Currículo, tecnologia e cultura
digital:
espaços e tempos de web currículo
Maria
da Graça Moreira da Silva
Maria
Elizabeth B. de Almeida
Nas últimas décadas
grupos de pesquisa de diferentes partes do mundo ocidental veem se dedicando ao
desenvolvimento de estudos sobre tecnologias na educação, considerado como um
tema da ciência, que traz em seu bojo os conceitos de pluralidade, inter-relação,
abertura e intercâmbio crítico de ideias, concepções, experiências e saberes
advindos de distintas áreas de conhecimento, que se integram com as tecnologias
e interferem nos modos de pensar, fazer e se relacionar.
Após um período de
estudos sobre porque, o que e para que utilizar tecnologias na educação, as
investigações se voltaram para a concepção, gestão e avaliação dos processos de
ensino e de aprendizagem que se desenvolvem mediatizados pelas tecnologias digitais.
Essas investigações versam sobre o uso de tecnologias digitais de informação e
comunicação – TDIC em ambientes de aprendizagem com suporte em plataformas
instaladas em servidores dedicados, constituídos de ferramentas que propiciam a
comunicação, a organização de conteúdos hipermidiáticos e a gestão de
informações, recursos e participações, com acesso restrito viabilizado por meio
de senhas.
No momento em que
distintos artefatos tecnológicos começaram a entrar nos espaços educativos
trazidos pelas mãos dos alunos ou pelo seu modo de pensar e agir inerente a um
representante da geração digital evidenciou-se que as TDIC não mais ficariam
confinadas a um espaço e tempo delimitado. Tais tecnologias passaram a fazer
parte da cultura, tomando lugar nas práticas sociais e ressignificando as
relações educativas ainda que nem sempre estejam presentes fisicamente nas
organizações educativas. Dentre os artefatos tecnológicos típicos da atual
cultura digital, com os quais os alunos interagem mesmo fora dos espaços da
escola, estão os jogos eletrônicos, que instigam a imersão numa estética visual
da cultura digital; as ferramentas características da Web 2.0, como as mídias
sociais apresentadas em diferentes interfaces; os dispositivos móveis, como
celulares e computadores portáteis, que permitem o acesso aos ambientes
virtuais em diferentes espaços e tempos, dentre outros.
Com o propósito de
identificar as contribuições propiciadas pelo uso das TDIC na aprendizagem e no
ensino e de identificar as possibilidades de mudanças educacionais evidenciadas
com a implantação de políticas públicas que viabilizaram sua inserção nas
escolas ligadas a distintos sistemas de ensino, passamos a nos dedicar a
investigações sobre a integração das tecnologias com o currículo. Na escola, as
tecnologias não ficam apenas isoladas em laboratórios e começam, pouco a pouco,
a ser integradas às atividades de sala de aula e a outros espaços da escola ou
fora dela para uso de acordo com as necessidades e interesses evidenciados a
qualquer momento.
Desta forma, o
emprego das tecnologias na educação como coadjuvantes nos processos de ensino e
aprendizagem para apoio às atividades ou, ainda, para motivação dos alunos,
gradualmente dá lugar ao movimento de integração ao currículo do repertório de
práticas sociais de alunos e professores típicos da cultura digital vivenciada
no cotidiano (SILVA, 2010).
Nessa perspectiva,
tecnologias e currículo passam a se imbricar de tal modo que as interferências
mútuas levam a ressignificar o currículo e a tecnologia, e então começamos a
criar um novo verbete - web currículo, cuja construção analisamos neste artigo.
Entendemos que as
TDIC na educação contribuem para a mudança das práticas educativas com a
criação de uma nova ambiência em sala de aula e na escola que repercute em
todas as instâncias e relações envolvidas nesse processo, entre as quais as
mudanças na gestão de tempos e espaços, nas relações entre ensino e
aprendizagem, nos materiais de apoio pedagógico, na organização e representação
das informações por meio de múltiplas linguagens.
A disseminação e
uso de tecnologias digitais, marcadamente dos computadores e da internet,
favoreceu o desenvolvimento de uma cultura de uso das mídias e, por
conseguinte, de uma configuração social pautada num modelo digital de pensar,
criar, produzir, comunicar, aprender – viver. E as tecnologias móveis e a web
2.0, principalmente, são responsáveis por grande parte dessa nova configuração
social do mundo que se entrelaça com o espaço digital.
As tecnologias
móveis já começam a se fazer presentes na educação, em parte com os
computadores portáteis, telefones celulares ou outros dispositivos móveis, que
propiciam a conexão contínua e sem fio, a constituição de redes móveis entre
“pessoas e tecnologias nômades que operam em espaços físicos e não
contíguos" (SANTAELLA, 2007, p.200), e a fusão das fronteiras entre
espaços físicos e digitais.
O uso dessas TDIC
permite estabelecer relacionamentos e conexões entre distintos contextos de
práticas sociais, aninhados em diversos suportes digitais (textos, imagens,
vídeos, áudios, hipertextos, representações tridimensionais...) interativos,
que propiciam aos inter-atores a escolha dos elementos (nós) e caminhos a
seguir, criando as próprias narrativas, ou seja, produzindo uma nova obra e
tornando-se coautor da obra original (MANOVICH, 2005). Desse movimento emerge
um novo significado, que integra novas e velhas mídias e formas de
representação do pensamento.
Assim, a escola,
que se constitui como um espaço de desenvolvimento de práticas sociais se
encontra envolvida na rede e é desafiada a conviver com as transformações que
as tecnologias e mídias digitais provocam na sociedade e na cultura, e que são
trazidas para dentro das escolas pelos alunos, costumeiramente pouco orientados
sobre a forma de se relacionar educacionalmente com esses artefatos culturais
que permeiam suas práticas cotidianas. Diante dessa constatação, Wim Veen e Ben
Vrakking (2009) usam, desde meados desta década, a expressão Homo Zappiens para
denominar essa geração de crianças e adolescentes que "consideram a escola
como um lugar de encontro com os amigos, mais do que um ambiente de aprendizagem”.
(p. 47). Crianças e adolescentes nascidos após a década de 1980, que cresceram
com a internet, habituaram-se a usar jogos eletrônicos, a produzir, interagir e
compartilhar informações por meio de redes sociais e a utilizar dispositivos
móveis, são chamados por geração Y ou, ainda geração pós-internet, e demandam a
“inserção das tecnologias digitais nas práticas educativas”. (LARA; QUARTIERO,
2010) e provavelmente sentem a “não-presença destas tecnologias nos processos
educativos” (idem, p.3).
O percentual de
crianças entre 5 a 9 anos que se situam nessa categoria vem aumentando a passos
largos, conforme resultados da pesquisa intitulada TIC Crianças 2009 (CGI.br,
2010), que identificou o percentual de 57% das crianças nessa faixa etária que
já utilizaram um computador e 29% das crianças brasileiras já acessaram a
internet. Segundo o mesmo estudo, “Apesar da importância da mídia na formação
educacional da criança, as escolas desempenham papel secundário como local de
uso da Internet“ (p.24).
O pensamento das
novas gerações se desenvolve no âmago de um sistema de coprodução mediatizado
pelas TDIC compondo uma ecologia cognitiva (LÉVY, 1993) na medida em que
transforma a configuração da rede social ao envolver pessoas, objetos técnicos,
valores, práticas, significados e pensamentos articulados em “uma rede na qual,
neurônios, módulos cognitivos, humanos, instituições de ensino, línguas,
sistemas de escrita, livros e computadores interconectam, transformam e
traduzem as representações” (LÉVY, 1993, p.135).
A efetiva
participação da escola nessa ecologia implica em promover a formação de
educadores oferecendo-lhes condições de integrar criticamente as TDIC à prática
pedagógica. Para tanto, é preciso que o educador possa apropriar-se da cultura
digital e das propriedades intrínsecas das TDIC, “utilizá-las na própria
aprendizagem e na prática pedagógica e refletir sobre por que e para que usar a
tecnologia, como se dá esse uso e que contribuições ela pode trazer à
aprendizagem e ao desenvolvimento do currículo” (ALMEIDA, 2010, p.68).
Além dos
educadores, é preciso criar condições para que a escola como um todo tome parte
da cultura digital e, portanto, se articule com a comunidade global, que se
estrutura, dentre outros componentes, por meio das TDIC e mídias digitais.
Para compreender o
porquê, para que, com quem, quando e como se integrar com a cultura digital por
meio do uso das TDIC, é importante assumir uma posição crítica, questionadora e
reflexiva diante da tecnologia, que expresse o processo de criação do ser
humano, com todas as suas ambiguidades e contradições, uma vez que [...] o exercício de pensar o tempo,
de pensar a técnica, de pensar o conhecimento enquanto se conhece, de pensar o
quê das coisas, o para quê, o como, o em favor de quê, de quem, o contra quê, o
contra quem são exigências fundamentais de uma educação democrática à altura
dos desafios do nosso tempo (FREIRE, 2000, p. 102).
A formação de
professores é essencial para a leitura e a posição crítica frente às
tecnologias. Assim, a formação de professores para a incorporação e integração
das TDIC inter-relaciona as diferentes dimensões envolvidas no seu uso, quais
sejam: dimensão crítica humanizadora, tecnológica, pedagógica e didática
(ALMEIDA, 2007). A dimensão crítica humanizadora do ato pedagógico representa
uma opção política ancorada em valores e compromissos éticos que relacionam a
teoria com a prática, a formação de educadores com o fazer pedagógico e o
pensar sobre o fazer, o currículo com a experiência e com a emancipação humana.
O domínio instrumental se desenvolve articulado com a prática pedagógica e com
as teorias educacionais que permitem refletir criticamente sobre o uso das TDIC
na educação. A dimensão tecnológica corresponde ao domínio das tecnologias e
suas linguagens de tal modo que o professor explore seus recursos e
funcionalidades, se familiarize com as possibilidades de interagir por meio
deles e tenha autonomia para desenvolver atividades pedagógicas que incorporem
as TDIC. A dimensão pedagógica se refere ao acompanhamento de processo de
aprendizagem do aluno, a busca de compreender sua história e universo de
conhecimentos, valores, crenças e modo de ser, estar e interagir com o mundo
mediatizado pelos instrumentos culturais presentes em sua vida. A dimensão didática
se refere ao conhecimento do professor em sua área de atuação e às competências
relacionadas aos conhecimentos globalizantes, que são mobilizados no ato
pedagógico.
Evidencia-se que o
processo de formação se estrutura por meio de dinâmicas propulsoras da
inter-relação entre teoria e prática, constituindo a práxis contextualizada que
permite ao educador identificar a razão de ser da tecnologia e de seus usos
(FREIRE, 1984) de modo a utilizá-la em favor de uma educação emancipadora, que
conduza à humanização do professor. Trata-se da reeducação do olhar pedagógico
do docente (Arroyo, 2000), voltada à compreensão de seu papel como sujeito
participante na transformação da educação e do mundo (FREIRE, 1977) e ao
reconhecimento do aluno como sujeito de conhecimento, construtor da própria
história com o uso de instrumentos da cultura. A integração das TDIC ao
currículo demanda, dessa forma, que os agentes da educação (professor, aluno,
gestor e comunidade) façam a leitura crítica do mundo digital, o interprete e
“lancem sobre ele suas palavras” (ALMEIDA, 2009). Mas “a leitura deste mundo
não pode ser feita com os mesmos instrumentos de mundos passados” (idem, p.
30).
As tecnologias por
si só não garantem a educação democrática, mas estar conectado, saber ler, participar
do mundo digital e da rede de comunicação, são condições prévias e
alimentadoras da liberdade – e por ela alimentadas (ALMEIDA, 2011). A inclusão
das TDIC na educação demanda políticas públicas voltadas para a inclusão social
e para a inserção da população na sociedade digital.
No entanto, ainda
que nos últimos anos as iniciativas de uso das TDIC na educação tenham se
constituído como uma das prioridades das políticas públicas de diferentes
países e que diversos programas e projetos tenham sido executados, as análises
dos impactos do uso pedagógico dessas tecnologias nas escolas evidenciam
resultados diferentes. Diversos estudiosos desse tema (ALMEIDA, 2008; COSTA e
VISEU, 2007; COSTA, 2004) indicam que a presença das TDIC nas escolas por si só
não é garantia de resultados satisfatórios na melhoria da aprendizagem e no
desenvolvimento do currículo e, muitas vezes o uso das TDIC se restringe a
atividades pontuais sem uma real integração ao currículo (VALENTE; ALMEIDA, F.,
1997; ALMEIDA, 2008).
De fato, relatório
da Comissão Europeia (BALANSKAT; BLAMIRE; KEFALA, 2006) sobre o uso das TDIC na
educação não superior identifica diferenças consideráveis nos resultados entre
escolas de uma mesma região ou país. Ele recomenda que a formação de educadores
para o uso pedagógico das TDIC tenha foco na escola e nas necessidades
específicas de desenvolvimento pessoal e profissional contínuo dos professores,
bem como em práticas pedagógicas baseadas no desenvolvimento de projetos, na
resolução de problemas e na aprendizagem ativa.
É importante
salientar que a formação do professor para o uso das TDIC é referência para sua
prática pedagógica e assim a concepção embasadora e as práticas desenvolvidas
no processo de formação se constituem como inspiração para que ele possa
incorporar as TDIC ao desenvolvimento do currículo. Logo, a problemática da
integração das TDIC na educação precisa levar em conta a formação de
professores em articulação com o trabalho pedagógico e com o currículo, que é
reconfigurado no ato pedagógico pelos modos de representação e produção de
conhecimentos propiciados pelas TDIC. Evidencia-se assim a constituição de um
currículo que é reconstruído por meio da web e demais propriedades inerentes às
TDIC, o que denominamos de web currículo.
Integrar as TDIC
com o currículo significa que essas tecnologias passam a compor o currículo,
que as engloba aos seus demais componentes e assim não se trata de ter as
tecnologias como um apêndice ou algo tangencial ao currículo e sim de buscar a
integração transversal das competências no domínio das TDIC com o currículo,
pois este é o orientador das ações de uso das tecnologias. Logo, precisamos
esclarecer o que entendemos por currículo, cujo conceito é polissêmico.
As características
da sociedade atual de instabilidade e mudança, a provisoriedade do
conhecimento, as transformações das ciências, as mudanças na organização do
trabalho e o surgimento constante de novas profissões indicam que o currículo
visto como grade curricular composta de unidades de ensino predefinidas ou
conjunto de prescrições não responde aos problemas atuais da educação.
Concordamos com Goodson (2007) que não adianta substituir as listas de
conteúdos por novas prescrições ou efetuar reformas nos métodos e diretrizes, é
preciso “questionar a verdadeira validade das prescrições predeterminadas em um
mundo em mudança” (p. 242), que impulsiona a construção de currículo por
narrativas de aprendizagem.
Entendemos o
currículo como uma construção social (Goodson, 2001) que se desenvolve na ação,
em determinado tempo, lugar e contexto, com o uso de instrumentos culturais
presentes nas práticas sociais (ALMEIDA; VALENTE, 2011). Com base em Dewey
(1971), o desenvolvimento do currículo tem na experiência do aluno seu ponto de
partida, mas não se restringe a ela, uma vez que as atividades pedagógicas têm
a intenção de propiciar a aprendizagem e o desenvolvimento do aluno no sentido
de avançar de um conhecimento do senso comum para o conhecimento científico
(VYGOTSKY, 1989).
Nossa compreensão
de currículo alinha-se com a perspectiva sociocultural no sentido proposto por
Moreira (2007) que acentua a tensão existente no processo curricular entre dois
focos: o conhecimento escolar e a cultura. Isto significa que o currículo
envolve tanto propiciar ao aluno a compreensão de seu ambiente cotidiano como
comprometer-se com sua transformação; criar condições para que o aluno possa
desenvolver conhecimentos e habilidades para se inserir no mundo como atuar em
sua transformação; ter acesso aos conhecimentos sistematizados e organizados
pela sociedade como desenvolver a capacidade de conviver com a diversidade
cultural, questionar as relações de poder, formar sua identidade e ir além de
seu universo cultural.
A integração das
TDIC na educação (Sánchez, 2002) pode ocorrer em três níveis: aprendizagem, uso
ou integração, sendo que o 1º nível trata de aprender sobre as TDIC; o segundo
se refere ao uso no âmbito de alguma atividade pedagógica, mas sem uma
intencionalidade clara do que se pretende com esse uso para a aprendizagem; no
3º nível é que se enquadra o uso das TDIC integradas ao currículo com clareza
das intenções pedagógicas e das contribuições que se espera para a
aprendizagem, sendo as TDIC consideradas invisíveis. Nesse terceiro nível é que
identificamos as possibilidades de as TDIC trazerem contribuições ao
desenvolvimento do currículo na concepção que adotamos, uma vez que Integrar curricularmente las TIC´s
implica necessariamente la incorporación y la articulación pedagógica de las
TIC´s en el aula. Implica tambiém la apropiación delas TIC´s, el uso de las
TIC´s de forma invisible, el uso situado de las TIC´s, centrando se em la tarea
de aprender y no en las TIC´s... (SANCHÉZ, 2002, p.4)
Nessa perspectiva
integradora compreendemos que o currículo se desenvolve com a exploração das
propriedades das TDIC para a expressão do pensamento por meio da escrita, da
imagem, do som e da combinação de suas múltiplas modalidades, impulsionando a
comunicação, a criação de redes móveis (SANTAELLA, 2007) e a coautoria nas
obras (MANOVICH, 2005). O web currículo potencializa a criação de narrativas de
aprendizagem (GOODSON, 2007), o protagonismo pelo exercício da autoria, o
diálogo intercultural (MOREIRA, 2007) e a colaboração entre pessoas situadas em
diferentes locais e a qualquer tempo.
O desenvolvimento
do web currículo propicia a articulação entre os conhecimentos do cotidiano do
universo dos alunos, dos professores e da cultura digital com aqueles
conhecimentos que emergem nas relações de ensino e aprendizagem e com os
conhecimentos considerados socialmente válidos e sistematizados no currículo
escolar (SILVA, 1995). Os registros dos processos e produções desenvolvidos
pelos sujeitos do ato educativo permitem identificar o currículo real (ALMEIDA,
2010), que decorre da recriação do currículo na ação.
Desse modo, o
currículo real, experienciado na prática social, incorpora conteúdos, métodos,
procedimentos, experiências prévias e atividades desenvolvidas entre professor
e alunos (GIMENO SACRISTAN, 1998) com a midiatização das TDIC. Portanto, imerso
num ambiente cujas relações se estabelecem em grande parte por meio das
tecnologias digitais, o currículo e sua estruturação não poderiam ficar
apartados da prática social.
Essa ideia sobre
web currículo tomou vulto e conduziu nossas discussões para distintos espaços
de diálogo com pesquisadores, professores e outros profissionais, quando então
identificamos a importância de ampliarmos o debate com distintas audiências em
um espaço que fosse além do encontro físico, formando um entrelaçado de espaços
físicos e digitais. Assim nasceu a idéia de um evento que denominamos de web
currículo.
O interesse pelo
web currículo se originou de discussões em disciplinas da linha de pesquisa de
Novas Tecnologias em Educação, no momento em que começamos a analisar as
práticas pedagógicas com o uso de tecnologias móveis em atividades nas quais os
alunos do ensino básico tinham à mão a tecnologia para fazer uso sempre que
esta pudesse trazer contribuições para a compreensão de um tema em discussão e
esse uso incorporava os recursos da web, em especial, da Web 2.0. Os alunos e
professores tinham, dessa forma, a possibilidade de uso imersivo das
tecnologias, com conexão à internet e com a possibilidade de acesso móvel.
Essas situações
evidenciavam que estávamos diante de novas possibilidades de integração das
TDIC com o currículo a serem investigadas para identificarmos as mudanças
geradas no currículo, na aprendizagem, nas relações entre professores, alunos e
conhecimentos, na gestão escolar e na própria tecnologia, uma vez que nessa
integração todos os elementos interatuam e se transformam mutuamente. Desde
então foram realizados dois seminários e diversos encontros com participação de
educadores e pesquisadores de distintos países.
No ano de 2008 foi
realizado I Seminário Web Currículo cujo tema versou sobre a Integração de
Tecnologias de Informação e Comunicação ao Currículo, realizado pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, e concebido por pesquisadores do
Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo. O evento foi o primeiro
realizado especificamente para tratar de questões relacionadas com a integração
de mídias e tecnologias digitais ao currículo, tendo reunido especialistas do
Brasil e de outros países da América Latina e da Europa. O evento teve o objetivo
de discutir investigações a respeito da integração de tecnologias em práticas
educativas, identificar aquelas que privilegiem concepções inovadoras de
currículo, criar um espaço de divulgação de novas ideias, concepções e
propostas de formação e de trabalho em cooperação entre universidades, sistemas
de ensino e setor corporativo.
Essa concepção de
currículo evidenciou que um evento sobre o tema web currículo deveria trazer à
participação distintas organizações que trabalham com o currículo com a mediação
de múltiplas linguagens e tecnologias, tanto no âmbito dos sistemas de ensino
como aquelas que desenvolvem produtos tecnológicos e oferecem serviços para a
educação. Nesse sentido, diversas organizações e profissionais foram convidados
a participar com a apresentação de suas experiências e produções, científicas
ou tecnológicas e também com a proposição de trabalhos para as sessões de
comunicação oral, apresentação de pôsteres e realização de oficinas.
No ano de 2010 foi
realizado o II Seminário Web Currículo, com o apoio da CAPES, tendo apresentado
e discutido resultados de investigações e experiências de integração de
tecnologias à prática pedagógica e as concepções de currículo que se explicitam
nessas práticas. A par disso, pretendeu identificar referências teóricas e
metodológicas que pudessem guiar o desenvolvimento de modelos de inovação
curricular com a integração da web.
Para compreender e
vivenciar o significado do web currículo as atividades do evento, com
diferentes narrativas e ambientes virtuais, foram realizadas simultaneamente em
distintos espaços da PUC/SP e integradas com o meio virtual com ações
utilizando web conferências, mundos virtuais digitais tridimensionais (Second
Life), apresentações online (streaming de vídeo) com interações por meio da
Chat, além de contar com um Blog e com o twitter (twitter.com/webcurriculo),
que funcionou como espaço de cobertura do evento e como espaço de interação e
construção de novas aprendizagens. O microblog@webcurriculo também foi um canal
instantâneo de comunicação com pesquisadores presentes ao evento ou que o
acompanhem virtualmente.
Durante o evento
presencial foram realizados seminários, palestras de pesquisadores do Brasil e
do exterior, mesas-redondas, exposição de pôsteres, com apresentação de trabalhos
submetidos ao Comitê Científico, oficinas e relatos de práticas, buscando
convidar professores com experiências desenvolvidas em escolas ou outros
ambientes educativos ao debate sobre o tema.
A discussão
desenvolvida durante o evento e posterior a ele, ampliou o debate sobe Web
Currículo e expandiu-se, tornando-se objeto de estudos e de integração entre as
linhas de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo – CED da
PUC/SP, além de nortear discussões com a comunidade externa.
Conforme relatório
do II seminário Web Currículo (CED-PUC/SP, 2010), dentre os temas abordados no
evento, observa-se no Quadro 1 apresentado a seguir, que, no conjunto dos
trabalhos inscritos há a predominância do tema tecnologia, currículo e formação
de educadores, seguido pelo tema integração de mídias e tecnologias ao
currículo; o terceiro tema é currículo e web 2.0. Já os temas de menor
incidência foram: tecnologia, currículo e avaliação; currículo e comunicação;
tecnologia, currículo e cultura.
Para ilustrar reflexões e práticas envolvendo a integração das
tecnologias ao currículo, apresentamos alguns dos temas abordados, a partir da
análise da incidência de palavras chave nas comunicações dos I e II Seminário
Web currículo, conforme gráficos 1 e 2, a seguir.
O Gráfico 1
apresenta a frequência (em porcentagem) das palavras-chave das apresentações
orais no I Seminário Web Currículo. O gráfico indica que o tema Tecnologias da
Informação e Comunicação (31,7%) ocupou o primeiro lugar na atribuição de
palavras chave nas apresentações orais no ano de 2008. O tema Educação a
Distância, por sua vez, foi mencionado em 30% das apresentações, ao passo que
Formação de Professores, em 26,7% das palavras chave mencionadas e Currículo,
em 20%. A incidência das palavras chave relacionadas às Tecnologias e Educação
a Distância chama a atenção para os debates no ano de 2008.
A seguir, é
apresentado o Gráfico 2 com as palavras chave referentes às comunicações orais
apresentadas no II Seminário Web Currículo:
O Gráfico 2
apresenta a porcentagem das palavras-chave utilizadas nas apresentações orais
no II Seminário Web Currículo realizado no ano de 2010. A análise do gráfico
indica que os temas Formação de Professores (23,8%), Tecnologias da Informação
de Comunicação (22,2%) e Currículo (19%) apresentaram maior incidência nas
palavras chave e, portanto, indicam que os trabalhos sobre formação de
professores ocupam o primeiro lugar nos debates.
O tema Tecnologias,
que foi o mais citado no I Seminário, deixa de ser o principal citado nas
palavras chave no II Seminário e, embora com frequência significativa, se
alinha mais harmonicamente com os temas Currículo e Formação de Professores.
A menor incidência
de palavras chave relacionadas ao tema Tecnologias no II Web Currículo pode ser
analisada, também, pela diminuição do emprego de palavras chave como Ambiente
Virtual de Aprendizagem, Blog, Ferramentas de Colaboração e Tecnologias
Educacionais no ano de 2010, dando lugar ao Desenho Didático e à Prática
Pedagógica, mais voltados à ação docente do que ao emprego ou à análise das
tecnologias propriamente ditas.
O tema Educação a
Distância (EaD), que aparece em 30% das palavras chave dos artigos no I
Seminário Web Currículo no ano de 2008, no II Seminário representou 14,3% das
palavras chave das apresentações. Ao passo que o tema Docência online
(refere-se ao trabalho do professor em ambientes virtuais), não mencionado no I
Seminário, teve a incidência de 14,3% no ano de 2010. Essa evolução pode
indicar que o termo Educação a Distância passou por uma diferenciação,
emergindo novas denominações, que representam os desdobramentos em funções mais
específicas da atuação docente com o uso de TDIC e não exclusivamente em EaD de
modo mais amplo. Isto sugere um aprofundamento na compreensão da EaD e a
preocupação com o papel do docente nessa modalidade educativa.
A análise dos
Gráfico 1 e Gráfico 2 indica a evolução dos debates entre os pesquisadores e a
emergência da tríade: Formação de Professores –tecnologias - Currículo nos
temas em estudo.
A análise dos temas
tratados nos relatos de experiência no ano de 2010, por sua vez, apresenta uma
instigante característica, que comentamos a seguir.
Os educadores que
apresentaram suas experiências, em sua maioria, utilizaram uma combinação de
mídias presentes na escola (laboratório de informática) ou no cotidiano dos
alunos (câmera fotográfica, celulares etc.) para o desenvolvimento de projetos
com os próprios alunos sobre temas em estudo ou temas transversais.
Observamos no
Quadro 2 uma forte incidência de atividades centradas no desenvolvimento de
projetos que privilegiam a autoria do aluno, o que sugere a adoção de
abordagens pedagógicas em consonância com as características das TDIC com
indícios da presença da cultura digital na escola. (Almeida, 2010).
Os laptops
educacionais foram mencionados em relatos envolvendo atividades de autoria com
alunos ou apoio ao ensino presencial. Essa utilização voltada ao
desenvolvimento de projetos com foco na autoria reafirma, segundo (Manovich,
2005, que o uso dessas TDIC permite estabelecer relacionamentos e conexões
entre distintos contextos de práticas sociais, aninhados em diversos suportes
digitais (textos, imagens, vídeos, áudios, hipertextos, representações
tridimensionais...).
Os relatos sobre as
experiências voltadas à formação de professores estavam relacionados ao
letramento digital dos próprios professores, o que pode indicar um processo de
aprendizagem sobre as TDIC com vistas ao desenvolvimento da fluência
tecnológica, aproximando-se assim do nível I de uso das TDIC, conforme
identificado por Sanches (2002).
É interessante
pontuar que a maior parte dos recursos tecnológicos ou ferramentas utilizadas
para o trabalho com alunos e professores apresentados nos relatos referem-se ao
uso de recursos não específicos para a educação, como os software educacionais,
mas recursos e ferramentas de uso no dia a dia, dentro ou fora da escola, como
computador, internet e software de autoria, sugerindo a criação de uma ecologia
cognitiva (Lévy, 1993) com o envolvimento de tecnologias, pessoas, valores,
práticas e significados, que se transformam mutuamente nas práticas
desenvolvidas.
A análise das
palavras chave das comunicações orais no I e II Seminários Web Currículo
apontou que a tríade Tecnologias-Currículo-Formação de Professores tem tomado a
cena quando objetiva o debate a respeito da integração de tecnologias em
práticas educativas.
Essa análise
reitera, como mencionado inicialmente neste artigo, a importância e relevância
da formação de professores em articulação com o trabalho pedagógico e com o
currículo, que é reconfigurado no ato pedagógico pelos modos de representação e
produção de conhecimentos propiciados pelas TDIC.
Pode-se
identificar, também, pela análise dos temas debatidos nos dois seminários a
partir das apresentações de resultados de pesquisas e de relatos de
experiências que as tecnologias estão rompendo com o isolamento em laboratórios
e começam a ser integradas às atividades de sala de aula e a outros espaços da
escola ou fora dela.
Corrobora-se a
constituição de um currículo que é reconstruído por meio da web e demais
propriedades inerentes às TDIC, o que denominamos de web currículo.
Evidencia-se,
portanto, a relevância da continuidade das pesquisas sobre a constituição do
web currículo na prática social de educadores e estudantes envolvidos com a
construção do currículo experienciado que se desenvolve na cultura digital.
ALMEIDA,
Maria Elizabeth B. de; SILVA, Maria da Graça Moreira da. Currículo,
tecnologia e cultura digital:
espaços e tempos de web currículo.
Revista e-Curriculum, São Paulo, v. 7,n. 1, p. 1-19, abr. 2011.
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