"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Currículo, tecnologia e cultura digital

Currículo, tecnologia e cultura digital:
espaços e tempos de web currículo

Maria da Graça Moreira da Silva
Maria Elizabeth B. de Almeida

Nas últimas décadas grupos de pesquisa de diferentes partes do mundo ocidental veem se dedicando ao desenvolvimento de estudos sobre tecnologias na educação, considerado como um tema da ciência, que traz em seu bojo os conceitos de pluralidade, inter-relação, abertura e intercâmbio crítico de ideias, concepções, experiências e saberes advindos de distintas áreas de conhecimento, que se integram com as tecnologias e interferem nos modos de pensar, fazer e se relacionar.
Após um período de estudos sobre porque, o que e para que utilizar tecnologias na educação, as investigações se voltaram para a concepção, gestão e avaliação dos processos de ensino e de aprendizagem que se desenvolvem mediatizados pelas tecnologias digitais. Essas investigações versam sobre o uso de tecnologias digitais de informação e comunicação – TDIC em ambientes de aprendizagem com suporte em plataformas instaladas em servidores dedicados, constituídos de ferramentas que propiciam a comunicação, a organização de conteúdos hipermidiáticos e a gestão de informações, recursos e participações, com acesso restrito viabilizado por meio de senhas.
No momento em que distintos artefatos tecnológicos começaram a entrar nos espaços educativos trazidos pelas mãos dos alunos ou pelo seu modo de pensar e agir inerente a um representante da geração digital evidenciou-se que as TDIC não mais ficariam confinadas a um espaço e tempo delimitado. Tais tecnologias passaram a fazer parte da cultura, tomando lugar nas práticas sociais e ressignificando as relações educativas ainda que nem sempre estejam presentes fisicamente nas organizações educativas. Dentre os artefatos tecnológicos típicos da atual cultura digital, com os quais os alunos interagem mesmo fora dos espaços da escola, estão os jogos eletrônicos, que instigam a imersão numa estética visual da cultura digital; as ferramentas características da Web 2.0, como as mídias sociais apresentadas em diferentes interfaces; os dispositivos móveis, como celulares e computadores portáteis, que permitem o acesso aos ambientes virtuais em diferentes espaços e tempos, dentre outros.
Com o propósito de identificar as contribuições propiciadas pelo uso das TDIC na aprendizagem e no ensino e de identificar as possibilidades de mudanças educacionais evidenciadas com a implantação de políticas públicas que viabilizaram sua inserção nas escolas ligadas a distintos sistemas de ensino, passamos a nos dedicar a investigações sobre a integração das tecnologias com o currículo. Na escola, as tecnologias não ficam apenas isoladas em laboratórios e começam, pouco a pouco, a ser integradas às atividades de sala de aula e a outros espaços da escola ou fora dela para uso de acordo com as necessidades e interesses evidenciados a qualquer momento.
Desta forma, o emprego das tecnologias na educação como coadjuvantes nos processos de ensino e aprendizagem para apoio às atividades ou, ainda, para motivação dos alunos, gradualmente dá lugar ao movimento de integração ao currículo do repertório de práticas sociais de alunos e professores típicos da cultura digital vivenciada no cotidiano (SILVA, 2010).
Nessa perspectiva, tecnologias e currículo passam a se imbricar de tal modo que as interferências mútuas levam a ressignificar o currículo e a tecnologia, e então começamos a criar um novo verbete - web currículo, cuja construção analisamos neste artigo.
Entendemos que as TDIC na educação contribuem para a mudança das práticas educativas com a criação de uma nova ambiência em sala de aula e na escola que repercute em todas as instâncias e relações envolvidas nesse processo, entre as quais as mudanças na gestão de tempos e espaços, nas relações entre ensino e aprendizagem, nos materiais de apoio pedagógico, na organização e representação das informações por meio de múltiplas linguagens.
A disseminação e uso de tecnologias digitais, marcadamente dos computadores e da internet, favoreceu o desenvolvimento de uma cultura de uso das mídias e, por conseguinte, de uma configuração social pautada num modelo digital de pensar, criar, produzir, comunicar, aprender – viver. E as tecnologias móveis e a web 2.0, principalmente, são responsáveis por grande parte dessa nova configuração social do mundo que se entrelaça com o espaço digital.
As tecnologias móveis já começam a se fazer presentes na educação, em parte com os computadores portáteis, telefones celulares ou outros dispositivos móveis, que propiciam a conexão contínua e sem fio, a constituição de redes móveis entre “pessoas e tecnologias nômades que operam em espaços físicos e não contíguos" (SANTAELLA, 2007, p.200), e a fusão das fronteiras entre espaços físicos e digitais.
O uso dessas TDIC permite estabelecer relacionamentos e conexões entre distintos contextos de práticas sociais, aninhados em diversos suportes digitais (textos, imagens, vídeos, áudios, hipertextos, representações tridimensionais...) interativos, que propiciam aos inter-atores a escolha dos elementos (nós) e caminhos a seguir, criando as próprias narrativas, ou seja, produzindo uma nova obra e tornando-se coautor da obra original (MANOVICH, 2005). Desse movimento emerge um novo significado, que integra novas e velhas mídias e formas de representação do pensamento.
Assim, a escola, que se constitui como um espaço de desenvolvimento de práticas sociais se encontra envolvida na rede e é desafiada a conviver com as transformações que as tecnologias e mídias digitais provocam na sociedade e na cultura, e que são trazidas para dentro das escolas pelos alunos, costumeiramente pouco orientados sobre a forma de se relacionar educacionalmente com esses artefatos culturais que permeiam suas práticas cotidianas. Diante dessa constatação, Wim Veen e Ben Vrakking (2009) usam, desde meados desta década, a expressão Homo Zappiens para denominar essa geração de crianças e adolescentes que "consideram a escola como um lugar de encontro com os amigos, mais do que um ambiente de aprendizagem”. (p. 47). Crianças e adolescentes nascidos após a década de 1980, que cresceram com a internet, habituaram-se a usar jogos eletrônicos, a produzir, interagir e compartilhar informações por meio de redes sociais e a utilizar dispositivos móveis, são chamados por geração Y ou, ainda geração pós-internet, e demandam a “inserção das tecnologias digitais nas práticas educativas”. (LARA; QUARTIERO, 2010) e provavelmente sentem a “não-presença destas tecnologias nos processos educativos” (idem, p.3).
O percentual de crianças entre 5 a 9 anos que se situam nessa categoria vem aumentando a passos largos, conforme resultados da pesquisa intitulada TIC Crianças 2009 (CGI.br, 2010), que identificou o percentual de 57% das crianças nessa faixa etária que já utilizaram um computador e 29% das crianças brasileiras já acessaram a internet. Segundo o mesmo estudo, “Apesar da importância da mídia na formação educacional da criança, as escolas desempenham papel secundário como local de uso da Internet“ (p.24).
O pensamento das novas gerações se desenvolve no âmago de um sistema de coprodução mediatizado pelas TDIC compondo uma ecologia cognitiva (LÉVY, 1993) na medida em que transforma a configuração da rede social ao envolver pessoas, objetos técnicos, valores, práticas, significados e pensamentos articulados em “uma rede na qual, neurônios, módulos cognitivos, humanos, instituições de ensino, línguas, sistemas de escrita, livros e computadores interconectam, transformam e traduzem as representações” (LÉVY, 1993, p.135).
A efetiva participação da escola nessa ecologia implica em promover a formação de educadores oferecendo-lhes condições de integrar criticamente as TDIC à prática pedagógica. Para tanto, é preciso que o educador possa apropriar-se da cultura digital e das propriedades intrínsecas das TDIC, “utilizá-las na própria aprendizagem e na prática pedagógica e refletir sobre por que e para que usar a tecnologia, como se dá esse uso e que contribuições ela pode trazer à aprendizagem e ao desenvolvimento do currículo” (ALMEIDA, 2010, p.68).
Além dos educadores, é preciso criar condições para que a escola como um todo tome parte da cultura digital e, portanto, se articule com a comunidade global, que se estrutura, dentre outros componentes, por meio das TDIC e mídias digitais.
Para compreender o porquê, para que, com quem, quando e como se integrar com a cultura digital por meio do uso das TDIC, é importante assumir uma posição crítica, questionadora e reflexiva diante da tecnologia, que expresse o processo de criação do ser humano, com todas as suas ambiguidades e contradições, uma vez que [...] o exercício de pensar o tempo, de pensar a técnica, de pensar o conhecimento enquanto se conhece, de pensar o quê das coisas, o para quê, o como, o em favor de quê, de quem, o contra quê, o contra quem são exigências fundamentais de uma educação democrática à altura dos desafios do nosso tempo (FREIRE, 2000, p. 102).
A formação de professores é essencial para a leitura e a posição crítica frente às tecnologias. Assim, a formação de professores para a incorporação e integração das TDIC inter-relaciona as diferentes dimensões envolvidas no seu uso, quais sejam: dimensão crítica humanizadora, tecnológica, pedagógica e didática (ALMEIDA, 2007). A dimensão crítica humanizadora do ato pedagógico representa uma opção política ancorada em valores e compromissos éticos que relacionam a teoria com a prática, a formação de educadores com o fazer pedagógico e o pensar sobre o fazer, o currículo com a experiência e com a emancipação humana. O domínio instrumental se desenvolve articulado com a prática pedagógica e com as teorias educacionais que permitem refletir criticamente sobre o uso das TDIC na educação. A dimensão tecnológica corresponde ao domínio das tecnologias e suas linguagens de tal modo que o professor explore seus recursos e funcionalidades, se familiarize com as possibilidades de interagir por meio deles e tenha autonomia para desenvolver atividades pedagógicas que incorporem as TDIC. A dimensão pedagógica se refere ao acompanhamento de processo de aprendizagem do aluno, a busca de compreender sua história e universo de conhecimentos, valores, crenças e modo de ser, estar e interagir com o mundo mediatizado pelos instrumentos culturais presentes em sua vida. A dimensão didática se refere ao conhecimento do professor em sua área de atuação e às competências relacionadas aos conhecimentos globalizantes, que são mobilizados no ato pedagógico.
Evidencia-se que o processo de formação se estrutura por meio de dinâmicas propulsoras da inter-relação entre teoria e prática, constituindo a práxis contextualizada que permite ao educador identificar a razão de ser da tecnologia e de seus usos (FREIRE, 1984) de modo a utilizá-la em favor de uma educação emancipadora, que conduza à humanização do professor. Trata-se da reeducação do olhar pedagógico do docente (Arroyo, 2000), voltada à compreensão de seu papel como sujeito participante na transformação da educação e do mundo (FREIRE, 1977) e ao reconhecimento do aluno como sujeito de conhecimento, construtor da própria história com o uso de instrumentos da cultura. A integração das TDIC ao currículo demanda, dessa forma, que os agentes da educação (professor, aluno, gestor e comunidade) façam a leitura crítica do mundo digital, o interprete e “lancem sobre ele suas palavras” (ALMEIDA, 2009). Mas “a leitura deste mundo não pode ser feita com os mesmos instrumentos de mundos passados” (idem, p. 30).
As tecnologias por si só não garantem a educação democrática, mas estar conectado, saber ler, participar do mundo digital e da rede de comunicação, são condições prévias e alimentadoras da liberdade – e por ela alimentadas (ALMEIDA, 2011). A inclusão das TDIC na educação demanda políticas públicas voltadas para a inclusão social e para a inserção da população na sociedade digital.
No entanto, ainda que nos últimos anos as iniciativas de uso das TDIC na educação tenham se constituído como uma das prioridades das políticas públicas de diferentes países e que diversos programas e projetos tenham sido executados, as análises dos impactos do uso pedagógico dessas tecnologias nas escolas evidenciam resultados diferentes. Diversos estudiosos desse tema (ALMEIDA, 2008; COSTA e VISEU, 2007; COSTA, 2004) indicam que a presença das TDIC nas escolas por si só não é garantia de resultados satisfatórios na melhoria da aprendizagem e no desenvolvimento do currículo e, muitas vezes o uso das TDIC se restringe a atividades pontuais sem uma real integração ao currículo (VALENTE; ALMEIDA, F., 1997; ALMEIDA, 2008).
De fato, relatório da Comissão Europeia (BALANSKAT; BLAMIRE; KEFALA, 2006) sobre o uso das TDIC na educação não superior identifica diferenças consideráveis nos resultados entre escolas de uma mesma região ou país. Ele recomenda que a formação de educadores para o uso pedagógico das TDIC tenha foco na escola e nas necessidades específicas de desenvolvimento pessoal e profissional contínuo dos professores, bem como em práticas pedagógicas baseadas no desenvolvimento de projetos, na resolução de problemas e na aprendizagem ativa.
É importante salientar que a formação do professor para o uso das TDIC é referência para sua prática pedagógica e assim a concepção embasadora e as práticas desenvolvidas no processo de formação se constituem como inspiração para que ele possa incorporar as TDIC ao desenvolvimento do currículo. Logo, a problemática da integração das TDIC na educação precisa levar em conta a formação de professores em articulação com o trabalho pedagógico e com o currículo, que é reconfigurado no ato pedagógico pelos modos de representação e produção de conhecimentos propiciados pelas TDIC. Evidencia-se assim a constituição de um currículo que é reconstruído por meio da web e demais propriedades inerentes às TDIC, o que denominamos de web currículo.
Integrar as TDIC com o currículo significa que essas tecnologias passam a compor o currículo, que as engloba aos seus demais componentes e assim não se trata de ter as tecnologias como um apêndice ou algo tangencial ao currículo e sim de buscar a integração transversal das competências no domínio das TDIC com o currículo, pois este é o orientador das ações de uso das tecnologias. Logo, precisamos esclarecer o que entendemos por currículo, cujo conceito é polissêmico.
As características da sociedade atual de instabilidade e mudança, a provisoriedade do conhecimento, as transformações das ciências, as mudanças na organização do trabalho e o surgimento constante de novas profissões indicam que o currículo visto como grade curricular composta de unidades de ensino predefinidas ou conjunto de prescrições não responde aos problemas atuais da educação. Concordamos com Goodson (2007) que não adianta substituir as listas de conteúdos por novas prescrições ou efetuar reformas nos métodos e diretrizes, é preciso “questionar a verdadeira validade das prescrições predeterminadas em um mundo em mudança” (p. 242), que impulsiona a construção de currículo por narrativas de aprendizagem.
Entendemos o currículo como uma construção social (Goodson, 2001) que se desenvolve na ação, em determinado tempo, lugar e contexto, com o uso de instrumentos culturais presentes nas práticas sociais (ALMEIDA; VALENTE, 2011). Com base em Dewey (1971), o desenvolvimento do currículo tem na experiência do aluno seu ponto de partida, mas não se restringe a ela, uma vez que as atividades pedagógicas têm a intenção de propiciar a aprendizagem e o desenvolvimento do aluno no sentido de avançar de um conhecimento do senso comum para o conhecimento científico (VYGOTSKY, 1989).
Nossa compreensão de currículo alinha-se com a perspectiva sociocultural no sentido proposto por Moreira (2007) que acentua a tensão existente no processo curricular entre dois focos: o conhecimento escolar e a cultura. Isto significa que o currículo envolve tanto propiciar ao aluno a compreensão de seu ambiente cotidiano como comprometer-se com sua transformação; criar condições para que o aluno possa desenvolver conhecimentos e habilidades para se inserir no mundo como atuar em sua transformação; ter acesso aos conhecimentos sistematizados e organizados pela sociedade como desenvolver a capacidade de conviver com a diversidade cultural, questionar as relações de poder, formar sua identidade e ir além de seu universo cultural.
A integração das TDIC na educação (Sánchez, 2002) pode ocorrer em três níveis: aprendizagem, uso ou integração, sendo que o 1º nível trata de aprender sobre as TDIC; o segundo se refere ao uso no âmbito de alguma atividade pedagógica, mas sem uma intencionalidade clara do que se pretende com esse uso para a aprendizagem; no 3º nível é que se enquadra o uso das TDIC integradas ao currículo com clareza das intenções pedagógicas e das contribuições que se espera para a aprendizagem, sendo as TDIC consideradas invisíveis. Nesse terceiro nível é que identificamos as possibilidades de as TDIC trazerem contribuições ao desenvolvimento do currículo na concepção que adotamos, uma vez que Integrar curricularmente las TIC´s implica necessariamente la incorporación y la articulación pedagógica de las TIC´s en el aula. Implica tambiém la apropiación delas TIC´s, el uso de las TIC´s de forma invisible, el uso situado de las TIC´s, centrando se em la tarea de aprender y no en las TIC´s... (SANCHÉZ, 2002, p.4)
Nessa perspectiva integradora compreendemos que o currículo se desenvolve com a exploração das propriedades das TDIC para a expressão do pensamento por meio da escrita, da imagem, do som e da combinação de suas múltiplas modalidades, impulsionando a comunicação, a criação de redes móveis (SANTAELLA, 2007) e a coautoria nas obras (MANOVICH, 2005). O web currículo potencializa a criação de narrativas de aprendizagem (GOODSON, 2007), o protagonismo pelo exercício da autoria, o diálogo intercultural (MOREIRA, 2007) e a colaboração entre pessoas situadas em diferentes locais e a qualquer tempo.
O desenvolvimento do web currículo propicia a articulação entre os conhecimentos do cotidiano do universo dos alunos, dos professores e da cultura digital com aqueles conhecimentos que emergem nas relações de ensino e aprendizagem e com os conhecimentos considerados socialmente válidos e sistematizados no currículo escolar (SILVA, 1995). Os registros dos processos e produções desenvolvidos pelos sujeitos do ato educativo permitem identificar o currículo real (ALMEIDA, 2010), que decorre da recriação do currículo na ação.
Desse modo, o currículo real, experienciado na prática social, incorpora conteúdos, métodos, procedimentos, experiências prévias e atividades desenvolvidas entre professor e alunos (GIMENO SACRISTAN, 1998) com a midiatização das TDIC. Portanto, imerso num ambiente cujas relações se estabelecem em grande parte por meio das tecnologias digitais, o currículo e sua estruturação não poderiam ficar apartados da prática social.
Essa ideia sobre web currículo tomou vulto e conduziu nossas discussões para distintos espaços de diálogo com pesquisadores, professores e outros profissionais, quando então identificamos a importância de ampliarmos o debate com distintas audiências em um espaço que fosse além do encontro físico, formando um entrelaçado de espaços físicos e digitais. Assim nasceu a idéia de um evento que denominamos de web currículo.
O interesse pelo web currículo se originou de discussões em disciplinas da linha de pesquisa de Novas Tecnologias em Educação, no momento em que começamos a analisar as práticas pedagógicas com o uso de tecnologias móveis em atividades nas quais os alunos do ensino básico tinham à mão a tecnologia para fazer uso sempre que esta pudesse trazer contribuições para a compreensão de um tema em discussão e esse uso incorporava os recursos da web, em especial, da Web 2.0. Os alunos e professores tinham, dessa forma, a possibilidade de uso imersivo das tecnologias, com conexão à internet e com a possibilidade de acesso móvel.
Essas situações evidenciavam que estávamos diante de novas possibilidades de integração das TDIC com o currículo a serem investigadas para identificarmos as mudanças geradas no currículo, na aprendizagem, nas relações entre professores, alunos e conhecimentos, na gestão escolar e na própria tecnologia, uma vez que nessa integração todos os elementos interatuam e se transformam mutuamente. Desde então foram realizados dois seminários e diversos encontros com participação de educadores e pesquisadores de distintos países.
No ano de 2008 foi realizado I Seminário Web Currículo cujo tema versou sobre a Integração de Tecnologias de Informação e Comunicação ao Currículo, realizado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, e concebido por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo. O evento foi o primeiro realizado especificamente para tratar de questões relacionadas com a integração de mídias e tecnologias digitais ao currículo, tendo reunido especialistas do Brasil e de outros países da América Latina e da Europa. O evento teve o objetivo de discutir investigações a respeito da integração de tecnologias em práticas educativas, identificar aquelas que privilegiem concepções inovadoras de currículo, criar um espaço de divulgação de novas ideias, concepções e propostas de formação e de trabalho em cooperação entre universidades, sistemas de ensino e setor corporativo.
Essa concepção de currículo evidenciou que um evento sobre o tema web currículo deveria trazer à participação distintas organizações que trabalham com o currículo com a mediação de múltiplas linguagens e tecnologias, tanto no âmbito dos sistemas de ensino como aquelas que desenvolvem produtos tecnológicos e oferecem serviços para a educação. Nesse sentido, diversas organizações e profissionais foram convidados a participar com a apresentação de suas experiências e produções, científicas ou tecnológicas e também com a proposição de trabalhos para as sessões de comunicação oral, apresentação de pôsteres e realização de oficinas.
No ano de 2010 foi realizado o II Seminário Web Currículo, com o apoio da CAPES, tendo apresentado e discutido resultados de investigações e experiências de integração de tecnologias à prática pedagógica e as concepções de currículo que se explicitam nessas práticas. A par disso, pretendeu identificar referências teóricas e metodológicas que pudessem guiar o desenvolvimento de modelos de inovação curricular com a integração da web.
Para compreender e vivenciar o significado do web currículo as atividades do evento, com diferentes narrativas e ambientes virtuais, foram realizadas simultaneamente em distintos espaços da PUC/SP e integradas com o meio virtual com ações utilizando web conferências, mundos virtuais digitais tridimensionais (Second Life), apresentações online (streaming de vídeo) com interações por meio da Chat, além de contar com um Blog e com o twitter (twitter.com/webcurriculo), que funcionou como espaço de cobertura do evento e como espaço de interação e construção de novas aprendizagens. O microblog@webcurriculo também foi um canal instantâneo de comunicação com pesquisadores presentes ao evento ou que o acompanhem virtualmente.
Durante o evento presencial foram realizados seminários, palestras de pesquisadores do Brasil e do exterior, mesas-redondas, exposição de pôsteres, com apresentação de trabalhos submetidos ao Comitê Científico, oficinas e relatos de práticas, buscando convidar professores com experiências desenvolvidas em escolas ou outros ambientes educativos ao debate sobre o tema.
A discussão desenvolvida durante o evento e posterior a ele, ampliou o debate sobe Web Currículo e expandiu-se, tornando-se objeto de estudos e de integração entre as linhas de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo – CED da PUC/SP, além de nortear discussões com a comunidade externa.
Conforme relatório do II seminário Web Currículo (CED-PUC/SP, 2010), dentre os temas abordados no evento, observa-se no Quadro 1 apresentado a seguir, que, no conjunto dos trabalhos inscritos há a predominância do tema tecnologia, currículo e formação de educadores, seguido pelo tema integração de mídias e tecnologias ao currículo; o terceiro tema é currículo e web 2.0. Já os temas de menor incidência foram: tecnologia, currículo e avaliação; currículo e comunicação; tecnologia, currículo e cultura.

 
Para ilustrar reflexões e práticas envolvendo a integração das tecnologias ao currículo, apresentamos alguns dos temas abordados, a partir da análise da incidência de palavras chave nas comunicações dos I e II Seminário Web currículo, conforme gráficos 1 e 2, a seguir.    

O Gráfico 1 apresenta a frequência (em porcentagem) das palavras-chave das apresentações orais no I Seminário Web Currículo. O gráfico indica que o tema Tecnologias da Informação e Comunicação (31,7%) ocupou o primeiro lugar na atribuição de palavras chave nas apresentações orais no ano de 2008. O tema Educação a Distância, por sua vez, foi mencionado em 30% das apresentações, ao passo que Formação de Professores, em 26,7% das palavras chave mencionadas e Currículo, em 20%. A incidência das palavras chave relacionadas às Tecnologias e Educação a Distância chama a atenção para os debates no ano de 2008.
A seguir, é apresentado o Gráfico 2 com as palavras chave referentes às comunicações orais apresentadas no II Seminário Web Currículo: 

O Gráfico 2 apresenta a porcentagem das palavras-chave utilizadas nas apresentações orais no II Seminário Web Currículo realizado no ano de 2010. A análise do gráfico indica que os temas Formação de Professores (23,8%), Tecnologias da Informação de Comunicação (22,2%) e Currículo (19%) apresentaram maior incidência nas palavras chave e, portanto, indicam que os trabalhos sobre formação de professores ocupam o primeiro lugar nos debates.
O tema Tecnologias, que foi o mais citado no I Seminário, deixa de ser o principal citado nas palavras chave no II Seminário e, embora com frequência significativa, se alinha mais harmonicamente com os temas Currículo e Formação de Professores.
A menor incidência de palavras chave relacionadas ao tema Tecnologias no II Web Currículo pode ser analisada, também, pela diminuição do emprego de palavras chave como Ambiente Virtual de Aprendizagem, Blog, Ferramentas de Colaboração e Tecnologias Educacionais no ano de 2010, dando lugar ao Desenho Didático e à Prática Pedagógica, mais voltados à ação docente do que ao emprego ou à análise das tecnologias propriamente ditas. 
O tema Educação a Distância (EaD), que aparece em 30% das palavras chave dos artigos no I Seminário Web Currículo no ano de 2008, no II Seminário representou 14,3% das palavras chave das apresentações. Ao passo que o tema Docência online (refere-se ao trabalho do professor em ambientes virtuais), não mencionado no I Seminário, teve a incidência de 14,3% no ano de 2010. Essa evolução pode indicar que o termo Educação a Distância passou por uma diferenciação, emergindo novas denominações, que representam os desdobramentos em funções mais específicas da atuação docente com o uso de TDIC e não exclusivamente em EaD de modo mais amplo. Isto sugere um aprofundamento na compreensão da EaD e a preocupação com o papel do docente nessa modalidade educativa.
A análise dos Gráfico 1 e Gráfico 2 indica a evolução dos debates entre os pesquisadores e a emergência da tríade: Formação de Professores –tecnologias - Currículo nos temas em estudo.
A análise dos temas tratados nos relatos de experiência no ano de 2010, por sua vez, apresenta uma instigante característica, que comentamos a seguir.


Os educadores que apresentaram suas experiências, em sua maioria, utilizaram uma combinação de mídias presentes na escola (laboratório de informática) ou no cotidiano dos alunos (câmera fotográfica, celulares etc.) para o desenvolvimento de projetos com os próprios alunos sobre temas em estudo ou temas transversais.
Observamos no Quadro 2 uma forte incidência de atividades centradas no desenvolvimento de projetos que privilegiam a autoria do aluno, o que sugere a adoção de abordagens pedagógicas em consonância com as características das TDIC com indícios da presença da cultura digital na escola. (Almeida, 2010).
Os laptops educacionais foram mencionados em relatos envolvendo atividades de autoria com alunos ou apoio ao ensino presencial. Essa utilização voltada ao desenvolvimento de projetos com foco na autoria reafirma, segundo (Manovich, 2005, que o uso dessas TDIC permite estabelecer relacionamentos e conexões entre distintos contextos de práticas sociais, aninhados em diversos suportes digitais (textos, imagens, vídeos, áudios, hipertextos, representações tridimensionais...).
Os relatos sobre as experiências voltadas à formação de professores estavam relacionados ao letramento digital dos próprios professores, o que pode indicar um processo de aprendizagem sobre as TDIC com vistas ao desenvolvimento da fluência tecnológica, aproximando-se assim do nível I de uso das TDIC, conforme identificado por Sanches (2002).
É interessante pontuar que a maior parte dos recursos tecnológicos ou ferramentas utilizadas para o trabalho com alunos e professores apresentados nos relatos referem-se ao uso de recursos não específicos para a educação, como os software educacionais, mas recursos e ferramentas de uso no dia a dia, dentro ou fora da escola, como computador, internet e software de autoria, sugerindo a criação de uma ecologia cognitiva (Lévy, 1993) com o envolvimento de tecnologias, pessoas, valores, práticas e significados, que se transformam mutuamente nas práticas desenvolvidas.
A análise das palavras chave das comunicações orais no I e II Seminários Web Currículo apontou que a tríade Tecnologias-Currículo-Formação de Professores tem tomado a cena quando objetiva o debate a respeito da integração de tecnologias em práticas educativas.
Essa análise reitera, como mencionado inicialmente neste artigo, a importância e relevância da formação de professores em articulação com o trabalho pedagógico e com o currículo, que é reconfigurado no ato pedagógico pelos modos de representação e produção de conhecimentos propiciados pelas TDIC.
Pode-se identificar, também, pela análise dos temas debatidos nos dois seminários a partir das apresentações de resultados de pesquisas e de relatos de experiências que as tecnologias estão rompendo com o isolamento em laboratórios e começam a ser integradas às atividades de sala de aula e a outros espaços da escola ou fora dela.
Corrobora-se a constituição de um currículo que é reconstruído por meio da web e demais propriedades inerentes às TDIC, o que denominamos de web currículo.
Evidencia-se, portanto, a relevância da continuidade das pesquisas sobre a constituição do web currículo na prática social de educadores e estudantes envolvidos com a construção do currículo experienciado que se desenvolve na cultura digital.


ALMEIDA, Maria Elizabeth B. de; SILVA, Maria da Graça Moreira da. Currículo, tecnologia e cultura digital
espaços e tempos de web currículo. Revista e-Curriculum, São Paulo, v. 7,n. 1, p. 1-19, abr. 2011.


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