domingo, 27 de março de 2016
Raízes do Brasil
Sérgio Buarque de Holanda
(Alguns comentários sobre a obra)
Em 1936, depois de uma estadia na Alemanha, Sérgio Buarque de
Holanda publica o livro: “Raízes do Brasil”, um livro que tem uma perspectiva
sociológica e psicológica com um objetivo político, onde o autor tenta, através
de nosso passado, ver o nosso futuro. É um livro inovador no que diz respeito à
busca da identidade nacional. Num momento onde a psicologia vinha se
desenvolvendo muito e a sociologia começa a perder seu caráter altamente
“científico”, Sérgio Buarque vai atrás do que poderíamos chamar de essência do
homem brasileiro. Num jogo de idas e vindas na nossa história, deixando claro
os momentos que ele mais considera, Sérgio Buarque vai construindo um panorama
histórico no qual ele inserirá o “homem cordial”, que nada mais é do que fruto
de nossa história, que vem da colonização portuguesa, de uma estrutura
política, econômica e social completamente instável de famílias patriarcais e
escravagistas.
Fronteiras da Europa: No primeiro capítulo do seu livro, Sérgio
Buarque mostra que os países Ibéricos eram os que faziam fronteiras entre a
Europa com o mundo através do mar, e por isso eles são menos “europeizados” do
que os demais países. Eles ficam um pouco à margem do resto da Europa mesmo nas
navegações que foram pioneiros. Para os países Ibéricos cada homem tinha que
depender de si próprio. Eles não possuíam uma hierarquia feudal tão enraizada,
por isso a mentalidade da nascente burguesia mercantil se desenvolveu lá
primeiro. Somando a isso, havia toda uma frouxidão organizacional que estarão
muito presentes na história de Portugal e consequentemente do Brasil. Para
Sérgio Buarque, a aparente anarquia Ibérica era muito mais correta, muito mais
justa que a hierarquia feudal, pois, não continha muitos privilégios. A nobreza
portuguesa era muito flexível, o que o autor chamará de mentalidade moderna. Havia uma igualdade entre os
homens.
O pioneirismo de Portugal nas navegações se deve a um incentivo
próprio, já que esse país tinha uma mentalidade mais aberta. Autor chega a
defender a mentalidade burguesa e os países Ibéricos. Os Ibéricos não gostavam
do trabalho físico, queriam ser senhores, mas sem ter que fazer o trabalho
manual. Por fim o autor nos fala que o Brasil tem muitas características
ibéricas e sua construção cultural vem daí.
Trabalho e Aventura: Para o autor, os portugueses que foram os
primeiros a se bancarem no mar eram ao que estavam mais aptos para a missão no
Novo Mundo. Em seguida Sérgio Buarque fala que existem dois tipos de homens: um
com olhar mais amplo, o aventureiro, e outro com olhar mais restrito, o
trabalhador. No entanto esses dois homens se confundem dentro da mesma pessoa.
Com isso ele quebra um pouco a ideia de que a Inglaterra é sinônimo de
trabalho. O gosto pela aventura foi o que possibilitou a colonização no Novo
Mundo. Nenhum outro povo como o português foi capaz de se adaptar tão bem na
América.
A economia escravista colonial era a forma pela qual a Europa
conseguiu suprir o que faltava na sua economia. O indígena não conseguiu se
“adaptar” à escravidão, tornando o escravo africano imprescindível para o sistema colonial. O português vinha para a
colônia buscar riqueza sem muito trabalho, além disso, eles preferiam à vida
aventureira a o trabalho agrícola. Nesse contexto a mão-de-obra escrava aparece
como elemento fundamental na nossa economia.
Como o fator terra era abundante na colônia, não havia
preocupação em cuidar do solo, o que acarretou na sua deterioração. Os
portugueses se aproveitaram de muitas técnicas indígenas de produção, que
acabaram ganhando certa proteção que os distanciou um pouco da
escravidão.
Para Sérgio Buarque, os portugueses já eram mestiços antes dos
Descobrimentos. Além disso, já conheciam a escravidão africana no seu país.
Autor faz parecer que o preconceito com negros era bem maior que com os índios
no Brasil colonial. O Brasil não conhece outro tipo de trabalho que não seja o
escravo. O trabalho mecânico era desprezado no Brasil, e por isso não houve a
construção de um verdadeiro artesanato, só se fazia o que valia a pena, o que
era lucrativo. Os brasileiros não eram solidários entre si. A moral da senzala
era a preguiça. A violência que ela continha era negadora de virtudes sociais.
Autor critica os colonos holandeses que não procuraram se fixar
no Brasil. Além disso, tais colonos trazem para o Brasil um aspecto que não se
adequa aqui, que é a formação do seu caráter urbano, quase liberal. Sérgio
Buarque ainda afirma, que a própria língua portuguesa era mais fácil para os
índios e os negros, o que ajudou muito na colonização. Outro elemento que
facilitou a comunicação colonial foi a Igreja católica que tinha uma forma de
se comunicar muito mais simpática que as igrejas protestantes. Conclui o
capítulo mostrando que o resultado de tudo isso foi a mestiçagem, que
possibilitou a construção de uma nova pátria.
Herança Cultural: A estrutura da sociedade colonial é rural.
Isso pode ser visto quando analisamos quem detinha o poder na época colonial:
os senhores rurais. Dentro desse contexto, a abolição da escravatura aparece
como um grande marco na nossa história.
O autor conta que entre 1851 a 1855, observamos um notável
desenvolvimento urbano, graças à construção das estradas de ferro, e que tal
desenvolvimento esteve muito ligado à supressão do tráfico negreiro. Muitos
senhores rurais eram contra a supressão do abastecimento de cativos africanos,
o que resultará numa continuidade do tráfico, mesmo depois de abolido
legalmente. O medo do fim do tráfico faz com que aumente o número de escravos
exportados para o Brasil até 1850. Buarque de Holanda fala que houve um
aproveitamento do capital oriundo do tráfico para abrir outro Banco do Brasil.
Fala também um pouco das especulações encima do tráfico e da abertura do Banco.
Para o autor, havia uma incompatibilidade entre as visões do
mundo tradicional e moderna, o que resultou em muitos conflitos. Exemplo disso
foi o malogro comercial sofrido por Mauá. O Brasil não tinha a menor estrutura
tanto econômica com política e social para desenvolver a indústria e o comércio.
Os senhores de engenho eram sinônimos de solidez dentro da sociedade colonial.
O engenho era um organismo completo, uma microssociedade. O patriarca era quem
dominava o resto da sociedade. Como a sociedade rural colonial era um grupo
fechado, onde um homem dominava, as leis não entravam; os senhores tinham
domínios irrestritos sobre seus “súditos”.
Num primeiro momento, os homens que vinham para a cidade eram os
que tinham certa importância no campo. Houve uma substituição das honras rurais
para as honras da cidade. Os colonos brancos continuavam achando que o trabalho
físico não dignificava o homem, mas sim o trabalho intelectual. Com a Revolução
Industrial, o trabalhador tem que virar máquina. O sentimento de nobreza e a
aversão ao trabalho físico, saem da Casa Grande e invadem as cidades; o que nos
mostra o quanto foi difícil, durante a Independência, ultrapassar os limites
políticos gerados pela colonização portuguesa.
Para Sérgio Buarque a vida da cidade se desenvolveu de forma
anormal e prematura. “O predomínio esmagador do ruralismo, segundo todas as
aparências, foi antes um fenômeno típico do esforço dos nossos colonizadores do
que uma imposição do meio”.
Semeador e o Ladrilhador: As cidades eram instrumentos de
dominação. A Coroa espanhola, diferentemente da portuguesa, criou cidades nas
suas colônias. Sérgio Buarque mostra como eram construídas tais cidades. Para
Portugal suas colônias eram grandes feitorais. Enquanto a colonização
portuguesa se concentrou predominantemente na costa litorânea, a colonização
espanhola preferiu adentrar para as terras do interior e para os planaltos.
O interior do Brasil não interessava para a metrópole. As
bandeiras normalmente acabavam se transformando em roças, salvo esporadicamente
como foi no caso da descoberta de ouro. Com tal descoberta, a metrópole tentou
evitar a migração para o interior da colônia. O advento das minas foi o que fez
com que Portugal colocasse um pouco mais de ordem na colônia.
Sérgio Buarque continua falando sobre a colonização portuguesa
sempre a comparando com a espanhola. Mesmo sendo mais liberais que os
espanhóis, Portugal mantinha firme o pacto colonial, proibindo a produção de
muitas manufaturas na colônia. Também fala do desleixo português na construção
das cidades.
Portugueses eram corajosos só que mais prudentes. Portugal tinha
uma maior flexibilidade social, e havia um desejo da sua burguesia em se tornar
parte da nobreza. Não havia tradição em Portugal nem orgulho de classe, todos
queriam ser nobres. Nasce a “Nova Nobreza”, que era muito mais preocupada com
as aparências do que com a antiga tradição. Fala um pouco da história política
de Portugal vinculada à vontade que a maior parte da população tinha em se
tornar nobre, e tal desejo pode ser facilmente constatado no Brasil, mostrando
que o papel da Igreja aqui era o de “simples braço de poder secular, em um
departamento da administração leiga”.
Nas notas do capítulo, o autor irá trabalhar com a questão da
vida intelectual tanto na América espanhola como na portuguesa, mostrando que
na primeira ela era mais desenvolvida. Tratará da língua geral de São Paulo,
que durante muitos séculos foi a língua dos índios, devido a forte presença da
índia como matriarca da família. Fala da aversão às virtudes econômicas,
principalmente do comércio. E por fim da natureza e da arte coloniais.
O Homem Cordial: Para Sérgio Buarque, o Estado não é uma
continuidade da família. Dá o exemplo de tal confusão com a história de
Sófocles sobre Antígona e seu irmão Creonte, onde havia um confronto entre Estado
e família. Houve muita dificuldade na transição para o trabalho industrial no
Brasil, onde muitos valores rurais e coloniais persistiram. Para o autor as
relações familiares (da família patriarcal, rural e colonial), são ruins para a
formação de homens responsáveis.
Até hoje vemos uma dificuldade entre os homens detentores de
posições públicas conseguirem distinguir entre o público e o privado. "Falta
ordenamento impessoal que caracteriza a vida no Estado burocrático”. A contribuição brasileira para a
civilização será então, o “homem cordial”. Cordialidade esta que não é sinônimo
de civilidade de polidez, mas que vem de cordês, coração. A impossibilidade que o brasileiro tem
em se desvincular dos laços familiares a partir do momento que esse se torna um
cidadão, gera o “homem cordial”.
Esse homem cordial é aquele generoso, de bom trato, que para
confiar em alguém precisa conhece-lo primeiro. A intimidade que tal homem tem
com os demais chega a ser desrespeitosa, o que possibilita chamar qualquer um
pelo primeiro nome, usar o sufixo “inho” para as mais diversas situações e até
mesmo, colocar santos de castigo. O rigor é totalmente afrouxado, onde não há
distinção entre o público e o privado: todos são amigos em todos os lugares. O
Brasil é uma sociedade onde o Estado é apropriado pela família, os homens
públicos são formados no círculo doméstico, onde laços sentimentais e
familiares são transportados para o ambiente do Estado, é o homem que tem o
coração como intermédio de suas relações, ao mesmo tempo em que tem muito medo
de ficar sozinho.
Novos Tempos: Há na sociedade brasileira atual, um apego muito
forte ao recinto doméstico, uma relutância em aceitar a superindividualidade.
Poucos profissionais se limitam a ser apenas homens de sua profissão. Há um
grande desejo em alcançar prestígio e dinheiro sem esforço. O bacharelado era
muito almejado por representar prestígio na sociedade colonial urbana. Não
havia uma real preocupação com a intelectualidade com o sabre, havia um amor pelas
ideias fixas e genéricas o que justificará a entrada do positivismo e sua
grande permanência no Brasil. Autor faz críticas aos positivistas. Para o autor
a democracia foi no Brasil “sempre um mal-entendido”. Os grandes movimentos
sociais e políticos vinham de cima para baixo, o povo ficou indiferente a tudo.
O romantismo acabou se tornando um mundo fora do mundo, incapaz de ver a
realidade, o que ajudou na construção de uma realidade falsa, livresca. Muitos
traços da nossa intelectualidade ainda revelam uma mentalidade senhorial e
conservadora. Fala da importância da alfabetização para o Brasil.
Nossa Revolução: As revoluções da América, não se parecem com
revoluções. A revolução brasileira é um processo demorado que vem durando três
séculos e a Abolição é um importante marco. As cidades ganharam autonomia em
relação ao mundo rural. O café traz mudanças na tradição, como a legitimação da
cidade. “A terra de lavoura deixa então de ser o seu pequeno mundo para se
tornar unicamente seu meio de vida, sua fonte de renda e riqueza”. O café
substitui a cana, mas não deixa espaço para a economia de subsistência. As
cidades ganham novo sentido com o café, que acabam solapando a zona rural.
O Brasil é um país pacífico, brando. Julgamos ser bons a
obediência dos regulamentos, dos preceitos abstratos. É necessário que façamos
uma espécie de revolução para darmos fim aos resquícios de nossa história
colonial e começarmos a traçar uma história nossa, diferente e particular.
Para o autor a ausência de partidos políticos atualmente é um
sintoma de nossa inadaptação ao regime legitimamente democrático. Sérgio
Buarque critica o Brasil que acredita em fórmulas. Fala quais são os principais
elementos constituintes de uma democracia. Com a cordialidade, o brasileiro
dificilmente chegará nessa “revolução”, que seria a salvação para a sociedade
brasileira atual.
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