Trocando em miúdos, você deve ter notado que Chico Buarque escreveu “o meu pai”, depois “meu avô”, “o meu bisavô” e, por fim, “meu tataravô”. Por que essa alternância? Isso é correto?
Quem já estudou inglês deve lembrar-se de uma armadilha que os professores preparam para os novatos. Pede-se a tradução de uma frase bem simples, como “O meu carro é vermelho”. É normal que o aluno traduza palavra por palavra e monte algo que em inglês não existe: “The my car is red”.
“The” é artigo, e “my” é possessivo. Em inglês, não se usa artigo antes de possessivo. A frase inglesa é “My car is red”.
E em português? A história é outra. Antes de possessivos, o artigo não é proibido, nem obrigatório. É facultativo. Frases como “Gosto de suas músicas” e “Gosto das suas músicas” São absolutamente corretas e equivalentes.
Conclui-se que gramaticalmente Chico Buarque acertou nos quatro versos. Teria acertado também se tivesse empregado o artigo nos quatro versos, ou em nenhum. Na verdade, por uma questão de paralelismo, de simetria, teria sido melhor adotar procedimento uniforme, não houvesse por trás de tudo isso uma razão maior.
Essa razão é explicada na letra da canção, em versos que dizem: “Foi Antônio Brasileiro/quem soprou esta toada/Que cobri de redondilhas/Pra seguir minha jornada”. A palavra-chave é “redondilha”, verso de cinco ou sete sílabas poéticas. Com cinco sílabas poéticas, a redondilha é menor; com sete, é maior.
Vamos contar as sílabas do primeiro verso: “O/meu/pai/e/ra/pau/lis/ta”. Quantas são? Oito, não? Não, são sete, porque só se conta até a última sílaba tônica do verso. Nesse verso, a última sílaba tônica é “lis”.
Vamos contar as sílabas do segundo verso: “Meu/a/vô/per/nam/bu/ca/no”. Oito? Não, sete. A última tônica é “ca”.
Vamos ao terceiro: “O/meu/bi/sa/vô/mi/nei/ro”. Oito? Sete. Conte até “nei”, última sílaba tônica do verso.
Por fim, o quarto verso: “Meu/ta/ta/ra/vô/bai/a/no”. De novo, sete. Conta-se até “a”, sílaba tônica de “baiano”, última palavra do verso. Se Chico Buarque tivesse empregado o artigo no segundo e no quarto versos, ou se tivesse deixado de empregá-lo no primeiro e no terceiro, a métrica teria sofrido alteração, e simplesmente não haveria redondilhas.
Você sabe quem é o Antônio Brasileiro citado na letra? É simplesmente Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, o querido Tom Jobim, mestre dos mestres. É claro que Chico não ousaria usar em vão o nome do mestre. A toada toda é coberta de redondilhas. Evoé, Tom Jobim. Evoé, Chico Buarque.
Pasquale Cipro Neto
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