sexta-feira, 21 de abril de 2017
A GRAMÁTICA MORAL DOS CONFLITOS SOCIAIS
Luta por
reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais.
Axel Honneth
A
figura mais proeminente dentre os teóricos da terceira geração de Frankfurt é
Axel Honneth. Os seus estudos concentram-se nas áreas: filosofia social,
política e moral, tratando, principalmente, da explicação teórica e
crítico-normativa das relações de poder, respeito e reconhecimento na sociedade
atual.
O
objetivo central de Honneth na obra Luta
por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais, é mostrar como
indivíduos e grupos sociais se inserem na sociedade atual. Isso ocorre por meio
de uma luta por reconhecimento intersubjetivo e não por auto conservação, como
salientavam Maquiavel e Hobbes. As três formas de reconhecimento são as
seguintes: o amor, o direito, e a solidariedade. A luta pelo reconhecimento
sempre inicia pela experiência do desrespeito dessas formas de reconhecimento.
A autorrealização do indivíduo somente é alcançada quando há, na experiência de
amor, a possibilidade de autoconfiança, na experiência de direito, o
autorrespeito e, na experiência de solidariedade, a autoestima.
Honneth,
inspirando-se no conceito de reconhecimento do jovem Hegel, busca fundamentar a
sua própria versão da teoria crítica. Com isso, ele pretende explicar as
mudanças sociais por meio da luta por reconhecimento e propõe uma concepção
normativa de eticidade a partir de diferentes dimensões de reconhecimento. Os
indivíduos e os grupos sociais somente podem formar a sua identidade quando
forem reconhecidos intersubjetivamente. Esse reconhecimento ocorre em diferentes
dimensões da vida: no âmbito privado do amor, nas relações jurídicas, e na
esfera da solidariedade social. Essas três formas explicam a origem das tensões
sociais e as motivações morais dos conflitos.
A
primeira forma de reconhecimento consiste nas emoções primárias, como o amor e
a amizade. Para investigar essa esfera, o autor volta-se aos trabalhos da
psicologia infantil de Donald Winnicott. O ponto de partida dessa primeira
forma é uma fase de simbiose, chamada por Winnicott “dependência absoluta”. A
mãe e o filho estão em um estado de indiferenciação. As reações do filho são
percebidas pela mão como um único ciclo de ação. Winnicott chama isso
“intersubjetividade primária”, em que há uma unidade de comportamento. Porém,
para ampliar o seu campo social de atenção, a mãe começa a romper a sua
identificação com o bebê. Com isso, o bebê aprende que a mãe é algo do mundo e
que não está à sua inteira disposição.
Essa segunda
fase é chamada “dependência relativa”. É nesse período que a criança desenvolve
a sua capacidade para uma ligação afetiva. A criança reconhece o outro como alguém com direitos próprios,
independente. Para Winnicott, a fim de alcançar essa independência do outro, a criança tem que desenvolver
dois mecanismos psíquicos: destruição e os fenômenos e objetos transicionais. A
destruição (mordidas no corpo da mãe) consiste em atos que a criança pratica
quando descobre a independência da mãe. Eles se tornam positivos quando o bebê
reconhece a independência da mãe, amando-a sem as fantasias de onipotência. Os
fenômenos e objetos transicionais (travesseiro, brinquedo, dedo polegar) são
elos de mediação entre a fase da fusão e a da separação.
A
criança somente alcança a criatividade quando fica sozinha com os objetos
transicionais. Isso é possível devido à dedicação emotiva da mãe, mesmo estando
distante da criança. Essa confiança na dedicação materna faz com que a criança
desenvolva a autoconfiança. Nessa análise de Winnicott, pode-se concluir que o
amor é uma forma de reconhecimento e, por meio dele, o indivíduo desenvolve uma
confiança em si mesmo, indispensável para seus projetos de autorrealização
pessoal.
Para
Honneth o amor somente surge quando a criança reconhece o outro como uma pessoa
independente, ou seja, quando não está mais num estado simbiótico com a mãe. O
amor é o fundamento da autoconfiança, pois permite aos indivíduos conservarem a
identidade e desenvolverem uma autoconfiança, indispensável para a sua
autorrealização. O amor é a forma mais elementar de reconhecimento.
O amor
se diferencia do direito no modo como ocorre o reconhecimento da autonomia do outro. No amor, esse reconhecimento é
possível, porque há dedicação emotiva. No direito, porque há respeito. Em
ambos, somente há autonomia quando há o reconhecimento da autonomia do outro. A história do direito ensina que,
no século XVIII, havia os direitos liberais da liberdade; no século XIX, os
direitos políticos de participação e, no século XX, os direitos sociais de
bem-estar. De modo geral, essa evolução mostra a integração do indivíduo na
comunidade e a ampliação das capacidades, que caracterizam a pessoa de direito.
Nessa esfera, a pessoa é reconhecida como autônoma e moralmente imputável ao
desenvolver sentimentos de autorrespeito.
A
solidariedade (ou eticidade), última esfera de reconhecimento, remete à
aceitação recíproca das qualidades individuais, julgadas a partir dos valores
existentes na comunidade. Por meio dessa esfera, gera-se a autoestima, ou seja,
uma confiança nas realizações pessoais e na posse de capacidades reconhecidas
pelos membros da comunidade. A forma de estima social é diferente em cada
período histórico: na modernidade, por exemplo, o indivíduo não é valorizado
pelas propriedades coletivas da sua camada social, mas surge uma
individualização das realizações sociais, o que só é possível com um pluralismo
de valores.
A
passagem progressiva dessas etapas de reconhecimento explica a evolução social.
Ela ocorre devido à experiência do desrespeito que se dá desde a luta pela
posse da propriedade até à pretensão do indivíduo de ser reconhecido
intersubjetivamente pela sua identidade.
Segundo
Honneth, para cada forma de reconhecimento (amor, direito e solidariedade) há
uma autorrelação prática do sujeito (autoconfiança nas relações amorosas e de
amizade, autorrespeito nas relações jurídicas e autoestima na comunidade social
de valores). A ruptura dessas autorrelações pelo desrespeito gera as lutas
sociais. Portanto, quando não há um reconhecimento ou quando esse é falso,
ocorre uma luta em que os indivíduos não reconhecidos almejam as relações
intersubjetivas do reconhecimento. Toda luta por reconhecimento inicia por meio
da experiência de desrespeito. O desrespeito ao amor são os maus-tratos e a
violação, que ameaçam a integridade física e psíquica; o desrespeito ao direito
são a privação de direitos e a exclusão, pois isso atinge a integridade social
do indivíduo como membro de uma comunidade político-jurídica; o desrespeito à
solidariedade são as degradações e as ofensas, que afetam os sentimentos de
honra e dignidade do indivíduo como membro de uma comunidade cultural de
valores.
As
mudanças sociais podem ser explicadas por meio do desrespeito, gerador de
conflitos sociais. Os conflitos surgem do desrespeito a qualquer uma das formas
de reconhecimento, ou seja, de experiências morais decorrentes da violação de
expectativas normativas. A identidade moral é formada por essas expectativas.
Uma mobilização política somente ocorre quando o desrespeito expressa a visão
de uma comunidade. Portanto, a lógica dos movimentos coletivos é a seguinte:
desrespeito, luta por reconhecimento, e mudança social. Honneth, seguindo as
ideias de Hegel, afirma que a eticidade é o conjunto de condições
intersubjetivas, que funcionam como condições normativas necessárias à
autodeterminação e a autorrealização.
A
teoria de Honneth é explicativa, pois busca esclarecer a gramática dos
conflitos e a lógica das mudanças sociais com a finalidade de entender a
evolução moral da sociedade, e crítico-normativa, porque fornece um padrão – a
eticidade – para identificar as patologias sociais e avaliar os movimentos sociais.
A eticidade, portanto, é o conjunto de práticas e valores, vínculos éticos e
instituições, que formam uma estrutura intersubjetiva de reconhecimento
recíproco. Por meio da vida boa, há uma conciliação entre liberdade pessoal e
valores comunitários. A identidade dos indivíduos é formada pela socialização,
ou seja, é formada na eticidade, inserida em valores e obrigações
intersubjetivas. Portanto, não há como pensar a existência de um contrato para
o surgimento da sociedade, mas nas transformações das relações de
reconhecimento.
Esse
conceito formal de eticidade, elaborado por Honneth, visa a ser uma ampliação
da moralidade, integrando tanto a universalidade do reconhecimento
jurídico-moral da autonomia individual como a particularidade do reconhecimento
ético da autorrealização. Por conseguinte, esse conceito tem como objetivo
alcançar todos os aspectos necessários para um verdadeiro reconhecimento.
Na
sociedade moderna, o indivíduo tem de encontrar reconhecimento tanto como
indivíduo autônomo livre quanto como indivíduo, membro de formas de vida
culturais específicas. Essa concepção formal de eticidade fica sempre limitada
pelas situações históricas concretas. Portanto, ela não cai num etnocentrismo,
nem numa utopia, pois ela é uma estrutura que se encontra inserida nas práticas
e instituições da sociedade moderna. Recebido em 20 de junho de 2010 e aprovado
em 1º de setembro de 2010.
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral
dos conflitos sociais. Trad. de Luiz Repa. São Paulo: Ed. 34, 2003.
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