quinta-feira, 21 de janeiro de 2016
Meia-entrada
Síndrome da meia-entrada
Celso Ming
Cada
um com sua razão. Idoso paga meia-entrada no cinema e no teatro porque é maior
de 60 anos. Grande parte dos jovens paga meia-entrada porque é estudante.
Mas
essa é apenas uma ponta de um novelo de enormes proporções. O Brasil sofre de
um doença que os economistas Marcos Lisboa, Zeina Latif e Samuel Pessôa chamam
de “síndrome da meia-entrada”, fenômeno que se manifesta em grande número de
atividades da economia brasileira.
É
o que tem direito à pensão vitalícia por morte; as mulheres que se aposentam,
em média, aos 52 anos de idade: são os idosos que podem rodar no metrô ou no
ônibus urbano sem terem que pagar a passagem; é o empresário que consegue
reserva de mercado ou subsídios para o seu negócio; o estudante que cursa de
graça os cursos superiores em universidades públicas.
Há
amplo consenso na sociedade de que as vítimas da ditadura recebam alguma
reparação. Mas, como observa o professor Samuel Pessôa, no Chile, onde a
ditadura foi muito mais feroz do que no Brasil, as reparações equivalem a 10%
das que são pagas no Brasil. E por aí vai, a lista é enorme.
Muita
gente reage automaticamente a esse tipo de avaliação. Argumenta que se trata de
direito adquirido e de benefícios mais do que justos, ou, ainda, que se
baseiam em amplas justificativas técnicas. Não há como negar. Só não dá para
escapar da matemática e da lógica. Justa ou injusta, alguém paga essa conta. Se
não existe almoço de graça, também não existe o Estado que faz chover.
A
economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, observa que parte importante
das despesas e renúncias tributárias em vigor no Brasil hoje corresponde a
algum tipo de meia-entrada.
No
Metrô de São Paulo, o maior do País, em 2014 o ressarcimento das gratuidades previstas
em lei foi de R$ 289 milhões. O número de usuários que embarcam sem pagar
tarifa cresceu 4% entre 2011 e 2014, enquanto o de usuários pagantes aumentou 2,7%.
Desde
1990, trabalhadores demitidos sem justa causa podem andar de graça no Metrô por até três meses. Como
o desemprego vem crescendo, o número de usuários nessas condições também sobe a
cada dia, atualmente são 12 mil beneficiados.
E
não é José que paga a fatura que paga a fatura que joão não paga ou só paga
meia. Além de apresentarem custos difusos e pouco transparentes, essas práticas
aumentam as distorções na economia. Para que essas estruturas possam subsistir,
o país deixa de construir metrôs, estradas, portos; não consegue manter
sistemas de educação e de saúde adequados...
Ou
seja, o Brasil carrega o peso das opções que fez ou manteve ao longo de sua
história. Cada sociedade tem o direito de escolher que benefícios distribuir e
para quem distribuir. “O que se espera é que sejam canalizados para setores que
apresentem uma relação adequada de custo-benefício”, adverte Zeina. No Brasil,
essas coisas proliferam e se mantêm, porque começaram não se sabe bem por que
e continuam também porque há muito tempo são assim.
Algumas
práticas são mais graves do que puramente direitos a abatimento de 50% nos
tickets de shows e de cinemas. Como aposta o professor Samuel Pessôa, o sistema previdenciário do Brasil, que cobre as aposentadorias do setor público e do
privado, custa 13% do PIB. Em países com estrutura etária equivalente à do
Brasil, não passa de 2,5% do PIB.
O
déficit da Previdência Social no ano passado foi de R$ 56 bilhões. A expectativa
é que salte para R$ 100 bilhões em dois ou três anos.
De
acordo com estimativas do pesquisador do Ipea, Paulo Tafner, o número de
indivíduos em idade ativa no Brasil vai continuar crescendo até 2020, mas
depois tende a se estabilizar. No entanto, pelo envelhecimento da população, o
segmento de indivíduos em idade de se aposentarem deverá crescer cerca de 3,5%
ao ano. Isso quer dizer que, de 2010 para 2040, o Brasil terá triplicado o
número de idosos e mantido a mesma população ativa.
São
contas e mais contas que não fecham e vão produzindo os rombos fiscais que hoje
paralisam o País. Se não forem consertados, podem transformar o Brasil numa
nova Grécia.
Fonte: O Estado de S. Paulo – 08/09/15
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