sábado, 23 de janeiro de 2016
A morte e a morte de Quincas Berro D'água
Jorge
Amado
Autor dos mais respeitados na literatura brasileira, desde os anos
trinta, Jorge Amado, que também é conhecido como “Um baiano romântico e
sensual” tem pontificado e feito sucesso de crítica e
de público. Sua obra explora os mais diferentes aspectos da vida baiana: a
posse violenta da terra, com as consequências
sociais terríveis, como ocorreu na colonização da zona cacaueira do Sul da Bahia, está magistralmente
imortalizada em Cacau, São Jorge de Ilhéus,
Gabriela, Cravo e Canela e Terras do Sem Fim. Os tipos folclóricos das ladeiras de Salvador estão
presentes em Tenda dos Milagres, Capitães da Areia,
Mar Morto. A literatura engajada, comprometida com a ideologia política do Autor faz-se presente em Os Subterrâneos da Liberdade, O Cavaleiro da Esperança. Os perfis de mulheres extraordinárias que
comovem e seduzem estão em Tieta do Agreste, Dona Flor e seus Dois
Maridos, Gabriela e muitos outros...
Primeiro é
preciso que se tenha em mente o "descompromisso"
do Autor com o registro formal culto, para se entender melhor o comentário que se faz constantemente sobre seu "estilo". Jorge
Amado já se autoproclamou "um baiano romântico e
sensual". É
o que a crítica
costuma rotular de contador de estórias.
Não segue, intencionalmente, o rigor da técnica de construção literária e
nem dá a mínima para as normas gramaticais e ortográficas. Incorpora, com a maior naturalidade, à língua escrita, termos e expressões típicas da língua
oral e de sua Bahia idolatrada. Não espere
o leitor, portanto, defrontar-se com um texto primoroso, regular, pasteurizado.
Entretanto, quem se aventurar nos meandros de suas páginas, esteja preparado para o deguste de um texto saboroso e
suculento que transpira a trópico, a calor, a vida. Suas histórias são tramadas sobre o povo simples e rude, numa língua que esse povo fala e entende.
O texto que serve de suporte a este estudo centra-se na fixação dos tipos marginalizados para, por intermédio deles, analisar e criticar toda a sociedade. A ação dá-se, basicamente, em Salvador e gira em torno da
boêmia desqualificada das cercanias do cais do porto.
A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água é uma das melhores narrativas publicadas por Jorge Amado. Veio a lume em
1958 e conquistou desde logo a admiração de
quantos dela se aproximaram. Nitidamente imbricada no Realismo Mágico, mistura sonho e realidade; loucura e racionalidade; amor e
desamor; ternura e rancor, de forma envolvente e instigante:
Joaquim Soares da Cunha foi funcionário público, pai e marido exemplar até o dia em
que se aposentou do serviço público. A
partir daí, jogou tudo para o alto: família, respeitabilidade, conhecidos, amigos, tradição. Caiu na malandragem, no alcoolismo, na jogatina. Trocou a vida
familiar pela convivência com as prostitutas, os bêbados, os marinheiros, os jogadores e pequenos meliantes e
contraventores da ralé
de Salvador. Sua sede era saciada com cachaça e seu descanso era no ombro acolhedor da prostituta. Fez-se
respeitado e admirado entre seus novos companheiros de infortúnio: era o paizinho, sábio e conselheiro, sempre disposto a mais uma
farra ou bebedeira.
Sua opção pela bandalha representa o grito terrível do
homem dominado e cerceado por preconceitos de toda sorte e que um dia rompe as
amarras e grita por liberdade.
Morreu solitariamente sobre uma enxerga imunda e sua morte detonou
todo o processo de reconhecimento/desconhecimento por parte da família real e da família adotada. Os amigos durante o velório se embriagam e resolvem, bêbados, levar
o defunto para um último "giro" pelo baixo-mundo que
habitavam. O passeio passa pelos bordéis e
botecos, terminando em um saveiro, onde há comida e
mulheres. Vem uma tempestade e o corpo de Quincas cai ao mar.
Ao renunciar à
família,
mudar de ambiente e de costumes, Quincas morreu pela primeira vez; na solidão de seu quartinho imundo, envolvido por farrapos e curtindo a última bebedeira, morreu pela segunda vez; ao cair ao mar, não deixando qualquer testemunho físico de
sua passagem pela vida, morreu pela terceira vez. A narrativa poderia chamar-se
A morte e a morte e a morte de Quincas Berro D'Água,
acrescentando-se uma morte ao protagonista, que ficaria bem de acordo com a
progressão da trama.
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