"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

sábado, 16 de janeiro de 2016

Crise atual

As dores da saída da crise
Na Constituição de 1988 a palavra direito foi usada 76 vezes. A palavra dever, quatro vezes. Produtividade, duas. E eficiência, uma. A contagem foi feita por Roberto Campos, que dizia ser impossível governar um país com tantos direitos, tão poucos deveres e um claro desprezo pela produtividade e pela eficiência.
Em artigo recente, Fernão Lara Mesquita disse acertadamente que a nossa Constituição não é moderna nem cidadã, pois foi ela que criou o atual sistema de castas no qual “alguns podem ter empregos eternos, determinar seu próprio salário, ter aumento salarial independente de performance, receber mais aposentadoria e não se submeter aos mesmos tribunais que nos julgam” (Fernão Lara Mesquita, A caminho do confronto, Estadão, 4/4/2015, A2).
Com o agravamento da crise atual, muitos começam a entender que é impossível chegara um realismo orçamentário no setor público, sem remover a rigidez de inúmeros mandamentos constitucionais.
É isso mesmo. A saída da crise será dolorosa, pois implica reavaliar vários sonhos criados por nossa Constituição. Tarefa difícil, mas não impossível. Vários países mudaram princípios sacrossantos quando a crise passou de grave a gravíssima.
O que é uma crise gravíssima? É quando os agentes sociais concluem que, sozinhos, não têm condições de conservar o que têm. O empresário vê a empresa escapar-lhe das mãos. O poupador assiste ao derretimento de suas aplicações financeiras. O desempregado não encontra emprego e os políticos perdem o apoio do povo.
Quando um país chega a esse ponto, a crise vira uma fantasma que causa medo, pavor, desespero e até pânico. É isso que leva os agentes sociais a entender que a única maneira de salvar o que têm é fazendo concessões. É a história dos pactos sociais.
Entre nós a expressão pacto social está desgastada por ter sido tentada várias vezes sem êxito. Se assim é, que se busque outra expressão, ou seja, um acordo nacional capaz de garantir aos brasileiros um ambiente propício para criar seus filhos com base no trabalho honesto.
Apesar de necessário, o desespero não é suficiente para promover as referidas concessões. É essencial a atuação de interlocutores confiáveis.
Não se pode dizer que a crise atual do Brasil seja gravíssima, a ponto de sinalizar perdas generalizadas, nem que dispomos de líderes confiáveis. Mas, nas últimas semanas, a crise evoluiu rapidamente, causando forte apreensão. E se não há interlocutores no momento, eles podem emergir e ganhar a confiança do povo, com o agravamento da própria crise, como ocorreu em vários países que fizeram acordos nacionais.
Na história, os saltos ocorrem. Com isso, surgiriam as concessões para desengessar o Estado e afastar as desigualdades criadas pela própria Carta Magna. Um novo contrato social.
No Contrato Social de 1762, Rousseau dizia: “Se me perguntarem como puderam os homens chegar a tanta desigualdade, eu não sei responder. Mas se me perguntarem como pôde tamanha desigualdade ser legitimada, isso eu sei responder... A legitimação não veio da natureza e sim das convenções criadas pelos próprios homens. Afinal, o direito nada mais é do que o poder convencionado” (Jean Jacques Rousseau, Discurso sobre a desigualdade, in Obras, Rio de Janeiro: Ed. Globo, 1958).
É exatamente dessa forma que nossa Constituição garante dezenas de desigualdades como, por exemplo, o direito de os jovens se aposentarem aos 52 anos de idade, o direito ao ensino gratuito nas universidades públicas para os que não podem pagar e o direito às entidades sindicais de receberem recursos públicos, de forma compulsória, sem a obrigação de prestar contas a ninguém.
Estabelecidos na Constituição de 1988, os cidadãos passaram a tratar esses benefícios como justos, mesmo quando inexequíveis. Não podia dar certo. Está aí o cerne da negociação de um acordo nacional.

* José Pastore é prof. da FEA-USP, presidente do Conselho
de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomércio-SP
e membro da Academia Paulista de Letras.

Fonte: O Estado de S. Paulo – 08/09/15
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