No Quadro 1, pode ver-se uma tabela comparativa dos três modelos de Direção.
terça-feira, 25 de julho de 2017
Lideranças nas organizações educativas
Liderança nas organizações
educativas: a direção por valores.
Revista
Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação
Introdução
Situando a especificidade das organizações
educativas no quadro das organizações em geral, pretendemos com este trabalho
abordar a questão da liderança, tema que sempre entusiasmou os estudiosos da
ciência organizacional, sendo convicção generalizada entre os mesmos que se
está perante uma das condições de sucesso das organizações.
Também nas organizações educativas a liderança tem
vindo a assumir um papel de crescente relevo e a ser apontada como uma das
chaves para a mudança dos sistemas educativos e das organizações escolares no
sentido de as tornar mais eficazes e de aumentar os seus níveis de qualidade.
Perrenoud (2003, p. 105) refere dez princípios para tornar os sistemas
educativos mais eficazes, entre eles: "chefias que exerçam uma liderança
profissional mais do que um controlo burocrático". Também Whitaker (2000,
p. 89) face ao acelerado ritmo de mudanças radicais a que as escolas, como
todas as organizações, estão a ser submetidas, considera a liderança como o
foco crucial para o crescimento e desenvolvimento institucionais. No nosso
país, Marçal Grilo, enquanto Ministro da Educação, repetidamente apontou três
condições para uma escola de qualidade: existência de um projeto, liderança
forte e estabilidade do corpo docente (NETO, 2002, p. 50-52).
Sendo o tema da Liderança muito vasto, não
pretendemos de forma alguma ser exaustivos na sua abordagem, pelo que este
trabalho convergirá, sobretudo, para a análise de um modelo recente que, não
obstante ter surgido no contexto empresarial, nos parece revestir-se de um
interessante potencial para a liderança das organizações educativas. Trata-se
da Direção por Valores (DpV), que se apresenta como uma ferramenta
de liderança estratégica baseada em valores (GARCÍA; DOLAN, 1997).
Face às reservas que alguns autores assumem em
relação a importar para a escola modelos organizativos e de liderança do mundo
empresarial, parece-nos que este modelo de liderança, mesmo para os mais céticos
em ligar ambas as realidades, é uma proposta válida, na medida em que, sendo
uma teoria pensada para as empresas, desenvolve conceitos e apresenta
preocupações que, na nossa perspectiva, deveriam estar presentes na teoria e na
prática da gestão e liderança das organizações educativas, de forma a que estas
possam encontrar novos caminhos para a tão desejada como necessária melhoria
dos seus níveis de eficácia.
Um mundo
de organizações
No mundo contemporâneo, as organizações são uma
inevitabilidade na vida das pessoas, desde que nascem (maternidade, hospital, cartório
de registo civil) até à sua morte (funerária, Igreja, cemitério). Neste
sentido, Ferreira, Neves e Caetano (2001, p. 31) referem: "Na situação atual,
cada um de nós necessita das organizações para viver. [...] Somos, quer
queiramos quer não, seres que vivem e trabalham nas organizações, inseridos em
unidades organizacionais, intencionalmente construídas e reconstruídas, em
permanente evolução e mudança".
Apresentar uma definição de organização não é
tarefa fácil, pois trata-se de um conceito complexo, passível de diferentes
abordagens e concepções, sendo a literatura muito abundante na matéria1.
Todavia, é já clássica a definição proposta por Etzioni (1984, p. 3): "As
organizações são unidades sociais (ou agrupamentos humanos) intencionalmente
construídas e reconstruídas, a fim de atingir objetivos específicos".
Poderíamos juntar a esta muitas outras definições,
mais ou menos complexas, no entanto, talvez seja mais rico e elucidativo
utilizar a linguagem metafórica, seguindo uma proposta de Cunha e outros
(2004), para ilustrar de forma abrangente diferentes perspectivas sobre as
organizações. São cinco as metáforas organizacionais que estes autores nos
apresentam: a "organização racional"; a "organização
orgânica"; a "organização política"; a "organização
cognitiva" e a "organização humana". Os mesmos autores
apresentam na sequência destas metáforas uma outra, que denominam como
"uma metáfora das metáforas: a organização como amálgama", que nos
ajuda a compreender melhor as organizações como realidades complexas e
multidimensionais. Segundo os autores, é uma espécie de meta-metáfora
"capaz de abarcar e integrar a riqueza das diversas metáforas das
organizações". Com a mesma pretendem alertar para que "nenhum
acontecimento organizacional deverá ser olhado a partir de uma metáfora, porque
as múltiplas perspectivas se fundem e confundem num entrelaçado de objetividade
e subjetividade, afeto e cognição, presente e passado, rotina e adaptação"
(CUNHA et al., 2004, p. 10).
Apesar das múltiplas metáforas e inúmeras
definições, é possível encontrar alguns elementos comuns à maior parte das
abordagens. Muñoz Sedano e Roman Perez (1989, p. 41-46) apontam cinco elementos
fundamentais do conceito de organização: composição (indivíduos e grupos inter-relacionados);
orientação para objetivos e fins; diferenciação de funções; coordenação
racional intencional e continuidade através do tempo.
A escola
como organização educativa
As variáveis organizacionais da educação só
ganharam relevo entre os estudiosos das ciências da educação nas últimas duas
décadas, sendo fundamentalmente dois os fatores que, a partir de meados dos
anos setenta, contribuíram nesse sentido: o "movimento das escolas
eficazes", iniciado nos Estados Unidos como reação ao Relatório Coleman
(COLEMAN et al., 1966), e o surgimento de forma consistente e autónoma das
"teorias de organização e administração escolar", que vários autores
atribuem a uma comunicação de Thomas Greenfield intitulada "Theory About Organization: a new
perspective and its implications for schools", numa conferência que
decorreu em Inglaterra, em 1974 (COSTA, 1996).
Mais de duas décadas passadas e após a intensa
reflexão produzida sobre a matéria, parece ser pacífico considerar a escola
como uma organização com aspectos comuns e aspectos distintivos em relação a
outras organizações, nomeadamente as de pendor marcadamente económico e
empresarial. Nesta linha, Licínio Lima (1992, p. 42) chegou mesmo a afirmar que
será "difícil encontrar uma definição de organização que não seja
aplicável à escola".
Contudo, se, por um lado, tal análise, no campo
educativo em geral, nem sempre se apresentou de forma completamente pacífica
(dada a existência de uma dependência inicial da administração e organização
escolar em relação a teorias importadas de outras áreas), por outro lado,
também se acentua cada vez mais a especificidade da organização escolar,
reconhecendo-se o desenvolvimento de diversas perspectivas organizacionais a
partir dos contextos escolares. Mais ainda, são os próprios teóricos situados
nas áreas empresariais que começaram também a integrar nas suas investigações
as organizações escolares (COSTA, 1996).
Licínio Lima (2003, p.7) sublinha precisamente a
importância que a organização educativa vem ganhando enquanto objeto de estudo
da sociologia das organizações:
A revalorização da escola como objeto de estudo
sociológico-organizacional tem-se revelado um dos mais interessantes e fecundos
desenvolvimentos da pesquisa em educação, ao longo dos últimos anos. Apoiado
pela emergência de uma sociologia das organizações educativas e procurando
estabelecer pontes com a análise das políticas educacionais, com modelos,
imagens e metáforas para a interpretação das organizações sociais formais, e
com a crítica às ideologias organizacionais e administrativas, tradicionalmente
de extração empresarial, o estudo da escola vem ganhando centralidade. Trata-se
de um processo complexo, mas também muito estimulante, de construção de um objeto
de estudo que, no passado, foi frequentemente apagado, ou colocado entre a
"espada e a parede", isto é, entre olhares macro analíticos que
desprezaram as dimensões organizacionais dos fenómenos educativos e
pedagógicos, e olhares micro analíticos, exclusivamente centrados no estudo da
sala de aula e das práticas pedagógico-didáticas.
A
liderança nas organizações educativas
Tal como referimos na introdução a este trabalho, a
liderança é considerada por muitos autores como um elemento central e
verdadeiramente capaz de marcar a diferença, quer nas organizações em geral,
quer nas organizações educativas2.
Procuraremos desenvolver esta matéria, passando em
revista algumas perspectivas de liderança nas organizações em geral, mas
centrando-nos mais especificamente nas organizações educativas. Uma vez que o
conceito de liderança, tal como o de organização, é complexo e polissémico,
orientaremos a nossa análise em função das perspectivas que apontam no sentido
de entenderem a liderança numa linha próxima do modelo que nos propusemos
apresentar – a "Direção por Valores". Curiosamente, embora muitos
autores, como veremos, tenham perspectivas coincidentes ou muito próximas da
DpV, nenhum refere explicitamente este modelo.
Intencionalmente, e por uma questão de não nos
desviarmos demasiado do objetivo deste trabalho, não entraremos nas questões de
confronto entre liderança e gestão, liderança e autoridade ou liderança e
poder, situando-nos na perspectiva de liderança ao nível de direção e
administração, ou seja, ao nível de quem detém formalmente o poder e a
competência para conduzir as organizações.
Introduzindo o que mais à frente desenvolveremos
com mais detalhe, apontaríamos como características mais salientes da DpV o
claro enfoque nos "valores", nas "pessoas" e no
"diálogo" sobre valores. Salvador Garcia (2001b, p. 1), um dos
autores deste modelo, designa este novo líder por pós-convencional e
apresenta-o desta forma:
Os numerosos líderes convencionais trabalham – e muito, quase sempre
demasiado – administrando hierarquias, recursos e números, enquanto que os
escassos líderes pós convencionais – os autênticos líderes – têm o especial
valor de pensar de forma diferente, de decidir desenvolver-se como pessoas, de
libertar energia criativa nos seus colaboradores, de contribuir para a criação
de uma sociedade mais solidária e de criar espaços de diálogo para a verdadeira
construção de valores partilhados.
Esta perspectiva, como veremos de seguida, está na
linha das mais recentes teorias sobre liderança, quer no contexto das
organizações em geral, quer no das organizações educativas, em particular.
No que diz respeito às organizações em geral,
Chiavenato (1999, p. 51), já um clássico das teorias de administração de
empresas e de recursos humanos, escreve assim sobre os valores:
Quando todos os funcionários conhecem a missão e os valores que norteiam
o seu trabalho, tudo fica mais fácil de entender, inclusive saber qual o seu
papel e como contribuir eficazmente para a organização. [...] E por que a visão
é importante nas modernas empresas? Simplesmente pelo fato de que hoje não se
controlam mais as pessoas através de regras burocráticas e hierarquia de
comando, mas por meio de compromisso com a visão e os valores compartilhados.
Também Daniel Goleman, que introduziu as inovadoras
teorias da "Inteligência Emocional", defende a este nível o conceito
de liderança primal: "O papel emocional do líder é primal – isto é, vem em
primeiro lugar – em dois sentidos. É o primeiro ato de liderança e, ao mesmo
tempo, é o mais importante" (GOLEMAN; BOYATZIS; MCKEE, 2002, p. 25). Neste
sentido, estes autores apresentam como ideal de liderança a "liderança com
ressonância" (própria do líder com inteligência emocional desenvolvida),
por oposição a liderança dissonante (sem estar em sintonia). Segundo estes,
gerar ressonância, estar sintonizado com os "sentimentos das
pessoas", seguir um caminho emocionalmente positivo, pautar-se por valores
e despertar os valores e o valor dos que o rodeiam é a tarefa principal de
todos os líderes:
Os líderes ressonantes sabem quando devem ser visionários, quando devem
ouvir e quando devem dar ordens. São líderes com perspicácia para ver o que é
verdadeiramente importante e para definir uma missão que reflita os valores de
quem dirige a organização. São líderes que cuidam naturalmente das relações,
que fazem vir à superfície as questões latentes e que criam sinergias humanas
em grupos harmónicos. Suscitam relações de lealdade, porque se preocupam com a
carreira dos seus subordinados e estimulam as pessoas a dar o melhor de si
próprias na prossecução de uma missão que apela a valores compartilhados"
(GOLEMAN; BOYATZIS; MCKEE, 2002, p. 267).
Igualmente Rego e Cunha (2004, p. 239), defendendo
a "liderança transformacional"3,
insistem na questão dos "valores e da ética na liderança":
Subjacente ao modelo está a noção de que a
avaliação ética da liderança não pode bastar-se com a análise das suas
consequências – é necessário escrutinar o carácter moral do líder,
a legitimidade ética dos valores embebidos na visão e na respectiva
articulação, e a moralidade dos processos de escolha e ação que líderes e
seguidores abraçam e prosseguem. No limite, dois líderes podem adoptar
idênticos comportamentos transformacionais e suscitar até idênticas
consequências – mas são os valores subjacentes que permitem descortinar que um
é autêntico e o outro é pseudo.
Voltemo-nos, agora, para autores mais ligados ao
domínio da organização escolar.
Sergiovanni (2004a; 2004b), desenvolvendo a sua
perspectiva de escola como organização especial, por oposição às organizações
de tipo empresarial, e reclamando para a mesma também uma liderança especial,
que designa como "liderança moral', enfatiza bastante, precisamente, as
"pessoas", a "comunidade" e os "valores" como as
suas marcas distintivas. Vejamos, algumas ideias do próprio autor:
Precisamos de teorias de liderança que reconheçam que os pais,
professores, membros dos órgãos administrativos e alunos têm mais capacidade de
tomar decisões baseadas em valores do que em decisões individuais. Em vez de
agir de forma calculista e individual, baseados no seu interesse próprio,
devemos reconhecer que as pessoas reagem a normas, valores e crenças que
definem a qualidade de vida conjunta do grupo que lhes dá significado e
importância (SERGIOVANNI, 2004b, p. 37).
"Esta liderança é moral pois sublinha a junção
de várias pessoas em torno de uma causa comum tornando a escola numa comunidade
formalmente vinculativa. As comunidades vinculativas possuem ideias, princípios
e finalidades partilhadas que criam uma poderosa fonte de autoridade para a
prática da liderança" (SERGIOVANNI, 2004a, p. 173).
Fullan (2003), ao refletir sobre as questões da
liderança, nomeadamente das escolas, numa cultura e num mundo em permanente
mudança, faz uma aproximação às perspectivas de Sergiovanni, quando ao
identificar cinco componentes da estrutura conceptual da mudança, apresenta
como um desses aspectos o "objetivo moral". Também insiste num
aspecto intimamente ligado á questão do diálogo: "as relações".
Vejamos:
Em resumo, objetivo moral significa agir com o intuito de provocar uma
diferença positiva na vida dos funcionários, clientes e sociedade como um todo.
Embora tratando-se de um valor óbvio com o qual muitos de nós nos
identificamos, pretendo demonstrar que poderá haver razões evolutivas
inevitáveis para que o objetivo moral se torne cada vez mais relevante e que,
em qualquer dos casos e em tempos de extrema complexidade, os líderes sejam
orientados pelo objetivo moral a bem da sua maior eficácia. [...] (FULLAN,
2003, p. 15).
Se o objetivo moral é a primeira tarefa, então as relações são a
segunda, dado que sem elas não vamos a lado nenhum. No passado se
perguntássemos a alguém dentro de uma empresa de sucesso o que tinha provocado
o êxito, a resposta seria "As pessoas". Mas isso só é parcialmente
verdadeiro: na verdade, são as relações que fazem a diferença (FULLAN, 2003, p.
57).
De igual modo, Bolívar (2003, p. 256) reforça o
papel das "pessoas" e refere uma liderança que se movimenta num
"plano moral":
Entendemos a liderança como uma forma especial de influência tendente a
levar os outros a mudarem voluntariamente as suas preferências (ações,
pressupostos, convicções), em função de tarefas e projetos comuns. Mediante um
conjunto de atividades e projetos, a liderança estimula a partilha de
informação, a obtenção dos recursos necessários, a clarificação de
expectativas, faz com que as pessoas se sintam membros de uma equipa, ajuda a
identificar e a resolver problemas. Para que este exercício de liderança
produza efeito costuma movimentar-se de preferência num plano moral: convicções
e ideais mediante meios simbólicos e de compromisso com a tarefa educativa.
Robert Marzano (2005, p. 160-164), segundo um
estudo muito recentemente publicado em língua portuguesa, como resultado de
largos anos de investigação e experiência de trabalho com escolas da América do
Norte, destaca como um dos princípios essenciais de uma liderança eficaz para a
mudança os "comportamentos específicos que melhoram os relacionamentos
interpessoais", enfatizando precisamente a importância do "fator
humano" e das relações positivas assentes em valores como dados
caracterizadores de uma boa liderança4.
Também entre nós, alguns autores defendem uma
perspectiva de liderança que coloca em destaque os valores e as pessoas, ou as
pessoas unidas em torno de valores. Por exemplo, Barroso (1996, p. 170)
apresenta a escola como "construção social", valorizando o
"papel dos indivíduos" e afirmando o "primado dos valores sobre
os factos":
No que se refere ao estudo da escola, esta abordagem crítica permitiu
fazer a ruptura teórica e metodológica, com o paradigma científico-racional que
tradicionalmente dominava a análise da sua organização e administração. As
escolas passam a ser vistas como construções sociais. É valorizado, na sua
análise, o papel dos indivíduos e o contexto social e histórico da sua ação.
São abandonadas as metodologias "positivistas" e desenvolvem-se os
estudos "etnográficos". São postos em causa os princípios da
racionalidade administrativa e defende-se o "primado dos valores sobre os
factos", na gestão das organizações educativas.
Quando, há alguns anos atrás, Costa (2000) passava
em revista diferentes concepções de liderança nas organizações, deteve-se nos
conceitos de escola enquanto "organização pedagógica"5 e
na correspondente perspectiva de liderança enquanto "liderança
pedagógica", adequada à especificidade das organizações escolares. Neste
sentido, evidenciou-se a preocupação com as questões dos "valores" e
da "ética" na liderança, bem como com as "pessoas" e o
"diálogo" entre estas, pois a participação, a colaboração, a
colegialidade docente, a democraticidade nas decisões, a promoção da autonomia
das pessoas e do profissionalismo docente são aspectos centrais neste tipo de
processos: "Assim, questões como as da liderança estratégica, da
importância do projeto de escola, dos valores e da dimensão ética na liderança,
do apelo à liderança transformacional [...] são alguns dos desenvolvimentos
necessários desta problemática [...]" (COSTA, 2000, p. 30).
Também, Fátima Chorão Sanches (2000, p. 55) defende
a perspectiva da "liderança colegial" nas escolas, desde logo
centrando as questões da liderança no "diálogo" e "colaboração
entre as pessoas" e introduzindo, também, a necessidade de que esse seja
um "diálogo ético, mediado por valores":
Mas o diálogo colegial transcende os objetos gnoseológicos,
epistemológicos ou sociológicos inerentes ao ensino e à escola. Também se
centra nas questões referentes à responsabilidade deontológica, às implicações
éticas do ensino. Nesta dimensão, esta forma de comunicação inter-pares
transforma-se em diálogo ético. As práticas de colegialidade envolvem valores
que são incompatíveis com relações de competição e de impessoalidade. [...] Uma
orientação desta natureza leva os professores a associarem-se em coerência com
um conjunto harmonioso de valores: solidariedade, cooperação e reciprocidade
comunicativa, respeito e confiança mútua e responsabilidade interdependente. A
colegialidade adquire, assim, expressão deontológica fundadora da profissão
docente.
Estêvão (2002), numa análise que faz apresentando
diferentes metáforas organizacionais para a mudança escolar na perspectiva de
globalização, embora com uma abordagem algo crítica, acaba por destacar os
aspectos que vimos referindo. Neste seu trabalho, parte da constatação de que atualmente
as organizações tendem a ter uma estrutura mais redial, utilizando a metáfora
de rede, e identifica novas tendências das organizações: "sistemas de
processamento da informação", "organizações flexíveis",
"organizações democráticas", "organizações trevo",
"organizações teia de aranha", "circuitos ou alianças
organizacionais", "redes globais complexas", "organizações
curiosas", "organizações aprendentes ou inteligentes". Estas
tendências apresentam características comuns
[...] que apontam para outros modos de conceber e gerir as organizações
e os seus recursos humanos, para outros modos de integrar (por vezes, de uma
forma abstrata) valores desencontrados, para uma nova visibilidade (embora nem
todas tenham a mesma solidez e mereçam a mesma credibilidade) de soluções
estruturais, para uma visão baseada em objetivos estratégicos [...]. Por outro
lado, estas novas morfologias organizacionais (nascidas no campo da gestão) por
mais irrealistas, oportunistas e insensatas que possam ser ou parecer, implicam
novas configurações de poder, de gestão de conflitos, de liderança, de tempo e
de espaço, de identidade, de formas de trabalho, de participação, de
coordenação, de controlo, de profissionalismo, de responsabilidade social, de
cultura, de verdade e de justiça" (ESTÊVÃO, 2002, p. 18-19).
Atente-se à ênfase colocada nas pessoas, nas suas
relações, nomeadamente as de liderança e poder, e nos valores. Mas Estêvão dá
um especial relevo à metáfora da "organização polifónica" (GERGEN;
WHITNEY, 1996), na qual a dialogicidade se torna central, dando voz às
diferentes (sub)culturas da organização, "ao mesmo tempo que a comunicação
se institui na função principal da gestão, podendo estimular as relações
intensas até entre atores ausentes" (ESTÊVÃO, 2002, p. 20). É interessante
esta perspectiva do "diálogo como marca essencial da gestão", que de
alguma forma tem um paralelo na DpV, ao considerar que "a verdadeira
liderança é, no fundo, um diálogo sobre valores" (GARCÍA; DOLAN, 1997, p.
5).
Outro autor, Vicente (2004, p. 10), coloca a
possibilidade de "ser o modelo organizativo o principal responsável pela
ausência de qualidade nas organizações" e por isso entende ser de extrema
importância saber qual o paradigma organizativo e de administração e gestão das
escolas que potenciará o sucesso do processo educativo. Nesta perspectiva da
gestão voltada para as questões da qualidade, para "uma escola com
garantia de qualidade", refere o autor:
Uma forte e esclarecida liderança permite e promove o envolvimento e
participação crítica de toda a comunidade no desenvolvimento do projeto
educativo da escola. Os líderes inovam, centram-se nas pessoas, inspiram
confiança, desafiam o poder, têm visão a longo prazo, implicam as pessoas,
integram informação. Assim o líder tem como funções: revitalizar a organização,
criar novas visões, mobilizar o compromisso com as novas visões e definir a
necessidade da mudança" (VICENTE, 2004, p. 143).
Mais uma vez é relevado o "enfoque nas
pessoas", nos "valores partilhados" (visão), no desenvolvimento
da cultura organizacional com as pessoas e na liderança transformacional que,
como veremos, já de seguida, estão presentes igualmente na DpV.
Antes de entrarmos na análise da DpV, um
apontamento final, retirado de Fullan (2003, p. 8-9) que, contrariamente a
outras perspectivas, valoriza os movimentos de mútua influência entre escolas e
empresas:
A liderança nos negócios e na educação têm cada vez mais pontos em
comum. Como veremos adiante, o mundo empresarial começa a tomar cada vez mais
consciência do quão perigoso é para o sucesso sustentável não ter um objetivo
moral. Neste ponto muito terá decerto a aprender com as escolas. Isto porque as
escolas começam a descobrir que as novas ideias, a criação e partilha de
conhecimento são essenciais para resolver os problemas de ensino-aprendizagem
numa sociedade em rápida mudança. E, por seu turno, as escolas podem aprender a
partir da forma como as melhores empresas inovam e obtêm resultados.
Pareceu-nos importante referir estas perspectivas
que, nas questões organizacionais em geral e especificamente nas da liderança,
salientam a importância do diálogo entre o mundo das empresas e o mundo das
escolas. Fazemo-lo, intencionalmente, imediatamente antes de apresentarmos o
modelo da DpV, uma vez que se trata de um modelo de gestão pensado para o mundo
das empresas, que nos parece ter potencialidades de aplicação à organização
escolar.
A Direção
por Valores (DpV)
Através do percurso que fizemos, verificámos que há
um consenso bastante alargado, embora com especificidades de cada uma das
propostas, em considerar a importância dos "valores", das
"pessoas" e do "diálogo" numa liderança organizacional
capaz de responder a desafios do mundo de hoje, tais como: a globalização, o
acelerado desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico, a crescente
complexidade, a permanente mudança.
Gestão com pessoas; líderes ressonantes; liderança
transformacional; ética na liderança; liderança moral; objetivo moral; primado
dos valores sobre os factos; liderança pedagógica; liderança colegial;
organização polifónica; gestão com garantia de qualidade – são diferentes formas
de traduzir que a ideia de que as organizações atuais, e também a organização
escola, precisam de uma liderança que coloque no centro da sua atividade a
ética, a moral, os valores, as pessoas, o diálogo e a relação entre pessoas, a
adaptabilidade à mudança, o desenvolvimento organizacional, a qualidade, [...]
São, também, estas algumas das principais preocupações da Direção por Valores.
O conceito "Direção por Valores" foi
equacionado em finais dos anos noventa, simultaneamente em Espanha, por Salvador
García e Shimon Dolan (1997), com a publicação da sua obra "La Dirección
por Valores", e nos Estados Unidos da América, pela obra "Managing by
Values", da autoria de Ken Blanchard, Michael O'Connor e Jim Ballard
(1997).
Numa definição breve, a "Direção por
Valores" (DpV) é apresentada por García (2002a, p.4) como um "modo
avançado de direção estratégica e liderança participativa pós convencional
baseado no diálogo explícito e democrático sobre os valores partilhados que irão
gerar e orientar as decisões de ação na empresa".
A "pedra de toque" desta abordagem está
pois nos "valores" e nas "pessoas", concretizando-se
através do "diálogo" sobre valores partilhados. E é oportuno referir
aqui uma citação já anteriormente feita: "a verdadeira liderança é, no
fundo, um diálogo sobre valores" (GARCÍA; DOLAN, 1997, p. 5). Todavia,
desenvolvamos um pouco mais estas definições, através da perspectiva dos
próprios autores:
A DpV é uma nova ferramenta de liderança estratégica. A DpV, mais do que
uma nova moda de dirigir empresas é uma nova forma de entender e aplicar
conhecimentos apresentados pela Psicologia Social e outras Ciências do
Comportamento desde meados do séc. XX e que muitos dirigentes de todo o mundo
estão começando a praticar de uma forma ou de outra, ainda que em muitos casos
de forma intuitiva e mesmo defeituosa, para conseguir sobreviver e
diferenciar-se no seu trajeto para o futuro. De facto, a DpV é uma actualização
das perspectivas já clássicas do chamado Desenvolvimento Organizacional (DO). Esta
actualização pretende algo tão básico como introduzir realmente a dimensão da
pessoa dentro do pensamento diretivo, não unicamente ao nível de uma
"teoria formal", mas na prática diária. [...] A DpV é uma espécie de
marco global para redesenhar continuamente a cultura da empresa de forma que se
gerem compromissos coletivos através de projetos novos e mobilizadores"
(GARCÍA; DOLAN, 1997, p. 4-5).
Para estes autores, a DpV tem uma finalidade tripla
(GARCÍA; DOLAN, 1997, p. 7): simplificar – "absorver a complexidade organizativa derivada das
crescentes necessidades de adaptação a mudanças a todos os níveis da
empresa"; orientar – "enquadrar a visão estratégica apontando para
onde deve ir a empresa no futuro"; comprometer – "integrar a direção
estratégica com a política de pessoas, com o fim de desenvolver o compromisso
com um rendimento profissional de qualidade no dia-a-dia".
Uma das características fundamentais da DpV, como
evolução da Direção por Instruções (DpI) e da Direção por Objetivos (DpO), é a
sua "capacidade para absorver complexidade". Segundo os autores
(GARCÍA; DOLAN, 1997), nas últimas décadas apareceram quatro tendências
organizativas necessárias para a adaptação a um mercado cada vez mais exigente
e imprevisível: necessidade de qualidade e orientação para o cliente;
necessidade de autonomia e responsabilidade profissional; necessidade de
evolução dos chefes a líderes facilitadores; necessidade de estruturas
organizativas mais planas e ágeis.
De acordo com o García (2002a, p. 4), podemos verificar
como as quatro tendências anteriormente descritas se conjugam com o percurso
histórico da DpI, passando pela DpO, até à DpV. Assim, numa linha evolutiva, o
primeiro marco é a DpI, típica das empresas do início do século e que surge
naturalmente ligada aos modelos clássicos de organização e administração
industrial e a autores como Taylor e Fayol. Em segundo lugar, surge a DpO, que
é uma ferramenta de direção introduzida por Peter Drucker, na sua obra
"The Practice of Management", em meados do século XX. Teve uma
evolução para a Direção Participada por Objetivos (DPpO). Naturalmente, que
estas perspectivas representam uma grande evolução face à DpI, mais no caso da
DPpO, pois nelas já existe a preocupação em partilhar com os colaboradores os
objetivos do seu trabalho e da organização, como forma de motivação e de
quantificação de metas, ou mesmo envolvê-los na definição dos mesmos (na DPpO).
Finalmente, a perspectiva da DpV é bastante mais ambiciosa que as anteriores,
pois pretende o desenvolvimento de uma cultura organizacional, uma verdadeira
identificação dos membros da organização com a sua visão (o para onde vamos?) e
com a sua missão (qual a razão de ser? O para quê?), e através desta
identificação permitir à organização dar respostas mais eficazes à mudança e,
acima de tudo, promover verdadeiramente o desenvolvimento profissional e os
valores nos membros da organização.
No Quadro 1, pode ver-se uma tabela comparativa dos três modelos de Direção.
No Quadro 1, pode ver-se uma tabela comparativa dos três modelos de Direção.
Associadas a estas três perspectivas de liderança,
encontramos diferentes concepções sobre: modelos de sociedade, modelos de
organização socioeconômica, concepção da pessoa e desenvolvimento da
consciência moral do líder (GARCÍA, 2001a, p. 16).
O cosmopolitismo é a perspectiva de pertença de todo o indivíduo à
humanidade, que se entende como a única comunidade moralmente significativa
para além dos particularismos nacionalistas. Este pensamento universalista vai
para além da globalização como neo-hegemonia norte americana. É tolerância,
empatia, sensibilidade para as diferenças. A sensibilidade cosmopolita é
solidária e de mentalidade aberta (open mind), correspondendo aos
esquemas da 'sociedade aberta' de Popper" (GARCIA, 2001a, p. 17).
Quanto à organização socioeconômica, a evolução
faz-se de um "capitalismo rígido" e ainda rudimentar, da era
industrial, passando por um "capitalismo" mais "flexível" e
também mais funcional, que começa a atender a outros aspectos que não o
meramente económico e a dar importância às pessoas e ao seu envolvimento com os
objetivos da organização, para um "capitalismo sensível" e solidário,
mais um conceito que clarificamos com o pensamento do próprio autor:
A DpV é a dimensão organizativa de um capitalismo sensível desenvolvido
por empreendedores com valores. Se quer continuar a ser legítimo, o
globalitário sistema capitalista atual deve decidir evoluir para uma
sensibilidade de cidadania cosmopolita a nível internacional, para uma Direção
por Valores a nível organizativo e para um empreendedorismo com valores a nível
individual (GARCIA, 2001a, p. 9).
Relativamente à concepção de pessoa, a evolução
parte da perspectiva de "pessoa como máquina", associada aos modelos
da era industrial de inícios do século XX, para a visão de "pessoa como
recurso", até à perspectiva condizente com a DpV: a "pessoa como
fim". Há aqui notoriamente influências das correntes humanistas, que não
são negadas pelos autores:
Na sua obra central de 1960, 'The Human Side of Entrerprise', McGregor
já definia o dirigente humanista como o dirigente profissional que, com o fim
de dirigir pessoas e obter resultados empresariais, aplica conhecimentos
derivados das ciências humanas, tais como a psicologia social, a antropologia,
a ciência política ou a filosofia. As ciências económicas são claramente
insuficientes para saber dirigir pessoas e projetos. Engenharia e humanidades
são mutuamente necessárias. Não podemos voar em aviões de papel nem os aviões
servem para dar sentido ao voo pela vida. Não só necessitamos de mais praxis,
mas também de mais ética e mais poiética (GARCIA, 2001a, p. 6).
Quanto à consciência moral do líder, o autor
entende que a mesma pode ter um impacto significativo no conjunto do capital
axiológico do sistema organizativo que lidera. Na sua análise segue o modelo
dos três níveis de desenvolvimento da maturidade da consciência moral da
pessoa, desde a infância até à idade adulta, proposto por Lawrence Kohlberg
(1981). Nesta perspectiva a "consciência moral pré-convencional"
corresponde ao raciocínio moral das crianças pequenas, que julgam o que está
correto do ponto de vista dos seus próprios interesses imediatos: correto é o
que evita o castigo, o que segue as diretrizes emanadas da autoridade e o que
proporciona benefício imediato. A "consciência moral convencional"
corresponde a enquadrar as questões morais segundo as normas, expectativas e
interesses da ordem social estabelecida - o líder convencional não chega a ser
um líder é mais um gestor do "status quo". O líder "pós-convencional",
aquele que se enquadra na perspectiva da DpV, é capaz de, com critério próprio,
distinguir entre as normas de seu envolvente, os valores instrumentais, e os
princípios éticos que são universalmente defensáveis, como valores últimos. Daí
o líder pós-convencional ser cosmopolita, estar aberto às questões que envolvem
toda a humanidade: "O líder pós-convencional pensa e actua de forma
transformadora, para além do que se considera habitual nos seus grupos de
referência, e fá-lo de acordo com a sua própria consciência moral baseada em
crenças e valores cosmopolitas de tipo ético, prático e poiético" (GARCÍA,
2001b, p. 10).
O líder pós-convencional tem um perfil humanamente
evoluído, não se governa pelas convenções ou crenças dominantes no seu meio
ambiente, mas pelas suas próprias convicções, pela sua visão do mundo, tem
capacidade para transformar as coisas e dar pleno sentido à sua vida e à dos
outros. Como tal, torna-se inspirador e legitimador de diálogos capazes de
construir a confiança, a sensibilidade e a liberdade. Neste sentido, o autor
desenvolve a tese de que o líder pós-convencional é aquele que "faz a
gestão do medo" em si e nos outros: "Atrevamo-nos a contemplar uma
nova proposta de liderança conscientemente centrada na liberdade da pessoa e na
sua dignidade. Sem ignorar a existência de circunstâncias económicas,
biológicas ou culturais, consideremos a necessidade de contrariar tanto
discurso intimidatório (chamado "realista" por muitos) sobre o peso
do contexto, da estrutura, da lamentável natureza humana e da mera inércia"
(GARCÍA, 2001b, p. 1).
Tratando-se de um modelo de Direção por Valores,
naturalmente que estes, quer na sua conceptualização, quer na sua análise mais
pormenorizada, nomeadamente através do estabelecimento de diferentes
categorias, são objeto de intensa teorização por parte dos autores. Sem
levarmos a fundo esta questão, por inadequação a um trabalho desta natureza,
deixamos alguns apontamentos principais.
Os autores partem da noção de valores como sendo
"o resultado de crenças internalizadas sobre como devemos atuar"
(DOLAN; GARCÍA; NAVARRO, 2002, p. 4), associando-os à liberdade humana, à
capacidade de distinguir e escolher o bem ou o mal. Os valores são considerados
a alma da empresa e surgem associados à sua visão e missão:
Definitivamente, a visão, a missão e os valores partilhados são a alma
da empresa, sua moral, o seu espírito, a sua identidade diferenciadora, a sua
poesia. São ativos humanistas, não tangíveis porém de vital importância para
animar e dar coerência e moral ao esforço de alto rendimento das pessoas na
empresa. A falta de valores verdadeiramente dialogados e indutores de sentido
para a ação cria empresas desalmadas, desumanizadas, fragmentadas e prosaicas,
pessoas desanimadas, projetos inanimados, e equipas desmoralizadas. Esta falta
de alma gera empresas às quais para a grande maioria representa um enorme
esforço voltar segunda-feira pela manhã (DOLAN; GARCÍA; NAVARRO, 2002, p. 2).
Subjacente a esta perspectiva está a de estabelecer
um equilíbrio dinâmico entre dois grandes grupos de valores ou princípios de ação
na vida organizativa: entre a orientação "prosaica", voltada para o
controlo, que se liga a valores relacionados com eficácia de gestão
(eficiência, responsabilidade, cumprimento, optimização, obediência), e a
orientação "poética", voltada para o desenvolvimento de novas
perspectivas de ação, que se liga a valores dirigidos para a emoção e a criação
(confiança, liberdade, iniciativa, criatividade, flexibilidade, entusiasmo,
alegria). Trata-se, no fundo de integrar economia com humanismo.
Nesta linha, GARCÍA (2001a, p. 12) refere como
enfoque metodológico da DpV um "modelo triaxial"6 de
análise que agrupa os valores em três dimensões, que desejavelmente devem estar
o mais equilibradas possível: o eixo de valores "práxicos" (ligados à
prática) ou de controlo; o eixo de valores "poiéticos"7 (emocionais
e criativos) e o eixo dos valores "éticos", eixo central em torno do
qual giram os outros dois. O modelo triaxial da Direção por Valores visa a
criação de empresas "eutópicas"8:
"chegou, pois, o momento de que o grito utópico de que 'outro mundo é
possível' incorpore o realismo eutópico de que 'outra empresa é possível"
(GARCÍA, 2003, p. 1). As empresas "eutópicas" têm uma tripla
responsabilidade: equilíbrio económico, ético e emocional.
Naturalmente que a "alma" deste modelo assenta sobretudo nos eixos
dos valores éticos e "poiéticos", pois "os valores práxicos
convencionais, que dominam o mundo da empresa, estão a perder o seu poder
hegemónico para dar sentido à ação" (GARCIA, 2001a, p. 3). Como que
resumindo e justificando todo o sentido deste modelo, assim escreve o autor:
O homo tecnoeconomicus alcançou o seu teto evolutivo de
máxima eficiência, de felicidade e de sentido para a ação. Há que explorar e
aplicar novos modos de pensar e fazer as coisas nas empresas mais evoluídas;
quer dizer, mais éticas e mais 'poiéticas', que questionem e ampliem o modelo
dominante de 'progresso' e de 'criação de valor' propugnado pelo pragmatismo
das nações no poder mundial (Estados Unidos, Alemanha, Japão [...]) e suas
seguidoras. Chegou a hora da ética empresarial, de libertar o potencial
criativo das pessoas e de pensar em novas formas de liderança e de
empreendedorismo baseadas numa consciência moral pós convencional. [...] A
perdurabilidade e desenvolvimento do sistema capitalista passam pela sua
humanização: passa por entender e aplicar o valor do respeito à pessoa e ao seu
meio ambiente. [...] A turbulência e incerteza do ambiente socioeconômico atual
deve enfrentar-se construindo uma 'alma' organizativa que dê sentido humano à ação
(GARCIA, 2001a, p. 4).
Para finalizar, demos conta de um breve apontamento
sobre uma das virtualidades do modelo, realçada pelos autores, que nos parece
interessante, atendendo às características e exigências do mundo em que
vivemos: "o valor dos valores como ordenadores do caos e da
incerteza" (GARCIA, 2002b, p. 1). Este aspecto, que já atrás foi tocado ao
referirmos a capacidade do modelo para absorver complexidade, dá-nos conta que
a pessoa ou as organizações, habituadas a esquemas convencionais, com elevados
níveis de ordem e controle, lidam mal com a incerteza e mudança, tendendo a
desenvolver mecanismos de agressividade defensiva. Tal estado de espírito,
levado ao extremo, conduz à aversão ao risco, à resistência à mudança, à
inibição da criatividade própria e da dos outros. Em situações de alta
complexidade e de máxima vitalidade criativa, situadas "na fronteira do
caos", os valores individualmente assumidos ou compartilhados, quando em
contextos sociais, são estratégicos para lidar com a incerteza e mudança, uma
vez que proporcionam, à pessoa e às organizações, profissionalismo, abertura
crítica e ética. Estes valores, no seu conjunto, geram liberdade e confiança,
dotando as pessoas e as organizações de capacidade para, evitando o medo e a
ansiedade, lidarem com a incerteza e a mudança.
Considerações finais
A Direção por Valores, apesar de pensada para o
mundo empresarial, não se afasta muito, nos seus pressupostos essenciais, de
algumas concepções de liderança pensadas para a organização escolar que tivemos
a oportunidade de apresentar ao longo deste trabalho. Algumas delas, associam
liderança a moral: a "liderança moral" defendida por Sergiovanni, a
liderança com "objetivo moral" defendida por Fullan, o "plano
moral" referido por Bolívar. Somos de opinião, contudo, que a terminologia
dos valores pode apresentar vantagens em relação à terminologia da moral. Desde
logo, está mais perto da linguagem corrente das escolas: um dos objetivos
centrais da escola é "a educação para valores". Por outro lado, a
moral tende a confundir-se, embora erradamente, com a religião, ou pior ainda a
associar-se a posições rígidas, de intolerância e de puritanismo, também
erradamente, porque esse é o domínio do moralismo e não da moral. Estas
questões terminológicas, sendo acessórias, devem, contudo, merecer alguma
atenção, pois as representações sociais que se fazem de determinados conceitos,
mesmo que erradas, podem acabar por condicionar as pessoas e a realidade.
Deixando de lado juízos comparativos, permitimo-nos
distinguir neste modelo alguns aspectos cruciais:
― Raízes acentuadamente humanistas
– a virtude de entender a pessoa e o valor da pessoa e da sua dignidade como
fim e não como mero recurso;
Clareza, ainda que um pouco simplificadora, com que
situa o evoluir histórico das perspectivas sobre direção e liderança, ao fazer
o confronto entre DpI, DpO e DpV;
― Capacidade de introdução, num campo já tão
explorado, de alguns conceitos inovadores e com bastante conteúdo e riqueza
semântica: valores "poiéticos"; empresas "eutópicas";
liderança pós-convencional; cosmopolitismo (em contraponto com globalismo),
capitalismo sensível ou solidário;
― Preocupações sociais, procurando ultrapassar
alguns impasses do modelo capitalista e sugerindo pistas de respostas mais
solidárias;
― Capacidade de resposta à complexidade, incerteza
e mutabilidade do mundo contemporâneo (valores como ordenadores do caos).
Quanto ao seu potencial para aplicação à
organização escolar, sintetizando, apontamos alguns aspectos que nos surgem
como mais evidentes e merecedores do nosso destaque:
― Desde logo o foco nos valores. Essa deve ser
inquestionavelmente também a grande missão da escola: educar para uma cidadania
com valores, de reconhecimento e de respeito pela dignidade de todos os seres
humanos. Têm aqui necessariamente lugar a solidariedade e a educação para a justiça,
desenvolvendo o sentido de responsabilidade pela transformação das estruturas
de injustiça no nosso mundo.
― A perspectiva pós-convencional de entender a
"liderança como um diálogo sobre valores" que, não sendo pensada para
a escola, é bastante pedagógica e educativa. A escola, sendo um espaço de
relações permanentes entre pessoas, onde se exercem muitas lideranças, aos mais
diversos níveis, nomeadamente no espaço sala de aula, beneficiaria desse
diálogo aberto, democrático, fundado em valores compartilhados e no
reconhecimento do valor supremo da pessoa. Entendemos esta perspectiva como
pedagógica e vital para a transformação e desenvolvimento de uma organização
ainda muito marcada, na generalidade dos casos, pela ausência de verdadeiras
lideranças (por omissão, por burocratização, por falta de formação ou de
recrutamento adequado, [...]) e por práticas acentuadamente individualistas, no
relacionamento entre professores, e diretivas, no relacionamento com os alunos,
por oposição a pedagogias mais construtivistas. Há de facto um défice de
diálogo e de relações positivas.
― A questão do desenvolvimento de uma cultura
organizacional, assente na visão, missão e valores partilhados, essencial para
algo que para muitos já vai sendo considerado uma utopia ou que existe apenas
no domínio das retóricas ou das práticas simbólicas, mas que entendemos ser um
objetivo a perseguir com firmeza: a construção de verdadeiras comunidades
educativas, cimentadas por laços de respeito, consideração, mesmo de afetividade
e, necessariamente, pela construção partilhada de objetivos comuns.
― A adequação dos valores para ordenar, de forma
livre, criativa e flexível o caos (a permanente instabilidade e mudança),
ferramentas, sem dúvida, essenciais para a escola e para os seus agentes
educativos. Se o mundo de hoje tem a marca da mudança e da instabilidade, mais
do que ninguém as crianças e jovens são "feitos dessa argamassa", não
sejam eles, por natureza, seres em crescimento e, portanto, em permanente
mudança e, por outro lado, os que mais facilmente integram e se deixam
influenciar pelas mudanças, incertezas e perplexidades do mundo que os rodeia.
Apresentar um referencial de valores, ou, mais importante ainda, serem os
educadores pelas suas convicções e exemplo referenciais de valores, que
contribuam para ordenar esse caos, permitirá às crianças e jovens encontrarem
pistas de crescimento harmonioso e equilibrado, sendo este um grande contributo
que todas as escolas e professores poderão dar para o desenvolvimento pessoal
dos seus alunos.
― Toda a perspectiva positiva, de orientação
poética ou "poiética", que este modelo nos apresenta, para além do
seu valor essencial, tem também algo de pedagógico: o optimismo que permite a
"gestão do medo", da apatia, da fuga; o entusiasmo capaz de dar um
suplemento de "alma" à nossa ação e à nossa vida; a realização
pessoal e profissional; alguma "utopia" que permita encontrar
criativamente soluções para alguns "becos sem saída" da
"realidade" do mundo em que vivemos... Só organizações educativas,
cujo ambiente permita a libertação da energia criativa das suas pessoas,
desenvolvendo os seus valores e o seu valor, terão condições para ajudar a
libertar todo o potencial nos seus alunos.
Naturalmente que este modelo também terá as suas
limitações, como todos os modelos ou propostas, pois não acreditamos em modelos
perfeitos ou acabados, uma vez que tudo pode continuamente ser melhorado.
Contudo, uma vez que esse era o objetivo desta análise, concentrámo-nos na
identificação das potencialidades do modelo e não nas suas limitações.
Concluindo, acreditamos que uma liderança que se
inspire em valores, comunique e "dirija" através de valores – que seja
capaz de mobilizar os membros da comunidade para um diálogo em torno de
valores, desenvolvendo a partir daí uma cultura própria, o seu próprio valor e
o valor em todos os membros, que os leve, inclusive, a voltarem se para os
outros e a serem "ativos" na construção de uma sociedade e de um
mundo melhores – será verdadeiramente facilitadora e inspiradora das mudanças
necessárias ao aumento da qualidade e eficácia das instituições educativas.
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___
1 "A
definição de organização assume conotações diferenciadas em função das
perspectivas organizacionais que lhe dão corpo, já que estamos em presença de
um campo de investigação plurifacetado, constituído por modelos teóricos
(teorias organizacionais) que enformam os diversos posicionamentos"
(COSTA, 1996, p. 12).
2 "O reconhecimento da importância dos processos de
liderança no funcionamento das organizações escolares continua, como referíamos
no início deste trabalho, na ordem do dia. O quadro da progressiva autonomia,
responsabilização e prestação de contas dos estabelecimentos de ensino dá novo
alento a esta questão colocando os líderes escolares no centro estratégico de
um desenvolvimento organizacional que se pretende coeso, eficaz e de
qualidade" (COSTA, 2000, p. 30). Como aponta Nóvoa (1992, p. 26), "a
coesão e a qualidade de uma escola dependem em larga medida da existência de
uma liderança organizacional efetiva e reconhecida, que promova estratégias
concertadas de atuação e estimule o empenhamento individual e coletivo na
realização dos projetos de trabalho.
3 "Por
definição, a liderança transformacional é a que produz grandes
mudanças/transformações nas organizações, alcandorando-as a níveis superiores
de desempenho e ajustando-as adaptativamente às constantes modificações da
envolvente" (REGO; CUNHA, 2004, p. 239).
4 Nesta linha, MARZANO (2005) cita Blase e Kirby, os
quais assinalam três características fundamentais de um líder favoráveis à
produção de reformas eficazes: o optimismo (dar esperança nos tempos difíceis);
a honestidade (veracidade e consistência entre palavras e ações) e a
consideração (orientação para as pessoas ou preocupação com as pessoas).
5 "Parece-nos que a escola, classificada como
organização pedagógica, assume uma identidade que vai para além da dimensão de
instrução e de ensino e mesmo do próprio conceito de educação. Nesta
perspectiva, a escola não é só uma organização democrática, mas uma organização
onde as práticas da democracia são objetivo da sua ação; não é só uma escola
justa, mas uma organização onde há uma pedagogia da justiça; não é só uma
organização aprendente (SENGE, 1990), mas um contexto onde se pratica uma
pedagogia da aprendizagem; não é só uma escola autónoma, mas, como escrevia
recentemente Lima (1999), na esteira de Paulo Freire, uma organização de
pedagogia da autonomia. Ou seja, os próprios modos de organização e os
processos de gestão não deverão apresentar-se somente enquanto meios para o
desenvolvimento da ação pedagógica, mas constituírem-se eles próprios como objetos
de ação pedagógica" (COSTA, 2000, p. 27).
6 Modelo triaxial porque se baseia em três eixos de
valores (axiologia é a ciência que estuda os valores), os quais no seu conjunto
constituem o "capital axiológico da empresa", no fundo a sua
verdadeira identidade.
7 A palavra poesia provém do grego "poiesis",
que significa gerar, desenvolver. É a partir daqui que os autores criam o
conceito de valores "poiéticos": valores "geradores de ética".
8 O conceito "eutópico" deriva da conjugação
de "eu", prefixo que exprime a ideia de bondade, e "topos"
que na raiz grega significa lugar. Empresa eutópica = lugar bom para trabalhar,
"onde as pessoas são o fim".
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