23)
Mas não tardou até que Agostinho
fosse conquistado pelo conteúdo dos sermões de Ambrósio, assim como pela
excelência de sua oratória.
A decepção de Agostinho com o
bispo maniqueísta Fausto abalara sua fé no maniqueísmo. Fausto mostrara-se
incapaz de encontrar resposta para as indagações de Agostinho. Em contraste,
Ambrósio era um teólogo de uma ordem inteiramente diferente. Foi ele quem guiou
Agostinho para realizar o seu rompimento crucial com o maniqueísmo e
distanciar-se do pensamento de que, em um momento de desespero poderia sempre,
como o seu mentor, Cícero, adotar a posição de ceticismo acadêmico. Agostinho
tornou-se um catecúmeno na Igreja Católica. Ao descrever esse crucial ponto de
mutação em sua vida, Agostinho atribui especial ênfase à sua dimensão
filosófica. Assim escreveu:
Apliquei, então, energicamente
as minhas faculdades críticas para ver se de alguma forma poderia, com
argumentos decisivos, provar que os maniqueístas estavam errados. Se a minha
inteligência pudesse conceber uma substância espiritual, imediatamente se
apagariam e seriam extirpadas de minha alma todas aquelas invenções. Mas não
podia. Entretanto, quanto mais meditava, avaliando e comparando as teorias
acerca do mundo físico e de toda a ordem natural acessível aos sentidos do
corpo, mais e mais me convenci de que numerosos filósofos sustentavam opiniões
muito mais prováveis que as deles. (V.14.25)
A mãe de Agostinho, Mônica,
acompanhou-o a Milão. Ela também sentiu-se atraída por Ambrósio. E pouco tempo
depois juntaram-se a eles em Milão amigos do Norte de África, incluindo o seu
benfeitor, Romanianus, que tinha ajudado a financiar a educação superior de
Agostinho na África.
Gradualmente, Agostinho começou
a preparar seu abandono dos pressupostos do materialismo filosófico que o
maniqueísmo tinha por tanto tempo reforçado nele. Ao mesmo tempo, voltou-se
para o Problema do Mal, que ele já não conseguia entender, em termos
maniqueístas, como uma consequência do estado de guerra entre o Princípio das
Trevas e o Princípio de Luz. Fosse pelos sermões de Ambrósio ou por sua própria
leitura de Plotino, iniciada em Milão, Agostinho ouviu que “o livre-arbítrio da
vontade é a razão pela qual praticamos o mal e sofremos a justa punição
[imposta por Deus]” (VII.3.5). Contudo, ele dizia que não conseguia entender
essa ideia. Agostinho perguntava-se:
Quem me criou? Não foi o meu
Deus, que é não só bom, mas a suprema Bondade? Donde me veio, então, o impulso
para querer o mal e não querer o bem? Seria para fornecer uma razão que justifique
o fato de eu sofrer uma punição?… Se foi o diabo o responsável, donde foi que
ele veio? E se, por uma decisão de sua vontade perversa, se transformou de anjo
bom que era em diabo, qual é a origem dessa vontade má que dele fez um diabo,
quando um anjo é inteiramente obra de um Criador que é pura bondade?” (VII.3.5)
Aos poucos, Agostinho foi
esmiuçando essas questões e desenvolvendo argumentos contra a posição
maniqueísta que ele havia abandonado. Ajudou-o nessa tarefa a leitura, em
tradução latina, das obras de Plotino e do seu grande discípulo, Porfírio. “Fui
advertido pelos livros platônicos”, ele escreveu, “a recolher-me a mim mesmo e
aos ditames do meu próprio coração.” (VII.10.16) Um resultado foi o que parece
ter sido sua primeira visão mística:
Contigo [Ó Deus] como meu guia,
entrei na minha mais íntima e recôndita cidadela, e recebi forças para o fazer
porque vos tornastes o meu auxílio. Entrei e, com o olho da minha alma, vi
acima desse mesmo olho da minha alma a Luz imutável, pairando muito acima do
meu espírito – não a luz cotidiana, óbvia para qualquer criatura, nem uma
versão mais ampla do mesmo gênero de luz. Era como se brilhasse com muito maior
intensidade e enchesse tudo com sua magnitude. Não era essa luz, mas uma coisa
diferente, profundamente distinta de todas as espécies de luz. (VII.10.16)
Agostinho tornou-se um neófito
cristão em julho de 386, aos 32 anos de idade. Antes de ser batizado, renunciou
à sua posição de professor municipal e retirou-se, com sua mãe, seu filho
Adeodatus então com 15 anos e um grupo de amigos de idênticas inclinações
filosóficas, para uma propriedade rural, Cassicíaco, nas vizinhanças de Como.
Lá ele conduziu conversações filosóficas com esses amigos e escreveu a sua mais
antiga obra conhecida, Contra os acadêmicos, e três outros livros filosóficos.
Na Páscoa do ano seguinte, 387,
Agostinho e seu filho foram batizados juntos na catedral de Milão. O evento
foi, para ele, um novo começo. “Fomos batizados”, escreve em suas Confissões,
“e dissiparam-se em nós as inquietações sobre nossa vida passada.” (IX.6.14)
Em parceria com Evódio, um
conterrâneo de Tagaste, que também viria a ser bispo e foi o interlocutor de
Agostinho em seu diálogo Do livre arbítrio, Agostinho decidiu formar uma
comunidade cristã na África. Contudo, sua viagem de regresso ao Magreb parou em
Óstia, o porto marítimo de Roma, por um bloqueio. Lá, Mônica, mãe de santo
Agostinho, caiu seriamente enferma. Apercebendo-se de que Mônica estava à beira
da morte, Agostinho conversou com ela acerca da vida que os santos teriam. Ele
escreve em suas Confissões:
A conversa levou-nos à conclusão
de que os prazeres gerados pelos sentidos corporais, por mais deliciosos que
sejam na luz radiante deste mundo físico, não são dignos de comparação com a
bem-aventurança da vida eterna, nem merecem sequer que deles se faça menção.
Nossas mentes se alçaram, impelidas por uma afeição ardente, para serem
acolhidas no seio do próprio ser eterno. Nessa escalada, fomos deixando pouco a
pouco para trás todos os objetos corporais e o próprio céu, onde o sol, a lua e
as estrelas derramaram luz sobre a terra. Ascendemos ainda mais pela meditação
e o diálogo, falando e admirando vossas obras, e penetramos em nossas próprias
mentes. Deixamo-las então para trás a fim de atingir aquela região de
inesgotável abundância onde nutris eternamente Israel com o alimento da
verdade. Aí a vida é a Sabedoria pela qual todas as criaturas adquirem ser,
tanto as coisas que eram como as que serão. (IX.10.24)
Santo Agostinho continua por
muitos outros parágrafos essa descrição da visão que compartilhou com sua mãe.
É, talvez, sua mais eloquente descrição de uma visão mística.
Depois de Agostinho e sua mãe
terem concluído sua visão em conjunto, Mônica despediu-se do filho: “Meu filho,
quanto a mim, já nada me dá prazer nesta vida. O que ainda estou fazendo aqui e
por que estou aqui, eis algo que ignoro. Minha esperança nesta vida já está
plenamente satisfeita. A única razão por que queria permanecer um pouco mais de
tempo nesta vida era o meu desejo de te ver um cristão católico antes de
morrer. O meu Deus me concedeu essa graça de um modo muito além do que eu podia
esperar.” (IX.10.26)
Após nove dias enferma, Mônica
veio a falecer. Ela tinha 56 anos. Agostinho estava com 36.
Agostinho e seus colaboradores,
incluindo seu filho, não tardaram em regressar à África, mais precisamente à
Tagaste, onde fundaram sua comunidade cristã. Mas em 391, durante uma visita a
Hipona, distante cerca de 240 quilômetros, Agostinho assistiu a uma missa na
catedral, onde a congregação reunida em assembleia insistiu para que ele
aceitasse o sacerdócio, a fim de auxiliar o então bispo de Hipona, Valério. E
assim foi ordenado. Cinco anos depois, ele próprio seria eleito bispo de
Hipona.
Agostinho
fundou uma comunidade monástica em Hipona, que passou a ser sua própria
comunidade pelo resto da vida. Sua vida como bispo incluiu deveres pastorais,
assim como uma vasta gama de responsabilidades administrativas. Ele pregava com
regularidade e escrevia volumosamente – sermões, cartas, comentários e
tratados. Sua produção literária, realizada com a ajuda de escribas, é enorme.
Além de aproximadamente 100 livros e tratados, existem cerca de 250 cartas e
por volta de 500 sermões, incluindo aqueles que constavam de comentários sobre
os Salmos.
Agostinho dedicou muita energia
e escrita para reprimir o que considerava importantes heresias cristãs,
especialmente o donatismo, o maniqueísmo e o pelagianismo. Ao definir essas
heresias, ele ajudava, assim, a definir a ortodoxia cristã. É possível afirmar
que existem bases suficientes para sustentar que nenhum teólogo fez mais do que
Agostinho para estabelecer a ortodoxia cristã.
Duas das três heresias
focalizadas por santo Agostinho, o pelagianismo e o maniqueísmo, revestem-se de
especial interesse filosófico. O pelagianismo, assim chamado em referência ao
nome do monge britânico Pelágio, que o promulgou, está sintetizado em uma
máxima que os filósofos associam hoje a Immanuel Kant, a saber: “Dever
subentende poder.” De acordo com essa noção, se temos uma obrigação de ser sem
pecado, então está em nosso poder existir sem pecar.
O maniqueísmo é a doutrina
segundo a qual a força cósmica do mal é igual em poder à força cósmica do bem.
Embora possamos, é claro, nos aliar à força do bem, ao princípio da Luz,
podemos esperar que a força do mal continue a contrabalançar a bondade no
mundo.
LEITURAS ADICIONAIS:
BROWN, Peter. Augustine of Hippo.
Berkeley, University of California Press, 1967. Esta obra permaneceu, desde sua
publicação, a biografia clássica de Agostinho.
RIST, John. Augustine: Ancient
Thought Baptized. Cambridge, Cambridge University Press, 1994.
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