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Língua não se congela. Ela é viva, pulsante. Palavras e expressões em voga numa época caem em desuso em outra. Até mesmo tempos verbais são criados e eliminados e não há sábios ou academias que possam deter a dinâmica histórica de uma língua. O português do Brasil, com suas variantes regionais, é bem mais vocálico do que o de Portugal, mais consonantal. Não é por acaso que nós achamos que eles “engolem” letras e eles que nós falamos “descansadinho”. Mas, se não chegamos a um consenso sobre a forma de falar, seria possível ao menos um acordo sobre como escrever? O que está certo, “pequeno-almoço” ou “café-da-manhã”? O que soa mais “português”, “mountain bike” ou “btt” (bicicleta todo-o-terreno); banda desenhada ou história em quadrinhos? O mais adequado seria “facto”, como querem eles, ou “fato”, como queremos nós? De uma maneira ou de outra, não estamos mais dispostos a aceitar que tomamos a língua “deles” emprestada e nos cabe apenas respeitá-la. Afinal, somos a maioria. De resto, os ingleses inventaram o futebol e não são eles os mestres da bola. Por que seriam os portugueses os donos de uma língua falada por 180 milhões de brasileiros? O novo Acordo Ortográfico busca um consenso, quando for possível, e duas redações oficiais, quando isso não for possível. Ele não mexe, nem poderia fazê-lo, na nossa forma de falar, mas busca facilitar, padronizar a escrita. Assim, na opinião dos defensores do acordo, livros publicados em Portugal não precisariam mais sofrer revisão para serem publicados aqui, por conta das diferenças na ortografia lá e cá. Dessa forma, tanto o mercado português como o de países como Angola e Moçambique ficariam mais acessíveis aos livros e às revistas produzidos no Brasil. Se depender do novo Acordo Ortográfico, o português terá as mesmas regras em todos os países em que é adotado como língua oficial.
Considerado um dos aspectos mais importantes das línguas escritas, a ortografia é também um dos mais polêmicos, e o caso do português não é uma exceção: presente, desde o século XVI, nas primeiras gramáticas de nosso idioma, a reflexão acerca do modo correto de escrever (horto = correto; grafia = escrita) foi palco dos mais acirrados embates lingüísticos, conhecendo um processo desgastante de relativa estabilização idiomática que, a despeito dos mais intensos esforços, não logrou atingir o consenso até os dias de hoje. Com efeito, falar de ortografia é provocar acirradas polêmicas em torno não apenas do modo como se escreve determinada língua, mas da maneira como esse idioma se constitui e dialoga com o vasto universo de significados (sociais, lingüísticos, históricos, culturais etc.) que se encontra à sua volta.
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