“Se você vir um deputado...”
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Assim escreveu mestre Caetano, na letra da genial Haiti. Na terna Bem-querer, outro mestre, Chico Buarque, escreveu “Quando meu bem querer me vir, estou certa que há de vir atrás...”.
Pois bem. Todos sabem que há uma grande diferença entre a chamada norma culta da língua e aquilo que se usa no padrão coloquial. Mas há consenso em relação a muitos pontos. Ninguém aceita, por exemplo, nem na linguagem oral, que se diga “Se ela ir”, ou “Se você dizer”, ou ainda “Se alguém fazer”. Com o verbo “ver”, porém, a coisa é diferente. Raríssimos são os brasileiros, letrados ou iletrados, com teto ou sem teto, que sabem conjugar o futuro do subjuntivo desse bendito verbo. Talvez isso se deva a uma boba resistência à semelhança entre vir, do verbo ver, e vir, do verbo vir.
Antes que alguém se sinta mal com o nome do tempo verbal (as pessoas têm incrível aversão à nomenclatura gramatical), vale lembrar, numa explicação quase simplória, que o futuro do subjuntivo é aquele tempo que se usa com “se” ou “quando”, em frases como “Se/Quando você quiser”, ou “Se/Quando ela souber” etc. Vale lembrar também que o subjuntivo é o modo que indica fato hipotético, provável, duvidoso.
Não é difícil entender por que de “ver” surge a forma “vir”. O futuro do subjuntivo obedece a um sistema de conjugação válido para absolutamente todos os verbos da língua portuguesa. E esse sistema é muito simples. De onde vem a forma “for”, do verbo ir (“Se eu for ao cinema”)? Vem da mesma raiz de “foram”, do pretérito perfeito (“Ontem eles foram ao cinema”).
Basta eliminar as duas últimas letras (am), e pronto! Está feita a primeira pessoa do singular do futuro do subjuntivo do verbo ir (foram − am = for).
Esse sistema vale para 101% dos verbos da língua portuguesa. Tente com outro. Fazer, por exemplo: “Ontem eles fizeram o trabalho”. Faça a operação: fizeram − am = fizer. Então “Quando/Se eu fizer...”.
Vejamos com o verbo dar: “Ontem eles deram a resposta”. Elimine as duas últimas letras de “deram”. (deram − am = der): “Se/Quando eu der a resposta...”.
É bom lembrar que a primeira e a terceira do singular do futuro do subjuntivo são sempre iguais (Se/Quando eu for, Se/Quando ele for; Se/Quando eu fizer, Se/Quando ele fizer).
Agora vamos ao bendito verbo ver: “Ontem eles viram o filme”. Muito bem. Se você eliminar as duas últimas letras de “viram”, o que sobra?
Faça você mesmo: viram − am = vir. Então, “Se/Quando eu vir o filme...”; “Se/Quando você vir minha prima...”
No Brasil, esse verbo apanha. E o pobre verbo vir também apanha. Na linguagem oral, quase todos os brasileiros dizem “Se você me ver lá”. E, conjugando o verbo vir, muitas pessoas dizem “Se você vir aqui amanhã”, em vez de “Se você vier aqui amanhã”. A combinação correta dos dois verbos, em uma frase como “Se eu vier aqui amanhã e vir você mexendo nas minhas coisas...”, então, chega a ser meta inatingível.
Já em Portugal, qualquer cidadão conjuga o verbo ver no futuro com a maior naturalidade. Ilustra isso uma memorável cena que presenciei no aeroporto de Lisboa, no momento do embarque para São Paulo. Um nosso compatriota insistia em fotografar o avião. Um guarda do aeroporto impediu-o, “por questão de segurança”. Quando o guarda virou as costas, nosso patrício, mais do que depressa, armou a máquina e... foi novamente impedido pelo guarda, mais rápido do que ele e acostumado à esperteza dos brasileiros. Instalou-se o bate-boca. A certa altura, o teimoso disse:
— “Mas eu não vou poder mesmo fotografar o avião?”
— “Só se eu não vir”, disse o guarda.
— “Mas o senhor vem toda hora!”
Sem comentário.
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Pasquale Cipro Neto
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