"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

sábado, 31 de outubro de 2015

O que é a ética?

“Por que ética? E o que é a ética? Não poderemos nos contentar com uma representação qualquer ou indeterminada. Da mesma forma, pressupondo uma pré-compreensão completamente indeterminada, desde o início podemos nos perguntar: por que afinal devemos nos ocupar com a ética? Na filosofia, mas também nos currícula das escolas, a ética parece ser um fenômeno da moda.
Entre os jovens intelectuais, antigamente havia interesse mais pelas chamadas teorias críticas da sociedade. Ao contrário disto, na ética supõe-se uma reflexão sobre valores reduzida ao individual e ao inter-humano. E teme-se que aqui, contudo, não seria possível encontrar nada de obrigatório, a não ser remontando-se a tradições cristãs ou de outras religiões. É o ético, ou então, ao contrário, as relações de poder, que são determinantes na vida social? E estas não determinam, por sua vez, as representações éticas de um tempo? E se isto é assim, ao se pretender lidar diretamente com a ética e não a partir de uma perspectiva de crítica da ideologia, não representaria isto um retorno a uma ingenuidade hoje insustentável?
Por outro lado, não podemos desconsiderar que, tanto no âmbito das relações humanas quanto no político, constantemente julgamos de forma moral. No que diz respeito às relações humanas, basta observar que um grande espaço nas discussões entre amigos, na família ou no trabalho abrange aqueles sentimentos que pressupõem juízos morais: rancor e indignação, sentimento de culpa e de vergonha. Também no domínio político julga-se moralmente de forma contínua, e valeria a pena considerar que aparência teria uma disputa política não conduzida pelo menos por categorias morais. O lugar de destaque que os conceitos de democracia e de direitos humanos assumiram nas discussões políticas atuais também é, mesmo que não exclusivamente, de caráter moral.
A discussão sobre justiça social, seja em âmbito nacional ou mundial, é também uma discussão moral. Quem rejeita a reivindicação de um certo conceito de justiça quase nem o pode fazer sem contrapor-lhe um outro conceito de justiça. Em verdade as relações de poder de fato são determinantes, mas é digno de nota que elas necessitem do revestimento moral.
Por fim, existe uma série de discussões políticas relativas aos direitos de grupos particulares ou marginalizados, as quais devem ser vistas como questões puramente morais: a questão acerca de uma lei de imigração limitada ou ilimitada, a questão do asilo, os direitos dos estrangeiros, a questão sobre em que medida nos deve ser permitida ou proibida a eutanásia ou o aborto; os direitos dos deficientes; a questão de se também temos obrigações morais perante os animais, e quais. Acrescentam-se aqui as questões da ecologia e da nossa responsabilidade moral para com as gerações que nos sucederão. Uma nova dimensão moralmente desconcertante é a da tecnologia genética.
O complexo de questões acima mencionado diz respeito a estados de coisas que em parte são novos (por exemplo, a tecnologia genética), e em parte alcançaram, através do avanço tecnológico, um lugar de destaque até agora não existente (por exemplo, a responsabilidade para com as gerações futuras, e algumas questões da eutanásia). Outras questões já estavam desde a antiguidade presentes, mas encontram-se fortemente colocadas na consciência geral — e podemos nos perguntar por quê: por exemplo, problemas das minorias, aborto, animais. Não se encontra aqui pelo menos uma das razoes pelas quais a ética novamente é tomada de forma importante? A maioria das éticas antigas — por exemplo, as kantianas — tinham em vista apenas aquelas normas que desempenhavam um papel na vida intersubjetiva de adultos contemporâneos e situados em uma proximidade espaço-temporal; e de repente sentimo-nos desorientados em confronto com os problemas do aborto, da pobreza do mundo, das próximas gerações ou da tecnologia genética.”

TUGENDHAT, Ernst. Lições sobre ética.
Petrópolis: Vozes, 1996. P. 11-13.






Exercícios para fixação

1. O autor refere-se ao grande espaço reservado aos temas éticos nas discussões entre as pessoas. Faça uma lista desses temas, escolha um deles e posicione-se.

2. O sentimento de indignação ou de vergonha indica que participamos de uma comunidade moral. Dê um exemplo e explique por quê?

3. Qual é a relação entre política e ética? A partir dessa relação, destaque a questão da justiça como um dos temas centrais da ética.

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