"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

sábado, 26 de março de 2016

Casa grande & senzala


Gilberto Freyre

Uma leitura do Prof. Adão Clóvis Martins Santos.

Capítulo I: Características gerais da colonização portuguesa do Brasil: formação de uma sociedade agrária, escravocrata e híbrida


Somente a partir de 1532 é que se organizou econômica e civilmente a sociedade brasileira. Sua principal base foi a agricultura, ao contrário do que aconteceu com outras colônias espalhadas pelo mundo no mesmo período, e não pela atividade de extrativismo, mais lucrativa porém predatória. Esta não foi feita de forma aventureira, mas sim de forma a melhor aproveitar o território brasileiro com o mínimo custo e assentando-se nele, posto que se deu em grande parte de iniciativa particular, sem ampla ajuda do governo luso.
A formação social brasileira girou em torno da casa-grande. Lá que germinou muitos aspectos da cultura brasileira. E toda a estrutura em torno da casa-grande representa melhor que qualquer coisa as contradições da terra, convivendo em equilíbrio assimétrico entre o negro e o branco, o escravo e o senhor. Estes conviveram juntos dentro da casa-grande (serviços domésticos eram feitos por negros), palco mor dessa representação, ao qual até a Igreja Católica se submetia (havia uma capela nas casas-grandes, os padres vivam nas casas-grandes, alguns até como senhores de engenho).

Nas regiões ao norte predominou a agricultura de açúcar, conquanto nas regiões ao sul a de café, sempre com monocultura como dominante, de trabalho escravo. Não houve possibilidades de policultura à europeia pelas adversidades produzidas pelo clima brasileiro, muito “desequilibrado”, sendo hora muito seco, hora muito úmido. A escassa diversidade da agricultura brasileira e a formação social em torno da casa-grande se manifestaram na ausência de carne, leite, ovos, saladas, além de muitos outros artefatos da comida a que o colonizador português que veio para o Brasil estava acostumado. Houve a substituição do trigo pela mandioca, além da utilização das mais variadas frutas tropicais pelo colonizador na sua dieta, em compensação. Somente nos períodos de festas que se esbanjavam todo tipo de comida no Brasil, pois no geral o regime de alimentação era ralo, com senhores e escravos sendo os melhores alimentados, o resto da população ficando à mercê.

A unificação do território nacional se deu em via da língua e da religião, considerada o cimento da sociedade, e muitas vezes foi conseguida à força. No Brasil não havia pureza de raças, uma vez que havia grande necessidade de ocupação territorial e colonização, se dando através da miscibilização, pois havia pouca gente no Brasil. Essa miscibilização pode ser confundida com sifilização, em termos de Brasil no período colonial, devido aos altos índices da doença no país com a chegada dos colonizadores. A facilidade de miscibilidade do colonizador português foi explicada por Gilberto Freyre pelo fato do povo português ser um povo indefinido entra a Europa e a África, posto que Portugal foi invadida e dominada por mouros. Essa indefinição gerou o hibridismo português, que contribuiu em larga escala para a adaptação e colonização portuguesa do Brasil.

Pode se dizer enfim, que o grande trunfo do colonizador português foi sua mobilidade, pois apesar das enormes dificuldades impostas, este conseguiu sobreviver, colonizar e unificar essa enorme colônia em condições adversas, coisa que muitos povos europeus não teriam condições de realizar.


Capítulo II: O indígena na formação da família brasileira

A chegada dos europeus à América desmantelou toda e estrutura social e econômica antes aqui predominante, desarticulando as bases da sociedade indígena. Essa degradação ao contato com os brancos, segundo Gilberto Freyre, é o resultado natural do encontro de uma sociedade de cultura mais avançada com uma de cultura menos avançada.

A relação dos portugueses com os índios no Brasil foi o que podemos chamar de mais branda do que o ocorrido nas colônias espanholas. Isso mais pela necessidade portuguesa de povoar o país e utilizá-los como escravos em plantações, onde a exploração do trabalho se diferenciava da exploração para o extrativismo preferido na colonização espanhol. O extermínio dos índios não se deu de forma tão brutal quanto o extermínio à espanhola. Ficou escondido na reviravolta cultural que sofreram os índios no Brasil. Seja pelas mãos dos senhores de engenho, ou pelos jesuítas, seus costumes foram sendo reduzidos, batiam de frente com os costumes europeus que tentava se implantar aqui, acarretando no extermínio da população e da cultura indígena. Era o choque do imperialismo português com o comunismo indígena. Os jesuítas foram os que melhor conseguiram estabelecer relações com os índios nessa época. Essas relações eram dificultadas pelo enorme número de tribos, costumes e idiomas presentes no Brasil naquela época. Para facilitar a comunicação o tupi-guarani foi o artifício utilizado para a unificação da identidade indígena pelos jesuítas.
A cultura indígena era muito rica. A parte religiosa dessa cultura era cheia de magia e ritos, que muitas vezes os padres não aceitavam e proibiam-nos. Mesmo quando catequizados, os índios não perderam alguns de seus traços fundamentais. É o caso da relação de íntima religiosidade entre as pessoas e os santos. No folclore, muitas lendas indígenas persistem. A humanificação de animais, os cruzamentos entre estes, gerariam seres dotados de poderes extras que povoam as lendas animalistas indígenas. Entre os ritos, podemos incluir a passagem para a vida adulta, realizada no início da puberdade.

O trabalho agrícola em uma aldeia indígena era, geralmente, realizado por mulheres, enquanto os homens eram responsáveis pela caça. Os índios viviam de forma sedentária. Com a chegada e ocupação dos portugueses, foram muito importantes nas bandeiras e na defesa do território nacional de embarcações piratas, por exemplo. Os índios conheciam o território como ninguém, viabilizando assim a exploração nacional. Porém, pelo fato dos índios brasileiros eram nômades, não se adaptaram à agricultura de monocultura.

A índia era vista como a “Moura Encantada” dos sonhos dos portugueses, foi objeto do desejo português. Andavam sempre nuas e se ofereciam aos portugueses recém chegados, pois em muitas tribos os portugueses eram vistos quase como deuses, e essa seria a natural obrigação das índias. O índio não tinha também tanta noção de sexualidade, segundo Freyre. A poligamia era comum entre os índios, que achavam natural essas relações, pelas quais os conquistadores portugueses não estavam acostumados, e se viram vislumbrados.
Com os portugueses vieram também as doenças. A mortalidade infantil cresceu vertiginosamente. A sífilis também. A higiene do índio também foi drasticamente reduzida, ou pelo menos convertida a padrões ultramarinos. Persiste até hoje o conhecimento médico indígena, dos chazinhos e das ervas “milagrosas”, chegando a ser considerado superior ao dos médicos lusos e dominadores da ciência.

Foram várias as contribuições indígenas na cultura e colonização brasileira. Dentre elas podemos destacar a higiene e a dieta indígena, com peixes e frutas, que persistem até hoje.

 

Capítulo III: O colonizador português: antecedentes e predisposições

A figura do colonizador português é a do contemporizador. Nem ideais absolutos, nem preconceitos inflexíveis, assemelhando-se em alguns pontos ao espanhol e em outros ao inglês. É o mesmo hibridismo da indecisão e a dualidade entre África e Europa. O próprio português que trouxe escravos da África atravessando o Oceano em condições completamente insalubres, também foi capaz de miscigenar amigavelmente com os seus escravos.

Entre as características do português está a de ser muito orgulhoso, mas, contraditoriamente, muito simples também. Andavam em suas casas-grandes todo mulambentos e colocavam suas melhores roupas para sair ás ruas.

Outra característica era o ódio aos mouros “ou infiéis”. Ninguém era rejeitado no Brasil, desde que fosse cristão-católico. Isso pelo fato de Portugal ser dominada por mouros e, na expulsão deles, o principal fator para a união dos portugueses, foi o da guerra contra o paganismo.

Na expulsão dos mouros de Portugal, para se garantir a posse das terras, a agricultura foi o grande instrumento. Principalmente a lavoura gerada pelo clero, mas que ficou restrita a isso. Havia pouca comida nos dias normais, exceto nos dias de festa. Os jejuns eram muito banais, tanto pela religiosidade, quanto pela economia. No Brasil, a descoberta foi na expansão marítimo-comercial, porém, manteve-se a agricultura como fator de garantia da posse da terra, porém administradas pelos senhores-de-engenho, contrariando a Igreja. Em Portugal o poder da Igreja Católica era muito grande, e por esses motivos houve rusgas entre senhores-de-engenho e jesuítas. Todavia, a religiosidade nunca deixou de estar presente na vida destes. A capela ficava dentro da casa-grande, substituindo as catedrais, muito utilizadas pelos espanhóis.
O autor fala de muitos paulistas com cara de mouros, isso se deu devido ao fato de que muitos mouros foram mandados para o Brasil. Os mouros eram tidos como trabalhadores. O verbo mourejar significa trabalhar, por exemplo. Muitas profissões técnicas foram sendo introduzidas no Brasil por descendentes de mouros ou mouros. O amor humano ás divindades é uma das características que temos herdado dos mouros, segundo Gilberto Freyre, que muito influenciaram no Brasil, culturalmente. Já os judeus, também chamados de cristãos-novos, devido às perseguições sofridas na época da Inquisição, eram vistos com antipáticos. Davam os preços mais baixos para os seus iguais e cobravam mais dos estranhos, criando richas. Mas foi a prosperidade dos judeus que deu condições para a expansão e sustentação imperialista portuguesa.
O capítulo III fala de muitas coisas já citadas no capítulo I, como o interessa de procriação abafando preconceitos, utilizado em Portugal para suprir a falta de pessoas que saiam para as viagens ultramarinas. A isso se soma o grande senso colonizador do português e a iniciativa privada na colonização.

 

Capítulo IV: O escravo negro na vida sexual e familiar do brasileiro

Em todos os brasileiros, segundo Gilberto Freyre, encontramos traços herdados pela cultura africana, tanto na ternura da fala, no amolecimento da linguagem (a reduplicação da sílaba tônica com em dodói, é um exemplo), nos apelidos, nos gestos, na música, que desde criança nos tempos coloniais foi influenciada e que se ouvia em canções de ninar pela boca da ama negra. Pode se dizer que a ama foi a primeira mulher do menino branco.

Gilberto Freyre caracteriza os africanos vindos para o Brasil como melhores culturalmente que os índios. Suas festas eram feitas com mais alegria e vivacidade que a dos que aqui habitavam. A Bahia, onde foi situado o grande refúgio de negros vindos para o Brasil, é conhecido por ser um povo muito festivo. Além disso, a cultura dos africanos que vieram para o Brasil era mais adiantada que a dos de outros territórios africanos, mais cheias de lendas, mitos, rituais, festas, com gastronomia e astrologia mais avançadas do que de outros povos, seus conterrâneos, que possuíam melhores atributos físicos, por exemplo. Suas cerimônias religiosas ou não, eram sempre bem emotivas, em contrastes com os índios aqui situados. Outra explicação encontrada no Casa Grande e Senzala para o maior desenvolvimento cultural dos africanos seria o fato de estes serem melhores alimentados que os índios. Os negros também seriam comprovadamente eugenicamente superiores as outras raças em alguns aspectos, indispensáveis para a colonização brasileira, enquanto brancos seriam em outras áreas, se completando, dada a hierarquia e composição social vigente.

No campo sexual, não seriam as negras que corrompiam sexualmente os brancos, mas sim as escravas. Sua posição social ascenderia com um filho com um branco, como citado mais claramente no capítulo V.
A sifilização brasileira na época não se deu apenas pelo contagio sexual. O descaso era imenso. Entre amas e crianças havia um caminho de mão dupla de sífilis. As crianças recebendo pelos pais transferiam para as amas, que repassavam para outras crianças, além de muitos outros caminhos que se percorria essa doença. A falta de beleza da população não era devido à mistura das raças. Essa mistura era bonita. O problema era a sífilis que alastrava e deixava as pessoas feias. As mulheres brasileiras no geral não eram consideradas bonitas, e Freyre atribuía isso a iniciação sexual das jovens que se dava muito cedo.

A educação das crianças por muito tempo perdurou nas mãos dos escravos; o melhor amigo era o negrinho (muitas vezes maltratado) criado no âmbito da casa-grande, as mucamas mimavam as crianças (muitas vezes tornavam os meninos efeminados, acarretando na iniciação sexual prematura dos meninos, pois pais tinham medo de que os filhos não pudessem ser primogênitos ¿legítimos¿, em todos os sentidos.), ensinavam as moças o que era romance contando histórias, que substituíam o baixo índice literário da época, numa grande confraternização, apesar de todos os equívocos na casa-grande. Entre os equívocos estão os casos de maltrato com escravas negras por ciúmes do marido, o sadismo que tratavam os meninos brancos seus pequenos escravos negros. Neste período cresce a frequência de procura por feitiçarias e magias sexuais. Para substituir a educação negra, foram “contratados” padres-mestres para educadores, posteriormente. Estes se introduziam dentro da casa do menino e os conduziam durante sua educação.

 

Capítulo V: O escravo negro na vida sexual e familiar do brasileiro (continuação)

Algo que impressionava no Brasil do século XIX era o comportamento dos meninos. Agiam como homens desde muito cedo, sem alegria. A educação nessa época foi feita em colégios jesuítas no começo, e em colégios de padres ou em seminários posteriormente. Eram eles que comandaram a disseminação da cultura por longo período. Era um ensino rígido, sendo o mestre senhor todo poderoso em suas salas. Muitas vezes eram sádicos, sorte tinham os meninos ensinados por mestres negros, estes melhores que os outros. Nestes colégios, até o século XVII, os negros e pardos eram excluídos, com os pardos sendo progressivamente incluídos no sistema educacional brasileiro com mais frequência que os negros, devido ao incentivo aos casamentos mestiços pelo governo.

Existiam muitas histórias, nos séculos XVII e XVIII, sobre mulheres devassas e casos de assassinatos por parte de pais e maridos por ciúmes mórbidos, em nome da honra, de boatos nem sempre reais. Porém, nos casos reais, as mulheres eram de classes mais baixas, geralmente escravas, negras e mulatas, por culpa da degradação que estas sofriam com o domínio de culturas mais adiantadas.

À moleza do homem brasileiro, Freyre não atribui ao açúcar responsabilidade direta, mas indireta, pois com ele veio a escravidão e homens negros trabalhando por homens brancos. Ou seja, status ao que não trabalha: o senhor-de-engenho. Com isso, muitos homens se feminilizaram; tinham mãos e pés de mulher. Ficavam o dia na rede, com uns molengas. Essa rotina só era quebrada pela polvorosa religiosa. Rezavam várias vezes o dia. Paravam o que estivesse sendo feito para rezar. Esse sentimento cristão se manifestava até mesmo em testamentos. Muitos deixavam bens ou alforrias a seus negros favoritos.

Havia uma “guerra” entre padres e senhores-de-engenho por causa do trabalho nos domingos. Os senhores-de-engenho o queriam para trabalho enquanto os padres para Deus. Acabou por se institucionalizar o feriado no domingo, afinal era um dia com menos comida para os negros, que significava economia para senhores.

Dizia-se que se não fosse pelos santos e pelas amásias, os colonos seriam ricos. Com exceção dos jesuítas, donzelões natos, padres e frades se emancebaram com pretas e índias. Essas relações, segundo Freyre fizeram bem a sociedade brasileira, uma vez que muitos filhos de padres se tornaram ilustres intelectuais, pois os padres teriam eugenia para assuntos intelectual superior ao resto da população, trazendo ascensão social. Para ascensão social, ainda, muitas pessoas passaram a utilizar nomes de fidalgos.

A culinária nos primeiros séculos de história do Brasil era toda negra. O pão, por exemplo, só foi introduzido no século XIX. A cozinha negra era muito higiênica. Ainda hoje se vê, principalmente nos estados do norte/nordeste, a grande influência negra na culinária brasileira, sendo a dieta do povo responsável por muitas características sociais.

 

Nenhum comentário: