"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

sábado, 25 de maio de 2019

O semeador e a educação moderna

O semeador da Galileia superando métodos da educação moderna

Há duas maneiras de se fazer uma fogueira: com as sementes ou com um punhado de lenha. Qual maneira você escolheria? Fazer fogueira com uma semente parece um absurdo, loucura. Todos, certamente, escolheríamos a lenha. Entretanto, o mestre de Nazaré pensava a longo prazo, por isso sempre escolhia as sementes. Ele as plantava, esperava que as árvores crescessem, dessem milhares de outras sementes e, aí sim, fornecessem a lenha para a fogueira.
Se escolhesse a lenha, acenderia a fogueira apenas uma vez, mas como preferia as sementes, a fogueira que acendia nunca mais se apagava. Um dia ele comparou a si mesmo a um semeador que semeia no coração dos homens. Um semeador do amor, da paz, da segurança, da liberdade, do prazer de viver, da dependência recíproca.
Quem não consegue enxergar o poder contido em uma semente nunca mudará o mundo que o envolve, nunca influenciará o ambiente social e profissional que o cerca. Uma mudança de cultura só será legítima e consistente se ocorrer por intermédio das singelas e ocultas sementes plantadas na mente dos homens e não por intermédio da imposição de pensamentos.
Gostamos das labaredas instantâneas do fogo, das ideias-relâmpagos dos livros de autoajuda, mas não temos paciência e, às vezes, habilidade para semear. Um semeador nunca é um imediatista, presta mais atenção nas raízes do que nas folhagens. Vive a paciência como uma arte. Os pais, os educadores, os psicólogos, os profissionais de recursos humanos só conseguirão realizar um belo e digno trabalho se aprenderem a ser mais do que provedores de regras e de informações, mas simples semeadores.
Os homens que mais contribuíram com a ciência e com o desenvolvimento social foram aqueles que menos se preocuparam com os resultados imediatos. Uns preferem as labaredas dos aplausos e do sucesso instantâneo, outros preferem o trabalho anônimo e insidioso das sementes. O que preferimos? De nossa escolha dependerá a nossa colheita.
Cristo sabia que logo iria morrer, mas, ainda assim, não era apressado, agia como um inteligente semeador. Não queria transformar seus discípulos em heróis e nem exigia deles o que não podiam lhe dar; por isso, permitiu-lhes que o abandonassem no momento em que foi preso. As sementes que ele plantava dentro dos galileus incultos que o seguiam um dia germinariam. Tinha esperança de que elas criariam raízes no cerne do espírito e da mente deles e mudariam para sempre suas histórias.
Essas sementes, uma vez desenvolvidas, tornariam aqueles homens capazes de mudar a face do mundo. É incrível, mas este fato ocorreu. Eles incendiaram o mundo com os pensamentos e propósitos do carpinteiro da Galileia. Que sabedoria se escondia no cerne da inteligência de Cristo!
Nietzsche disse há um século uma famosa e ousadíssima frase: “Deus está morto”. Ele expressava o pensamento dos intelectuais da época, que acreditavam que a ciência resolveria todas as misérias humanas e, por fim, destruiria a fé. Provavelmente este intrépido filósofo achasse que um dia a procura por Deus seria apenas lembrada como objeto de museus e dos livros de história.
Os filósofos ateus morreram e hoje são esquecidos ou pouco lembrados, mas aquele afetivo e simples carpinteiro continua cada vez mais vivo dentro dos homens. Nada conseguiu apagar a fogueira acendida pelo semeador da Galileia... Depois que Gutenberg inventou as técnicas modernas de imprensa, o livro que o retrata, a Bíblia, se tornou invariavelmente o maior best-seller de todos os tempos. Todos os dias, milhões de pessoas leem algo sobre ele.
O mestre de Nazaré parecia ter uma simplicidade frágil, mas a história demonstra que ele sempre triunfou sobre aqueles que quiseram sepultá-lo. Aliás, o maior favor que alguém pode fazer a uma semente é sepultá-la. Jesus foi uma fagulha que nasceu entre os animais, cresceu numa região desprezada, foi silenciado pela cruz, mas incendiou a história humana.
O mestre deu um banho de inteligência na educação moderna. Ele provocou uma revolução no pensamento humano jamais sonhada por uma teoria educacional ou psicológica.
Há uma chama que se perpetua dentro daqueles que aprenderam a amá-lo e conhecê-lo. Nos primeiros séculos, muitos dos seus seguidores foram impiedosamente destruídos por causa desta chama. Os romanos fizeram dos primeiros cristãos pastos para as feras e um espetáculo de dor nas batalhas ocorridas no Coliseu e, principalmente, no circo máximo. Alguns foram queimados vivos, outros mortos ao fio da espada. Todavia, as lágrimas, a dor e o sangue destes homens não destruíram o ânimo dos amantes do semeador da Galileia; pelo contrário, tornaram-se adubos para cultivar novas safras de sementes.

A liberdade gerada pela democracia política em contraste com o cárcere intelectual
Apesar de o mestre de Nazaré ter provocado uma revolução no pensamento humano e inaugurado uma nova forma de viver, as funções mais importantes da inteligência que ele expressou não têm sido incorporadas nas sociedades modernas. Vivemos na era da alta tecnologia, tudo é muito veloz e sofisticado. Parece que tudo o que ele ensinou e viveu é tão antigo que está fora de moda. Porém seus pensamentos são atuais e suas aspirações ainda são, como veremos, chocantes.
Perdemos o contato com as coisas simples, perdemos o prazer de investir em sabedoria. Um dos maiores riscos do uso da alta tecnologia, principalmente dos computadores, é engessar a capacidade de pensar. Lembremos que aqueles que são viciados nas calculadoras muitas vezes se esquecem de como fazer as operações matemáticas mais simples.
Tenho escrito sobre a tecnofobia ou fobia de novas técnicas. O medo de usar novas técnicas pode refletir um sentimento de incapacidade de incorporar novos aprendizados. Todavia, apesar de apoiar o uso de novas técnicas e discorrer sobre a tecnofobia, a “internetdependência” e a tecnodependência podem engessar a criatividade e a arte de pensar.
Os EUA são a sociedade mais rica do globo. Além disso, são o estandarte da democracia. Entretanto, a farmacodependência, a discriminação racial e a violência nas escolas são sinais de que a riqueza material, o acesso à alta tecnologia e à democracia política são insuficientes para expandir a qualidade de vida psíquica e social do homem.
A tecnopedagogia, ou seja, a tecnologia educacional, não tem conseguido produzir homens que amam a tolerância, a solidariedade, que vençam a paranoia de ser o número um, que têm prazer na cooperação social e se preocupam com o bem-estar dos consócios de sua sociedade.
A democracia política produz a liberdade de expressão, mas ela não é por si mesma geradora da liberdade de pensamento. A liberdade de expressão sem a liberdade do pensamento provoca inúmeras distorções, uma das quais é a discriminação. Por incrível que pareça, as pessoas não compreendem que dois seres humanos que possuem os mesmos mecanismos de construção da inteligência não podem jamais ser discriminados pela fina camada de cor da pele, por diferenças culturais, nacionalidade, sexo e idade.
Jesus vivia numa época na qual a discriminação fazia parte da rotina social. Os que tinham a cidadania romana se consideravam acima dos mortais. De outro lado, a cúpula judaica, por carregar uma cultura milenar, se considerava acima da plebe. Abaixo da plebe havia os publicanos ou coletores de impostos que eram uma raça odiada pelo colaboracionismo com Roma, os leprosos que eram banidos da sociedade e as prostitutas que eram apenas dignas de morte.
Contudo, apareceu um homem que colocou de pernas para o ar aquela sociedade tão bem definida. Sem pedir licença e sem se preocupar com as consequências do seu comportamento, entrou naquela sociedade e revolucionou as relações humanas. Ele dialogava afavelmente com as prostitutas, jantava na casa de leprosos e era amigo dos publicanos. E, para espanto dos fariseus, Jesus ainda teve a coragem de dizer que publicanos e meretrizes os precederiam no reino de Deus.
Cristo escandalizou os detentores da moral de sua época. O regime político sob o qual ele vivia era totalitário. Tibério, imperador romano, era o senhor do mundo. Porém, apesar de viver num regime antidemocrático, sem nenhuma liberdade de expressão, ele não pediu licença para falar. Por onde ele andava, trazia alegria, mas não poucas vezes também problemas, pois amava expressar o que pensava, era um pregador da liberdade. Mas, por se preocupar mais com os outros do que consigo mesmo, sua liberdade era produzida com responsabilidade.
Milhões de jovens estão estudando nas sociedades modernas. Eles vivem num ambiente democrático, que lhes propicia a liberdade de expressão. Contudo, são livres por fora, mas não no território dos pensamentos. Por isso, são presas fáceis da discriminação, da violência social, da auto violência, da paranoia da estética e das doenças psíquicas. Muitos desses jovens superdimensionam o valor de alguns artistas, políticos e intelectuais e gravitam em torno das suas ideias e comportamentos e não sabem que, ao superdimensioná-los, estão diminuindo a si mesmos, reduzindo o seu próprio valor.
Aprender a construir uma liberdade com consciência crítica, a proteger a emoção e a desenvolver a capacidade de ver o mundo também com os olhos dos outros são funções importantíssimas da inteligência, mas têm sido pouco desenvolvidas no mundo democrático.
Vivemos uma crise educacional sem precedentes. Estamos resolvendo nossos problemas externos, mas não os internos. Somos uma espécie única entre dezenas de milhões de espécies na natureza. Por pensar e ter consciência do fim da vida, colocamos grades nas janelas para nos defender, cintos de segurança para nos proteger, contratamos o pedreiro para corrigir as goteiras do telhado, o encanador para solucionar o vazamento da torneira, todavia não sabemos como construir a mais importante proteção, a proteção emocional. À mínima ofensa, contrariedade e perda, detonamos o gatilho instintivo da agressividade.
A história de sangue e violação dos direitos humanos depõe contra a nossa espécie. Nas situações de conflitos usamos mais os instintos do que a arte de pensar. Nessas situações, a violência sempre foi uma ferramenta mais utilizada do que o diálogo.
Os homens podiam ser violentos com Cristo, mas ele era dócil com todos. Quando os homens vieram prendê-lo, ele se adiantou e perguntou a quem procuravam. Ele não admitia não apenas a violência física, mas até mesmo a violência emocional. Disse: “Qualquer um que irar contra seu irmão está sujeito ao julgamento”. Até a ira não expressa não era admitida. Os que andavam com ele tinham de aprender não apenas a viver em paz dentro de si mesmos, mas até mesmo a se tornar pacificadores. No sermão do monte das Oliveiras, bradou eloquentemente: “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus”.
Nas sociedades modernas, os bem-aventurados são aqueles que têm status social, dinheiro, cultura acadêmica. Todavia, para aquele mestre incomum, os bem-aventurados são aqueles que exalam a paz onde quer que estejam, que atuam como bombeiros da emoção, que são capazes de abrandar a ira, o ódio, a inveja, o ciúme e, ainda por cima, estimular o diálogo entre as pessoas com as quais convivem. No seu pensamento, se formos incapazes de realizar tal tarefa, não somos felizes nem privilegiados.
Nas sociedades modernas, as pessoas amam o individualismo e se preocupam pouco com o bem-estar dos outros. A troca de experiências de vida se tornou uma mercadoria escassa. Falam cada vez mais do mundo exterior e cada vez menos de si mesmos. Infelizmente, as pessoas só conseguem falar de si mesmas quando vão a um psiquiatra ou psicoterapeuta.
Lembro-me de uma paciente que, no auge dos seus cinquenta anos, disse-me que quando adolescente procurou sua mãe para conversar sobre um conflito que estava atravessando. A mãe, atarefada, disse que não tinha tempo naquele momento. O gesto dessa mãe mudou a história de vida dessa filha. Por não conseguir decifrar a angústia de sua filha, ela, com um simples gesto, sepultou a comunicação entre elas. A filha nunca mais a procurou para conversar sobre suas dores e dúvidas.
O mestre de Nazaré era o maior de todos os educadores. Ele era o mestre da comunicação. Não que falasse muito, mas criava uma atmosfera prazerosa e sem barreiras. Conseguia ouvir o que as palavras não diziam. Conseguia perscrutar os pensamentos clandestinos. As pessoas se surpreendiam pela maneira como ele se adiantava e proferia os pensamentos que estavam represados dentro delas. Se só conseguimos ouvir o que as palavras acusam, não temos sensibilidade, somos mecanicistas.
Jesus não cativava as pessoas apenas pelos seus milagres, mas muito mais pela sua sensibilidade, pela maneira segura, afável e penetrante de ser. Não queria que as pessoas o seguissem pelos seus atos sobrenaturais, nem procurava simpatizantes que o aplaudissem, mas como garimpeiro do coração procurava homens que o seguissem com liberdade e consciência. Procurava homens que compreendessem sua mensagem, que vivessem uma vida borbulhante dentro de si mesmos, para depois mudarem o mundo que os circundava.

Uma experiência educacional
Ultimamente, devido às minhas pesquisas sobre a inteligência de Cristo, tenho dado conferências em diversos congressos educacionais sobre um tema ousado e incomum: “A Inteligência do Mestre dos Mestres Analisada pela Psicologia e Aplicada na Educação”.
Os educadores, antes de ouvirem a minha abordagem, têm ficado intrigados com o tema proposto. Uma nuvem de pensamentos perturbadores circula nos bastidores de suas mentes. Afinal de contas, nunca tinham ouvido ninguém falar sobre esse assunto. Ficam chocados e, ao mesmo tempo, curiosos para saber como será abordada a personalidade de Cristo e que tipo de aplicação poderá ser feita na psicologia e na educação. Alguns indagam: como é possível estudar um tema tão complexo e polêmico? O que um psiquiatra e pesquisador da psicologia tem a dizer a este respeito? Será que ele fará um discurso religioso? Será que é possível extrair sabedoria de uma pessoa que só é abordada teologicamente?
Antes de iniciar essas palestras, sabia que os educadores constituíam uma plateia de pessoas heterogêneas, tanto em cultura, quanto em religião e habilidades intelectuais. Sabia também que suas mentes estavam em suspense e saturadas de preconceitos. Como tenho aprendido a ser ousado e fiel à minha consciência, eu não me importava com os conflitos iniciais. Após começar a discursar sobre a inteligência de Cristo, os professores começavam pouco a pouco a se encantar. Começavam a relaxar e a se recostar cada vez mais em suas poltronas: o silêncio era total, a concentração era enorme e a participação deles se tornava uma poesia do pensamento.
Após o término dessas palestras, muitos educadores se levantavam e aplaudiam entusiasticamente, não a mim, mas ao personagem sobre quem eu havia discorrido. Relatavam a uma só voz que nunca compreenderam Cristo dessa forma. Nunca pensaram que ele fosse tão sábio e inteligente e que o que ele viveu poderia ser não apenas aplicado na psicologia e na educação, mas também em suas próprias vidas.
Nunca imaginaram que seria possível discorrer sobre ele sem tocar em uma religião, deixando uma abertura para que cada um seguisse o seu próprio caminho.
Não poucos relataram que ao compreender a humanidade elevada de Cristo suas vidas ganharam um outro sentido e a arte de ensinar ganhou um novo alento. Contudo, não me entusiasmo muito, pois demorará anos para que a sua personalidade seja estudada e aplicada no currículo escolar e para que os alunos e os professores discorram sobre ele sem temores. De qualquer forma, uma semente foi plantada e talvez, no futuro, germine.
As salas de aula têm se tornado um ambiente estressante, às vezes uma praça de guerra, um campo de batalha. Educar sempre foi uma arte prazerosa, mas atualmente tem sido um canteiro de ansiedade.
Se Platão vivesse nos dias de hoje, ele se assustaria com o comportamento dos jovens. Este afável e inteligente filósofo discorreu que o aprendizado gerava um raro deleite. Todavia, o prazer de aprender, de incorporar o conhecimento está cambaleante. É mais fácil dar tudo pronto aos alunos do que estimulá-los a pensar. Por isso, infelizmente, temos assistido a um fenômeno educacional paradoxal: “Aprendemos cada vez mais a conhecer o pequeníssimo átomo e o imenso espaço, mas não aprendemos a conhecer a nós mesmos, a ser caminhantes nas trajetórias do nosso próprio ser”.
Alguns dos discípulos do mestre de Nazaré tinham um comportamento pior do que muitos alunos rebeldes da atualidade, mas ele os amava independentemente dos seus erros. O semeador da Galileia estava preocupado com o desafio de transformá-los. Ele era tão cativante que despertou a sede do saber naqueles jovens, em cujas mentes não havia mais do que peixes, aventura no mar, impostos e preocupação com a sobrevivência.
Algo aconteceu no cerne da alma e do espírito deles e de milhares de pessoas. A multidão, cativada, levantava de madrugada e procurava por aquele homem extremamente atraente. Por que os homens se sentiam atraídos por ele? Porque viram nele algo além de um carpinteiro, algo mais do que um corpo surrado pela vida. Enxergaram nele aquilo que os olhos não conseguem penetrar.
O mestre os colocou numa escola sem muros, ao ar livre. E, por estranho que pareça, nunca dizia onde ele estaria no dia seguinte, onde seria o próximo encontro, se na praia, no mar, no deserto, no monte das Oliveiras, no pórtico de Salomão ou no templo. O que indica que ele não pressionava as pessoas a segui-lo, mas desejava que elas o procurassem espontaneamente: “Quem tem sede venha a mim e beba”.
Os seus seguidores entraram numa academia de sábios, numa escola de vencedores. As primeiras lições dadas àqueles que almejavam ser vencedores eram: aprender a perder, reconhecer seus limites, não querer que o mundo gravitasse em torno de si, romper o egoísmo e amar ao próximo como a si mesmo.
Almejava que eles se conhecessem intimamente e fossem transformados intrinsecamente. Os textos das suas biografias são claros, ele ambicionava mudar a sua natureza humana, e não melhorá-la ou reformá-la.



CURY, Augusto Jorge. O mestre da sensibilidade, vol. 2:
Análise da inteligência de Cristo — São Paulo:

Ed. Academia de Inteligência, 2000.

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