Gilberto Freyre
Uma leitura do Prof. Adão
Clóvis Martins Santos.
Capítulo I: Características gerais da colonização portuguesa do Brasil: formação de
uma sociedade agrária, escravocrata e híbrida
Somente a partir de
1532 é que se organizou econômica e civilmente a sociedade brasileira. Sua
principal base foi a agricultura, ao contrário do que aconteceu com outras
colônias espalhadas pelo mundo no mesmo período, e não pela atividade de
extrativismo, mais lucrativa porém predatória. Esta não foi feita de forma
aventureira, mas sim de forma a melhor aproveitar o território brasileiro com o
mínimo custo e assentando-se nele, posto que se deu em grande parte de
iniciativa particular, sem ampla ajuda do governo luso.
A formação social brasileira girou em torno da
casa-grande. Lá que germinou muitos aspectos da cultura brasileira. E toda a
estrutura em torno da casa-grande representa melhor que qualquer coisa as
contradições da terra, convivendo em equilíbrio assimétrico entre o negro e o branco,
o escravo e o senhor. Estes conviveram juntos dentro da casa-grande (serviços
domésticos eram feitos por negros), palco mor dessa representação, ao qual até
a Igreja Católica se submetia (havia uma capela nas casas-grandes, os padres
vivam nas casas-grandes, alguns até como senhores de engenho).
Nas regiões ao norte
predominou a agricultura de açúcar, conquanto nas regiões ao sul a de café,
sempre com monocultura como dominante, de trabalho escravo. Não houve
possibilidades de policultura à europeia pelas adversidades produzidas pelo
clima brasileiro, muito “desequilibrado”, sendo hora muito seco, hora muito
úmido. A escassa diversidade da agricultura brasileira e a formação social em
torno da casa-grande se manifestaram na ausência de carne, leite, ovos,
saladas, além de muitos outros artefatos da comida a que o colonizador
português que veio para o Brasil estava acostumado. Houve a substituição do
trigo pela mandioca, além da utilização das mais variadas frutas tropicais pelo
colonizador na sua dieta, em compensação. Somente nos períodos de festas que se
esbanjavam todo tipo de comida no Brasil, pois no geral o regime de alimentação
era ralo, com senhores e escravos sendo os melhores alimentados, o resto da
população ficando à mercê.
A unificação do território
nacional se deu em via da língua e da religião, considerada o cimento da
sociedade, e muitas vezes foi conseguida à força. No Brasil não havia pureza de
raças, uma vez que havia grande necessidade de ocupação territorial e
colonização, se dando através da miscibilização, pois havia pouca gente no
Brasil. Essa miscibilização pode ser confundida com sifilização, em termos de
Brasil no período colonial, devido aos altos índices da doença no país com a
chegada dos colonizadores. A facilidade de miscibilidade do colonizador
português foi explicada por Gilberto Freyre pelo fato do povo português ser um
povo indefinido entra a Europa e a África, posto que Portugal foi invadida e
dominada por mouros. Essa indefinição gerou o hibridismo português, que contribuiu
em larga escala para a adaptação e colonização portuguesa do Brasil.
Pode se dizer enfim,
que o grande trunfo do colonizador português foi sua mobilidade, pois apesar
das enormes dificuldades impostas, este conseguiu sobreviver, colonizar e
unificar essa enorme colônia em condições adversas, coisa que muitos povos
europeus não teriam condições de realizar.
Capítulo II: O indígena na formação da família brasileira
A chegada dos
europeus à América desmantelou toda e estrutura social e econômica antes aqui
predominante, desarticulando as bases da sociedade indígena. Essa degradação ao
contato com os brancos, segundo Gilberto Freyre, é o resultado natural do
encontro de uma sociedade de cultura mais avançada com uma de cultura menos
avançada.
A relação dos
portugueses com os índios no Brasil foi o que podemos chamar de mais branda do
que o ocorrido nas colônias espanholas. Isso mais pela necessidade portuguesa
de povoar o país e utilizá-los como escravos em plantações, onde a exploração
do trabalho se diferenciava da exploração para o extrativismo preferido na
colonização espanhol. O extermínio dos índios não se deu de forma tão brutal
quanto o extermínio à espanhola. Ficou escondido na reviravolta cultural que
sofreram os índios no Brasil. Seja pelas mãos dos senhores de engenho, ou pelos
jesuítas, seus costumes foram sendo reduzidos, batiam de frente com os costumes
europeus que tentava se implantar aqui, acarretando no extermínio da população
e da cultura indígena. Era o choque do imperialismo português com o comunismo
indígena. Os jesuítas foram os que melhor conseguiram estabelecer relações com
os índios nessa época. Essas relações eram dificultadas pelo enorme número de
tribos, costumes e idiomas presentes no Brasil naquela época. Para facilitar a
comunicação o tupi-guarani foi o artifício utilizado para a unificação da
identidade indígena pelos jesuítas.
A cultura indígena era muito rica. A parte religiosa
dessa cultura era cheia de magia e ritos, que muitas vezes os padres não
aceitavam e proibiam-nos. Mesmo quando catequizados, os índios não perderam
alguns de seus traços fundamentais. É o caso da relação de íntima religiosidade
entre as pessoas e os santos. No folclore, muitas lendas indígenas persistem. A
humanificação de animais, os cruzamentos entre estes, gerariam seres dotados de
poderes extras que povoam as lendas animalistas indígenas. Entre os ritos,
podemos incluir a passagem para a vida adulta, realizada no início da
puberdade.
O trabalho agrícola
em uma aldeia indígena era, geralmente, realizado por mulheres, enquanto os
homens eram responsáveis pela caça. Os índios viviam de forma sedentária. Com a
chegada e ocupação dos portugueses, foram muito importantes nas bandeiras e na
defesa do território nacional de embarcações piratas, por exemplo. Os índios
conheciam o território como ninguém, viabilizando assim a exploração nacional.
Porém, pelo fato dos índios brasileiros eram nômades, não se adaptaram à
agricultura de monocultura.
A índia era vista
como a “Moura Encantada” dos sonhos dos portugueses, foi objeto do desejo
português. Andavam sempre nuas e se ofereciam aos portugueses recém chegados,
pois em muitas tribos os portugueses eram vistos quase como deuses, e essa
seria a natural obrigação das índias. O índio não tinha também tanta noção de
sexualidade, segundo Freyre. A poligamia era comum entre os índios, que achavam
natural essas relações, pelas quais os conquistadores portugueses não estavam
acostumados, e se viram vislumbrados.
Com os portugueses vieram também as doenças. A
mortalidade infantil cresceu vertiginosamente. A sífilis também. A higiene do
índio também foi drasticamente reduzida, ou pelo menos convertida a padrões
ultramarinos. Persiste até hoje o conhecimento médico indígena, dos chazinhos e
das ervas “milagrosas”, chegando a ser considerado superior ao dos médicos
lusos e dominadores da ciência.
Foram várias as
contribuições indígenas na cultura e colonização brasileira. Dentre elas
podemos destacar a higiene e a dieta indígena, com peixes e frutas, que
persistem até hoje.
Capítulo III: O colonizador português: antecedentes e predisposições
A figura do
colonizador português é a do contemporizador. Nem ideais absolutos, nem
preconceitos inflexíveis, assemelhando-se em alguns pontos ao espanhol e em
outros ao inglês. É o mesmo hibridismo da indecisão e a dualidade entre África
e Europa. O próprio português que trouxe escravos da África atravessando o
Oceano em condições completamente insalubres, também foi capaz de miscigenar
amigavelmente com os seus escravos.
Entre as
características do português está a de ser muito orgulhoso, mas,
contraditoriamente, muito simples também. Andavam em suas casas-grandes todo
mulambentos e colocavam suas melhores roupas para sair ás ruas.
Outra característica
era o ódio aos mouros “ou infiéis”. Ninguém era rejeitado no Brasil, desde que
fosse cristão-católico. Isso pelo fato de Portugal ser dominada por mouros e,
na expulsão deles, o principal fator para a união dos portugueses, foi o da guerra
contra o paganismo.
Na expulsão dos
mouros de Portugal, para se garantir a posse das terras, a agricultura foi o
grande instrumento. Principalmente a lavoura gerada pelo clero, mas que ficou
restrita a isso. Havia pouca comida nos dias normais, exceto nos dias de festa.
Os jejuns eram muito banais, tanto pela religiosidade, quanto pela economia. No
Brasil, a descoberta foi na expansão marítimo-comercial, porém, manteve-se a
agricultura como fator de garantia da posse da terra, porém administradas pelos
senhores-de-engenho, contrariando a Igreja. Em Portugal o poder da Igreja
Católica era muito grande, e por esses motivos houve rusgas entre
senhores-de-engenho e jesuítas. Todavia, a religiosidade nunca deixou de estar
presente na vida destes. A capela ficava dentro da casa-grande, substituindo as
catedrais, muito utilizadas pelos espanhóis.
O autor fala de muitos paulistas com cara de mouros,
isso se deu devido ao fato de que muitos mouros foram mandados para o Brasil.
Os mouros eram tidos como trabalhadores. O verbo mourejar significa trabalhar,
por exemplo. Muitas profissões técnicas foram sendo introduzidas no Brasil por
descendentes de mouros ou mouros. O amor humano ás divindades é uma das
características que temos herdado dos mouros, segundo Gilberto Freyre, que
muito influenciaram no Brasil, culturalmente. Já os judeus, também chamados de
cristãos-novos, devido às perseguições sofridas na época da Inquisição, eram
vistos com antipáticos. Davam os preços mais baixos para os seus iguais e
cobravam mais dos estranhos, criando richas. Mas foi a prosperidade dos judeus
que deu condições para a expansão e sustentação imperialista portuguesa.
O capítulo III fala de muitas coisas já citadas no
capítulo I, como o interessa de procriação abafando preconceitos, utilizado em
Portugal para suprir a falta de pessoas que saiam para as viagens ultramarinas.
A isso se soma o grande senso colonizador do português e a iniciativa privada
na colonização.
Capítulo IV: O escravo negro na vida sexual e familiar do brasileiro
Em todos os
brasileiros, segundo Gilberto Freyre, encontramos traços herdados pela cultura
africana, tanto na ternura da fala, no amolecimento da linguagem (a
reduplicação da sílaba tônica com em dodói, é um exemplo), nos apelidos, nos
gestos, na música, que desde criança nos tempos coloniais foi influenciada e
que se ouvia em canções de ninar pela boca da ama negra. Pode se dizer que a
ama foi a primeira mulher do menino branco.
Gilberto Freyre caracteriza
os africanos vindos para o Brasil como melhores culturalmente que os índios.
Suas festas eram feitas com mais alegria e vivacidade que a dos que aqui
habitavam. A Bahia, onde foi situado o grande refúgio de negros vindos para o
Brasil, é conhecido por ser um povo muito festivo. Além disso, a cultura dos
africanos que vieram para o Brasil era mais adiantada que a dos de outros
territórios africanos, mais cheias de lendas, mitos, rituais, festas, com
gastronomia e astrologia mais avançadas do que de outros povos, seus
conterrâneos, que possuíam melhores atributos físicos, por exemplo. Suas
cerimônias religiosas ou não, eram sempre bem emotivas, em contrastes com os
índios aqui situados. Outra explicação encontrada no Casa Grande e Senzala para
o maior desenvolvimento cultural dos africanos seria o fato de estes serem
melhores alimentados que os índios. Os negros também seriam comprovadamente
eugenicamente superiores as outras raças em alguns aspectos, indispensáveis
para a colonização brasileira, enquanto brancos seriam em outras áreas, se
completando, dada a hierarquia e composição social vigente.
No campo sexual, não
seriam as negras que corrompiam sexualmente os brancos, mas sim as escravas.
Sua posição social ascenderia com um filho com um branco, como citado mais
claramente no capítulo V.
A sifilização brasileira na época não se deu apenas
pelo contagio sexual. O descaso era imenso. Entre amas e crianças havia um
caminho de mão dupla de sífilis. As crianças recebendo pelos pais transferiam
para as amas, que repassavam para outras crianças, além de muitos outros
caminhos que se percorria essa doença. A falta de beleza da população não era
devido à mistura das raças. Essa mistura era bonita. O problema era a sífilis
que alastrava e deixava as pessoas feias. As mulheres brasileiras no geral não
eram consideradas bonitas, e Freyre atribuía isso a iniciação sexual das jovens
que se dava muito cedo.
A educação das
crianças por muito tempo perdurou nas mãos dos escravos; o melhor amigo era o
negrinho (muitas vezes maltratado) criado no âmbito da casa-grande, as mucamas
mimavam as crianças (muitas vezes tornavam os meninos efeminados, acarretando
na iniciação sexual prematura dos meninos, pois pais tinham medo de que os
filhos não pudessem ser primogênitos ¿legítimos¿, em todos os sentidos.),
ensinavam as moças o que era romance contando histórias, que substituíam o
baixo índice literário da época, numa grande confraternização, apesar de todos
os equívocos na casa-grande. Entre os equívocos estão os casos de maltrato com
escravas negras por ciúmes do marido, o sadismo que tratavam os meninos brancos
seus pequenos escravos negros. Neste período cresce a frequência de procura por
feitiçarias e magias sexuais. Para substituir a educação negra, foram
“contratados” padres-mestres para educadores, posteriormente. Estes se
introduziam dentro da casa do menino e os conduziam durante sua educação.
Capítulo V: O escravo negro na
vida sexual e familiar do brasileiro (continuação)
Algo que
impressionava no Brasil do século XIX era o comportamento dos meninos. Agiam
como homens desde muito cedo, sem alegria. A educação nessa época foi feita em
colégios jesuítas no começo, e em colégios de padres ou em seminários
posteriormente. Eram eles que comandaram a disseminação da cultura por longo
período. Era um ensino rígido, sendo o mestre senhor todo poderoso em suas salas.
Muitas vezes eram sádicos, sorte tinham os meninos ensinados por mestres
negros, estes melhores que os outros. Nestes colégios, até o século XVII, os
negros e pardos eram excluídos, com os pardos sendo progressivamente incluídos
no sistema educacional brasileiro com mais frequência que os negros, devido ao
incentivo aos casamentos mestiços pelo governo.
Existiam muitas
histórias, nos séculos XVII e XVIII, sobre mulheres devassas e casos de
assassinatos por parte de pais e maridos por ciúmes mórbidos, em nome da honra,
de boatos nem sempre reais. Porém, nos casos reais, as mulheres eram de classes
mais baixas, geralmente escravas, negras e mulatas, por culpa da degradação que
estas sofriam com o domínio de culturas mais adiantadas.
À moleza do homem
brasileiro, Freyre não atribui ao açúcar responsabilidade direta, mas indireta,
pois com ele veio a escravidão e homens negros trabalhando por homens brancos.
Ou seja, status ao que não trabalha: o senhor-de-engenho. Com isso, muitos
homens se feminilizaram; tinham mãos e pés de mulher. Ficavam o dia na rede,
com uns molengas. Essa rotina só era quebrada pela polvorosa religiosa. Rezavam
várias vezes o dia. Paravam o que estivesse sendo feito para rezar. Esse
sentimento cristão se manifestava até mesmo em testamentos. Muitos deixavam
bens ou alforrias a seus negros favoritos.
Havia uma “guerra”
entre padres e senhores-de-engenho por causa do trabalho nos domingos. Os
senhores-de-engenho o queriam para trabalho enquanto os padres para Deus.
Acabou por se institucionalizar o feriado no domingo, afinal era um dia com
menos comida para os negros, que significava economia para senhores.
Dizia-se que se não
fosse pelos santos e pelas amásias, os colonos seriam ricos. Com exceção dos
jesuítas, donzelões natos, padres e frades se emancebaram com pretas e índias.
Essas relações, segundo Freyre fizeram bem a sociedade brasileira, uma vez que
muitos filhos de padres se tornaram ilustres intelectuais, pois os padres
teriam eugenia para assuntos intelectual superior ao resto da população,
trazendo ascensão social. Para ascensão social, ainda, muitas pessoas passaram
a utilizar nomes de fidalgos.
A culinária nos
primeiros séculos de história do Brasil era toda negra. O pão, por exemplo, só
foi introduzido no século XIX. A cozinha negra era muito higiênica. Ainda hoje
se vê, principalmente nos estados do norte/nordeste, a grande influência negra
na culinária brasileira, sendo a dieta do povo responsável por muitas
características sociais.
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