em senador. Segundo esse sujeito, a instrução popular é contrária às leis da divisão do trabalho e adota – lá seria o mesmo que acabar com todo o nosso sistema social. Vejam como ele se expressou:
domingo, 20 de março de 2016
O capital
de Karl
Max
Uma leitura de Carlo
Cafiero
“O
operário fez tudo; e o operário pode destruir tudo, porque pode fazer tudo de
novo.”
INDÍCE
Parte 1 – Mercadoria, dinheiro, riqueza
e capital.
Parte 2 – Como nasce o capital.
Parte 3 – A jornada de trabalho.
Parte 4 – A mais-valia relativa.
Parte 5 – Cooperação.
Parte 6 – Divisão do trabalho e
manufatura.
Parte 7 – Máquina e grande indústria.
Parte 8 – O salário.
Parte 9 – Acumulação de capital.
Parte 10 – A acumulação primitiva.
Parte 11 – Conclusão.
1. Mercadoria, dinheiro, riqueza e capital.
A mercadoria é um objeto que tem duplo valor: valor de uso e
valor de troca, que é o valor propriamente dito. Se tenho, por exemplo, 20
quilos de café, eu posso consumi-los para meu uso próprio quanto trocá-los
por 20 metros de tecido, por uma roupa, ou por 250
gramas de prata, se, em vez de café, eu precisar de uma dessas três outras
mercadorias. O valor de uso da mercadoria se baseia na qualidade própria
da mercadoria: se ela é para beber, para comer, ou para se divertir. Portanto,
essa qualidade é determinada para satisfazer uma determinada necessidade nossa
e não qualquer outra de nossas necessidades. O valor de uso dos 20 quilos de
café é baseado nas propriedades que o café possui e estas propriedades são tais
que nos dão à bebida café, mas não prestam para fazer uma roupa ou qualquer
outra coisa. É por isso que só podemos tirar proveito do valor de uso dos 20
quilos de café se sentimos a necessidade de beber café. Mas se ao contrário, eu
precisar de uma camiseta e não dos 20 quilos de café que tenho em mãos? O que
fazer? Não saberíamos, se a mercadoria não tivesse também, junto com o
valor de uso, o valor de troca. Encontramos agora uma pessoa com camiseta, da
qual não tem necessidade, mas que precisa do café. Então fazemos uma troca. Eu
lhe dou 20 quilos de café e ela me dá uma camisa… Mas, como podem as
mercadorias de propriedade tão diferentes entre si, serem trocadas umas pelas
outras em determinadas proporções? Porque a mercadoria, além do valor de
uso, tem também o valor de troca. Isso já sabe. O que não sabíamos era que a
base do valor de troca, do valor propriamente dito, é o trabalho humano
necessário para se produzir esta mercadoria. A mercadoria é produzida pelo
trabalhador. Portanto, o trabalho humano é a substancia procriadora; é o
trabalho que dá a existência da mercadoria. Em sua essência, embora de
propriedades tão diversas entre si, todas as mercadorias são a mesma coisa,
perfeitamente iguais, porque são filhas de um mesmíssimo pai, tem todo o
mesmíssimo sangue em suas veias. Se trocamos 20 quilos de café por uma camisa
ou 20 metros de tecidos, é porque, para se produzir 20 quilos de
café, precisou-se de tanto trabalho humano quanto para a produção de uma camisa
ou de20 metros de tecido. Trocou-se uma camisa pó tanto trabalho humano
materializado nos vinte quilos de café, ou trocaram-se vinte quilos de café pó
tanto trabalho humano materializado em uma camisa. Ou seja, trocou-se trabalho
por trabalho. A substancia do valor da mercadoria está no trabalho humano e a
grandeza deste valor é determinada pela grandeza do trabalho humano. Ora, se a
substancia de valor é a mesma para todas as mercadorias e isto quer dizer que
todas as mercadorias como veículo do valor são
todas iguais e trocáveis entre si, o que nos resta, portanto, é comparar o
tamanho dessa grandeza, medi-la.
A grandeza do valor depende da grandeza do trabalho; e qual é
a medida do trabalho? O tempo: hora, dia, semana, mês etc. Em 12 horas de
trabalho se produz um valor duas vezes maior do que se produziria em 6 horas.
Daí, alguém poderia dizer que quanto mais lento fosse um trabalhador, quer por
inabilidade, quer por preguiça, mais valor produziria. Nada mais falso do que
esta afirmação, pois o trabalho de que estamos falando e que dá substancia ao
valor, não é o trabalho de Pedro ou de Paulo, e sim um trabalho médio, que é
sempre igual e que é propriamente chamado de trabalho social. É o trabalho que,
em determinado centro de produção, pode ser feito em média por um operário, o qual trabalha com uma
habilidade média e uma intensidade média. Conhecido o duplo caráter da
mercadoria, isto é de ser valor de uso e valor de troca, compreendemos que a
mercadoria só pode nascer por obra do trabalho, e de um trabalho útil a todos.
Por exemplo, o ar, os prados naturais, a terra virgem, etc., são úteis ao
homem, mas não constituem nenhum valor, por que não são produtos de seus
trabalhos e, consequentemente, não são mercadorias. Também podemos fabricar
objetos para nosso próprio uso, mas que não podem ser úteis a outros; nesse
caso não produzimos mercadorias; do mesmo modo não produzimos mercadorias
quando trabalhamos com coisas que não tem nenhuma utilidade nem pra nós, nem
para os outros. As mercadorias, pois são trocadas entre sim; uma se apresenta
como equivalente da outra. Para maior facilidade das trocas, começa-se a
empregar uma determinada mercadoria como equivalente para todas as outras. Esta
mercadoria se destaca do conjunto de todas as outras para se colocar a frente a
elas como equivalente geral, isto é, como dinheiro. Por isso, o dinheiro é
aquela mercadoria que, pelo costume por determinação legal, monopolizou o posto
de equivalente geral. Assim o dinheiro, a moeda, chegou até nós através da
prata. Enquanto antes, 20 quilos de café, uma camisa, 20 metros de
tecido e 250gramas de prata eram mercadorias que se trocavam indistintamente,
hoje, ao contrário, tem-se que 20 quilos de café, uma camisa e 20
metros de tecido são três mercadorias que valem cada uma, 250
gramas de prata, por exemplo, 500 reais. Mas, através das mercadorias
diretamente, seja através do dinheiro, a lei de trocas permanece a mesma
sempre. Uma mercadoria só pode ser trocada por outra se o seu valor de troca
for igual. Isto quer dizer que se uma mercadoria não tiver o mesmo tempo de
trabalho que a outra não há troca. Esta só acontece entre trabalhos iguais. E
tudo o que vamos dizer de agora em diante é baseado nela, nessa lei de trocas
de mercadorias.
Com a chegada do dinheiro, da moeda, as trocas diretas ou
imediatas de uma mercadoria por outra desaparecem. Agora as trocas devem ser
feitas através do dinheiro. Desse modo, qualquer mercadoria que queira se
transformar em outra, deve, antes, de mais nada, como mercadoria,
transformar-se em dinheiro, retransformar-se em mercadoria. Portanto, o esquema
das trocas não será mais uma cadeia de mercadorias – uma abóbora x uma melancia
x um pão – e sim, uma cadeia de mercadoria e dinheiro. Ei-la:
Mercadoria – dinheiro – mercadoria – dinheiro
M – D – M – D
Ora, se nesta formula assinalamos os giros que a mercadoria
realizou, assinalamos também os giros do dinheiro. Como veremos, é desta
formula que sai a formula do capital. Quando
temos em nossas mãos, uma certa quantidade de mercadorias ou de dinheiro, o que
no caso vem a dar no mesmo, somos, possuidores de uma certa riqueza. Se a gente
pudesse dar a esta riqueza um corpo, que é um organismo que se desenvolve, que
se alimenta, então teríamos o capital. Ter um
corpo ou organismo capaz de se desenvolver significa nascer e crescer. É nesse
desenvolvimento que a origem do capital parece desaparecer, na natureza
possivelmente fecunda do dinheiro. Mas de que maneira nasce o capital?
Naquela formula que assinala os giros da mercadoria e do
dinheiro, vamos acrescentar ao dinheiro um número que indica seu aumento
progressivo:
Dinheiro – Mercadoria – Dinheiro 1 – Mercadoria – Dinheiro 2 –
Mercadoria – Dinheiro 3 …
E é exatamente essa a formula do
capital: D – M – D1 – M –
D2 – M – D3 …
Como vimos, a resposta ao problema (encontrar um método de
fazer nascer o capital) estava contida na resolução de outro problema:
encontrar uma formula de fazer aumentar progressivamente o dinheiro.
2. Como nasce o capital
Observando atentamente aquela formula do capital (D – M – D1 –
M – D2 …), chega-se à conclusão de que a questão da origem do capital se
resolve, em última análise, nesta outra questão: encontrar um mercadoria que dê
mais dinheiro do que se gastou em sua compra. Em outras palavras, encontrar uma
mercadoria que, em nossas mãos, possa aumentar de valor, de tal modo que,
vendendo-a, se possa ganhar mais dinheiro. Portanto, deve ser uma mercadoria
bastante elástica para ser capaz de aumentar o seu valor, a sua grandeza de
valor. Esta mercadoria tão singular existe: é a forças de trabalho.
Aí está. O homem do dinheiro acumulou riqueza e quer dessa
riqueza criar um capital. Ele chega ao mercado com endereço certo: comprar
forças de trabalho. Vamos segui-lo! Ele anda pelo mercado e dá de cara com o
operário, que está ali exatamente para vender sua única mercadoria: a força de trabalho. Mas o operário não vende a sua
mercadoria de uma só vez e para sempre. Ele vende a sua força de trabalho em
parte, por um dado tempo, um dia, um mês, etc. Se o operário vendesse sua força
de trabalho, sua capacidade de trabalho inteiramente, não seria mais um
mercador e se transformaria ele mesmo, sua pessoa, em mercadoria; não seria
mais um assalariado, mas um escravo do seu patrão.
O preço da força de trabalho se calcula da seguinte maneira:
tomam-se os preços dos alimentos, da roupa, da habitação, enfim, de tudo que é
necessário ao trabalhador para se manter a sua força de trabalho durante o ano
e sempre em estado normal. Acrescenta-se, a esta primeira soma, o preço de tudo
que é necessário ao trabalhador para procriar, alimentar e educar seus filhos,
segunda condição: depois divide-se o total pelos dias do ano – 365 –, e se
saberá quanto, por dia, é necessário para manter a força de trabalho, o seu
preço diário, que é o salário diário do operário. O que o trabalhador precisa
para procriar, alimentar e educar seus filhos entra neste cálculo, porque os
filhos do trabalhador representam à continuação da força de trabalho. Assim, se
o operário vendesse por inteiro a sua força de trabalho, não apenas ele, mas
também seus filhos seriam escravos do seu patrão, eles seriam também,
mercadoria. Porém, como assalariados, ele tem o direito de conservar todo o
resto, que se encontra parte nele e parte nos filhos.
Com aquele calculo obtivemos o preço exato da força de trabalho.
A lei das trocas, como vimos no capítulo anterior, diz que uma mercadoria não
pode ser trocada por outra se não tiveram o mesmo valor; isto é, se o trabalho
que se requer para produzir uma não for igual ao trabalho que se requer para a
produção da outra. Ora, o trabalho que se exige para produzir o que é
necessário ao trabalhador e, portanto, o valor das coisas necessárias ao
trabalhador é iguala ao valor de sua força de trabalho; se o trabalhador
necessita de R$ 100,00 por dia para, comprar todas, as coisas que lhe são
necessárias, logicamente R$ 100,00 será o preço diário de sua força de
trabalho.
Pois bem. Sem alterar em nada o que falamos até aqui, podemos
supor que o salário diário de um operário alcance R$ 100,00. Suponhamos, ainda,
que em 6 horas de trabalho sejam produzidas 15 gramas de prata, que
equivalem aos R$ 100,00. Agora voltemos ao mercado.
Lá, enquanto isso, o homem do dinheiro fez um contrato com o
proprietário da força de trabalho, pagando o seu justo preço de R$ 100,00. Ele
é um burguês muito honesto e além disso, muito religioso, incapaz de especular
com a mercadoria do operário. Nem é necessário dizer que o salário do operário
só vai ser pago no fim do dia, ou da semana, ou do mês. Enfim, só depois que
ele trabalhou depois que ele produziu, é que ele recebe o salário. É o que
acontece também com outras mercadorias, cujo valor se realiza no uso, como é,
por exemplo, o caso de uma casa, ou do arrendamento de uma terra, cujo preço
precisa ser pago de acordo como prazo estabelecido.
Estes são os três elementos do processo do trabalho:
1) Força de trabalho;
2) Matéria-prima;
3) Meios de produção.
Bem voltemos ao nosso homem de dinheiro: depois de comprar a
força de trabalho, comprou também à matéria-prima, no caso algodão; os meios de
trabalho, isto é, a fábrica com todos os instrumentos e condições de trabalho,
já perfeitamente preparados. E agora, diz ele, saindo apressado do
mercado: Mãos à obra!
Uma certa transformação parece ter-se dado na fisionomia dos
personagens de nosso drama. O homem do dinheiro toma a dianteira, na qualidade
de capitalista, o proprietário da força de trabalho
segue-o, como seu trabalhador. Aquele, com a aparência honrada, satisfeita e
atarefada; o outro, tímido, hesitante, com a sensação de quem vendeu a própria
pele, no mercado e que agora não pode mais esperar outra coisa senão… ser
esfolado.
Enfim chegam à fábrica. O capitalista se apressa em botar o
seu operário para trabalhar, entregando-lhe dez quilos de algodão. Antes que me
esqueça, esse operário é fiandeiro, produz fio de algodão.
É consumindo os seus três elementos: a força de trabalho, a
matéria-prima e os meios de trabalho, que o trabalho se realiza.
O consumo dos meios de trabalho calcula-se do seguinte modo:
da soma do valor de todos os meios de trabalho – o prédio, suas instalações, as
ferramentas, o óleo, a eletricidade, etc. – subtrai-se a soma do valor dos
meios de trabalho consumidos no processo de trabalho; dividindo-se o resultado
dessa subtração pelo número de dias que os meios de trabalho possam durar,
temos o consumo diário dos meios de trabalho.
Parece complicado, não? Vamos repetir isso, exemplificando com
números:
Suponhamos que os meios de trabalho (a fábrica com suas
instalações, máquinas, ferramentas, etc.) devam durar 10 anos ou 3650 dias. Por
todos esses meios de trabalho, o capitalista desembolsou, por exemplo, R$
1.460.00,00. Dividindo-se essa quantia por 3650 dias, temos R$ 400, 00, que
corresponde ao consumo diário dos meios de produção.
O nosso operário trabalhou durante toda uma jornada de 12
horas. Ao final dessa jornada ele transformou os 10 quilos de algodão bruto em
10 quilos de fio; entregou-os ao patrão e deixa a fábrica, retornando para a
casa. No caminho, como todo o operário, ele vai fazendo as contas, para saber
quanto o seu patrão poderá ganhar com aqueles dez quilos de fio.
– Não sei exatamente quanto custa o fio – vai dizendo para si
mesmo -, mas, de qualquer modo, a conta está praticamente feita. O algodão cru,
eu mesmo vi que ele comprou no mercado: R$ 300,00 por quilo. Todas as suas
ferramentas podem ter um consumo, digamos de R$ 400,00 por dia. Bem:
10 quilos de algodão R$
3.000,00
Desgaste diário dos meios de produção R$ 400,00
Meu trabalho hoje R$ 100,00
Total da produção dos 10quilos de
algodão R$
3.500,00
Ora, certamente, sobre o algodão ele não ganhou nada: pagou o
seu justo preço, nem um centavo a mais, nem um centavo a menos; do mesmo modo
ele comprou minha força de trabalho, pagando seu justo preço de R$ 100,00 por
dia.
Então continua pensando nosso fiandeiro, ele só pode ganhar
vendendo o fio acima do seu valor. Não pode vir de outra coisa, ele nunca
perderia tempo e energia, gastando R$ 3.500,00, para depois vender tudo e
receber os mesmíssimos R$ 3.500,00. Oh! Como são os patrões! A nós
trabalhadores, traquejados no mercado, ele não tem como disfarçar… E esses
patrões têm ainda a mania de bancarem os honestos na frente dos trabalhadores…
mas é um roubo vender uma mercadoria por mais do que ela vale; venderá com peso
falso, um quilo de novecentos gramas. Isto é proibido por lei. É um roubo! As
autoridades vão ter que fechar suas fabricas. Vai ser bom! Em seu lugar,
construiremos grandes fabricas públicas, onde nós produziremos as mercadorias
de que precisamos.
Assim fantasiando, o operário chega em casa.
Após jantar, se enfia na cama e adormece profundamente, sonhando com o
desaparecimento dos capitalistas da face da terra e com as grandes fabricas públicas.
Dorme pobre amigo, dorme, enquanto te resta uma esperança. Dorme
em paz, que os dias de desengano não tardarão a chegar. Mais cedo do que
pensas, vais entender por que os capitalistas podem perfeitamente vender sua
mercadoria com lucro, sem para isso precisar enganar a ninguém. Ele mesmo te
mostrara como pode ser tornar capitalista e mesmo um grande capitalista, sem
perder um fio de honorabilidade. Então, o teu sono não será mais tão tranquilo
assim. Verás, em tuas noites, o capital, como um pesadelo, que te oprime e
ameaça sufocar-te. Com os olhos e terrorizados, vais vê-lo crescer, como um
monstro com cem dentes de vampiro penetrando nos poros do teu corpo, para
chupar o teu sangue. Tomando proporções desmesuradas e gigantescas, de sombrio
e terrível aspecto, com olhos e boca de fogo, vais vê-lo transformando suas
garras em uma enorme tromba aspirante em que vão desaparecendo milhares de
seres humanos: homens, mulheres, crianças. De tua fronte corre agora um suor de
morte, porque o monstro está se aproximando, para agarra a ti, tua mulher e
teus filhos. Mas teu último gemido será abafado pelo riso apavorante do
monstro, satisfeito em sua gula. Quanto mais prospero, mais desumano…
Voltemos ao nosso homem do dinheiro.
Este burguês modelo de exatidão e ordem acertou assuas contas
do dia; vejam como ele calculou o preço dos seus dez quilos de fio:
Dez quilos de fio (R$ 300,00 por quilo) R$ 3.000,00
Desgaste diário dos meios de produção R$ 400,00
Mas, quanto ao terceiro elemento, que entrou na formação de
sua mercadoria, que é o salário pago ao operário, ele nada assinalou isto,
porque conhece muito bem a diferença que há entre preço da força de trabalho e
o preço do produto da força de trabalho.
O salário de uma jornada de trabalho representa o necessário
para manter o operário em 24 horas, mas não representa de fato o que o operário
produziu em uma jornada de trabalho. O nosso homem do dinheiro sabe
perfeitamente que os R$ 100,00 de salário que ele paga, representam a
manutenção de seu operário por 24 horas e não o que este produziu nas 12 horas
de trabalho em sua fábrica. Ele sabe tudo isso, exatamente como o agricultor
sabe a diferença que existe entre o que é manutenção de uma vaca com seus
currais, alimentação, etc., e o que esta vaca produz em termos de leite,
queijo, manteiga, etc.
A força de trabalho tem uma propriedade singular de render
mais do que custa e é por isso que o homem do dinheiro vai buscá-la no mercado.
E o operário não pode reclamar, porque ele pagou o preço justo pela sua
mercadoria. A lei das trocas foi rigorosamente observada. Além do que, o operário
não tem que se meter no uso que o comprador fará de sua mercadoria, do mesmo
modo que o dono do armazém nada tem a ver com o uso que seu freguês dá às
mercadorias que vende.
Página atrás, supôs que em 6 horas de trabalho se
produzem 15 gramas de prata, equivalentes a R$ 100,00. Ora, se em 6
horas a força de trabalho produz um valor de R$ 100, 00, em 12 horas produzirá,
portanto um valor de R$ 200,00. Assim, o valor dos 10 quilos de fio passa a ser
calculado desse modo:
Dez quilos de fio (R$ 300,00 por quilo) R$ 3.000,00
Desgaste diário dos meios de produção R$ 400,00
Pelas 12 horas de trabalho da força de trabalho R$ 200,00
Total R$ 3.600,00
O homem do dinheiro, depois de ter gasto R$ 3.500,00, obteve
uma mercadoria que vale R$ 3.600,00. Consegui, portanto, embolsar R$ 100,00. O
seu dinheiro deu cria; pronto, resolvemos o problema: o capital acaba de
nascer.
3. A jornada de
trabalho
Nem bem nasceu, o capital sente a necessidade imediata de
alimento para se desenvolver. E o capitalista, que vive somente para a vida do
capital, preocupa-se atentamente com as necessidades deste ser, tornando-se o
seu coração e sua lama, sabendo como alimentá-lo.
O primeiro meio empregado pelo capitalista em benefício do
capital é o prolongamento da jornada de trabalho. Obviamente, a jornada de
trabalho tem seus próprios limites. Antes de mais nada, um dia não tem mais de
24 horas. Dessas 24 horas, já se tem que eliminarem umas tantas, pois o operário
precisa satisfazer suas necessidades físicas e espirituais: dormir, comer,
descansar para criar nova força, ler, passear, etc. Fala Marx: Mas estes
limites são, por si mesmos, muito elásticos e deixam muito espaço para manobra.
Assim, encontramos jornadas de trabalho de 6, 10, 12, 14, 16 e 18 horas, ou
seja, das mais variadas durações e o capitalista comprou a força de trabalho
pelo seu valor diário. Com isto, ele adquiriu o direito de fazer trabalhar,
durante todo um dia, o trabalhador que está a seu serviço. Mas o que é afinal
um dia de trabalho? Em todos os casos, é menor do que um dia natural. Mas, de
quanto? O capitalista tem sua própria maneira de ver a questão sobre o limite
necessário da jornada de trabalho. O tempo durante o qual o operário trabalha,
é o tempo durante o qual o capitalista consome sua força de trabalho, que ele
comprou do seu operário. Se o assalariado consome o tempo que tem disponível,
para si mesmo, ele está roubando o capitalista. O capitalista não se apoia em
outra coisa que não seja a lei das trocas das mercadorias. Ele, como todo
comprador, procura tirar da mercadoria, do seu valor de uso, o maior benefício
possível. Mas eis que o operário levanta a voz e diz:
“A mercadoria que te vendi se distingue de todas as outras mercadorias,
porque o seu uso cria valor, e um valor maior do que seu próprio custo. E é por
isso que compraste. O que para ti parece ser crescimento de capital, para mim é
excesso de trabalho. Tu e eu não conhecemos outra lei, que não seja a da troca
das mercadorias. O consumo da mercadoria não pertence ao vendedor, que a
aliena, mas o comprador, que a adquire. O uso de minha força de trabalho te
pertence, pois. Mas com o preço diário de sua venda, eu devo todos os dias
poder reproduzi-la, para vendê-la de novo. Tirando a idade e outras causas
naturais de desgastes, preciso amanhã estar tão forte e capaz como hoje, para
retomar o meu trabalho com a mesmíssima força. Tu me pregas constantemente o
evangelho da “economia” e da “abstinência”. Taí! Quero ser um administrador
sábio e inteligente para economizar a minha única fortuna: minha força de
trabalho; devo abster-me, portanto, de qualquer esbanjamento. Quero,
diariamente, coloca-la em movimento, pô-la a trabalhar, enfim, gasta-la apenas
quando for compatível com sua duração normal e seu desenvolvimento natural.
Além do que, com um prolongamento na jornada de trabalho, podes em um só dia
mobilizar uma quantidade tão grande de minha força de trabalho que não vou
repô-la nem com três jornadas. O que ganhas em trabalho, eu perco em
substancia. Presta, pois, muita atenção: o emprego de minha força de trabalho e
o seu desfrute são duas coisas distintas, muito distintas. Se eu, como
operário, vivo em média 30 anos, trabalhando num ritmo médio razoável, e tu
consomes aminha força de trabalho em dez anos, tu não me pagas mais do que um
terço de seu valor diário; portanto roubas de mim, todos os dias, dois terços
de minha mercadoria. Exijo, pois, uma jornada de trabalho de duração normal, e
a exijo sem apelar para seu coração, porque em negócios não se põe
sentimento. Tu podes ser um burguês modelo; até pertencer à Sociedade Protetora
dos Animais e, ainda por cima, exalar cheiros de santidade… Pouco importa
o que representas. És inteiramente estranho aos interesses do meu coração.
Exijo a jornada normal, porque quero o valor da minha mercadoria como qualquer
outro vendedor. Come se vê, estamos entre limites muitos elásticos e a
natureza mesma da troca não impõe nenhum limite a jornada de trabalho. O
capitalista mantém seu direito como comprador, quando procura prolongar a
jornada de trabalho o máximo possível e tentando fazer de dois dias, um só. Por
outro lado, a natureza especial da mercadoria vendida exige que o seu consumo
pelo comprador não seja ilimitado, e o trabalhador mantém seu direito como
vendedor, quando quer restringir a duração da jornada de trabalho a uma duração
normalmente determinada. Direito contra direito, entre o capitalista e o
trabalhador, de acordo com a lei de trocas das mercadorias, há um empate. E, o
que decide entre dois direitos iguais? A força.
Como se emprega essa força, que hoje é toda do capital e para
o capital, nos dirão os fatos que agora exporemos. O que vamos contar neste
livro são quase todos os episódios do capital na Inglaterra. Em primeiro lugar,
porque foi lá o país em que a produção capitalista chegou ao máximo
desenvolvimento (obs. este livro foi escrito em 1878); e em segundo lugar,
porque somente na Inglaterra encontramos uma quantidade adequada de documentos,
falando das condições de trabalho e recolhidos por obra de comissões
governamentais, instituídas para este fim. Os modestos limites deste manual não
nos permitem, entretanto, reproduzir mais do que uma pequeníssima parte do rico
material recolhido na obra de Marx. Eis aqui alguns dados de uma pesquisa
feita entre 1860 e 1863, na indústria de cerâmica:
W. Wood, de nove anos, tinha 7 anos e meio quando começou a
trabalhar. Wood trabalhava todos os dias da semana, das 6 da manhã até às 9 da
noite, ou seja, 15 horas por dia. J. Murray, de 12 anos, trabalhava numa
fábrica, trazendo as formas e girando uma roda. Ele começava a trabalhar às
seis da manhã, às vezes, às quatro; seu trabalho era prolongado de tal modo,
que muitas vezes entrava pela manhã seguinte adentro. E isto em companhia de
outros 8 ou 9 meninos que eram tratados do mesmo modo do que ele.
O médico Charles Parsons assim escreveu a um comissário do
governo: “Falo com base em minhas observações pessoais e não sobre dados
estatísticos. Não posso esconder minha revolta ao ver o estado destas pobres
crianças, cuja saúde é sacrificada por um trabalho excessivo, para satisfazer a
cobiça dos seus pais e de seus patrões.”
Ele enumera ainda vários casos de doenças e conclui a relação
com a causa principal: as longas horas de trabalho. Nas fábricas de
fósforos, a metade dos trabalhadores eram crianças com menos de 13 anos e
adolescentes com menos de 18 anos. Somente a parte mais pobre da população cede
seus filhos a esta indústria tão insalubre e imunda. Entre as vítimas interrogadas
pelo comissário White, 270 não tinham mais que 18 anos; 40 tinham menos de 10
anos; 12 tinham 8 anos e 5 tinham apenas 6 anos. A jornada de trabalho nessas
fábricas variava entre 12, 14 e 15 horas. Eles trabalhavam durante a noite e
comiam nas poucas horas incertas, quase sempre no mesmo local de produção, tudo
empestado pelo fósforo.
Nas fabricas de tapete, nas épocas de grande movimento, como
nos meses que antecedem o Natal, o trabalho durava, quase sem interrupção, das
6 da manhã, até às 22 horas. No inverno de 1862, de 19 meninas, 6 contraíram
doenças por causa do excesso de trabalho. Para mantê-las acordadas durante o
trabalho, era necessário estar sempre gritando e sacudindo-as. As mesmas viviam
tão cansadas, que não podiam manter os olhos abertos. Um operário
depôs à Comissão de Inquérito nestes termos:
“Este meu garoto, quando tinha 7 anos de idade, eu o levava
nas costas, por causa da neve, da casa para a fábrica,
da fábrica para a casa. Meu garoto trabalhava normalmente 16 horas por dia.
Muitas vezes, tive de me ajoelhar
para alimentá-lo, enquanto ele estava na máquina, porque nem podia abandona-la,
nem desligá-la.”
Pelos fins de junho de 1863, os jornais de Londres destacavam
em suas manchetes a morte de uma costureira de 20 anos, por excesso de
trabalho. Ela morrera nas dependências da manufatura em que trabalhava. A
jornada de trabalho nessa manufatura era de 16 horas e meia por dia.
Entretanto, por causa de um baile no palácio do governo, para quem a empresa
executava encomendas, suas operarias tiveram que trabalhar 26 horas e meia, sem
parar. Eram cerca de 60 moças que trabalhavam em péssimas condições, espremidas
no reduzido espaço da oficina. A modista das manchetes do dia seguinte, além
disso, dormia em um quarto muito estreito e sem ventilação. Ela morrera antes
de concluir sua jornada de trabalho. O médico chegou tarde demais. Em seu
laudo, além de observar as condições de trabalho das costureiras, assinalou a
causa mortis: excesso de trabalho. Em uma das regiões mais populosas
de Londres, morriam anualmente, 31 entre cada 1000 serralheiros. E o que pode
ter a natureza humana contra essa profissão? Nada! Mas o excesso de trabalho
tornou-a destrutiva para o homem. Assim, o capital, tortura o trabalho, o
qual depois de muito sofrer, procura finalmente, defender-se. Os trabalhadores
se organizam e exigem que o Estado determine a duração para a jornada de
trabalho. E o que se pode esperar disso? Resposta fácil, considerando que a lei
é feita e aplicada pelos mesmos capitalistas: os operários deveram estar sempre
atentos às medidas tomadas pelos patrões e unidos para protegerem suas vidas.
4. A mais-valia
relativa
A força de trabalho, produzindo um valor maior do que vale,
isto é, uma mais-valia, gerou o capital, aumentando ainda mais esta mais-valia
através do prolongamento da jornada de trabalho, conseguiu o tal alimento
suficiente para a sua primeira idade.
O capital vai crescendo e a mais-valia precisa ir aumentando
para satisfazer essa crescente necessidade. Mas o aumento de mais-valia, comi
vimos até agora, não quer dizer outra coisa que prolongamento da jornada de
trabalho. É claro que essa jornada tem o seu limite natural, que por mais
elástica que seja a sua duração. Por mais reduzido o tempo que o capitalista
deixa ao trabalhador para que ele satisfaça as suas mais prementes
necessidades, a jornada de trabalho será sempre menor do que 24 horas.
Portanto, a jornada de trabalho tem um limite natural, e a mais-valia, por
conseguinte, encontra um obstáculo instransponível. Indiquemos a jornada de
trabalho com sua a linha AD:
A — B — C — D
A letra A nos indica o principio, e a D o fim, o limite
natural que não se pode ultrapassar. Seja AC a parte da jornada na qual o
operário produz o valor do salário recebido e CD a parte da jornada em que o operário
produz mais-valia. Como vimos o nosso fiandeiro recebendo R$ 100,00 de
salário, com uma metade de sua jornada reproduzindo o valor de seu salário e
com a outra metade produzia R$ 100,00 de mais-valia.
O trabalho AC, com o qual se produz o valor do salário,
chama-se trabalho necessário, enquanto o trabalho CD, que produz a mais-valia
chama-se trabalho excedente ou sobre-trabalho. O capitalista está interessado
no sobre-trabalho, porque é ele quem cria a mais-valia. O sobre-trabalho
prolonga a jornada de trabalho, o qual encontra seu limite natural D,
representando um obstáculo instransponível para o sobre-trabalho e para a
mais-valia. E agora, o que fazer? O capitalista encontra logo o remédio. Ele
observa que o sobre-trabalho tem dois limites, um D quando termina o fim da
jornada; o outro C – quando acaba o tempo de trabalho necessário. O limite D é
irremovível; o capitalista não pode criar um dia com mais de 24 horas. Mas o
mesmo não acontece com o limite C. Diminuindo o tempo de trabalho necessário C,
recuando-o até o ponto B, o sobre-trabalho CD aumenta sua extensão. A
mais-valia encontra, assim, uma forma de continuar crescendo; agora, não mais
de modo absoluto, isto é, simplesmente prolongando a jornada de trabalho. A
partir desse momento, a mais-valia cresce em relação ao aumento do
sobre-trabalho e corresponde a diminuição do trabalho necessário. No primeiro
tipo de exploração, que chamamos de mais-valia absoluta, o patrão esticava a
jornada de trabalho de 10 para 12 horas; no segundo tipo de exploração, que
chamamos de mais-valia relativa, o capitalista embolsa, diminuindo o tempo de
trabalho necessário.
O fundamento da mais-valia relativa
é a diminuição do trabalho necessário. Esta diminuição se fundamenta na
diminuição do salário. E a diminuição do salário se fundamenta na diminuição
dos produtos necessários ao trabalhador; portanto a mais-valia relativa é
fundamentada no barateamento das mercadorias que servem o operário.
Alguém está se perguntando agora, se não haveria um jeito mais
simples para o capitalista arrancar a mais-valia relativa, se ele, por exemplo,
ao comprar a mercadoria do trabalhador, ou seja, a sua força de trabalho, lhe
pagasse um salário menor do que lhe cabe; isto é, não lhe pagasse o justo preço
de sua mercadoria.
De fato, este expediente é muito usado. Mas aqui, só vamos
considerar a lei das trocas em toda a sua pureza: todas as mercadorias –
incluindo a força de trabalho – devem ser vendidas ser compradas pelo justo
valor. E, além disso, o nosso capitalista é um burguês absolutamente honesto,
jamais usará de qualquer meio para fazer crescer seu capital que não seja
inteiramente digno dele.
Suponhamos que em uma jornada de trabalho de 12 horas um
operário produza 6 unidades de uma mercadoria. O capitalista vende essas 6 unidades
pelo preço de R$ 75,00. No valor desta mercadoria entram:
Matéria-prima e meios de produção R$ 15,00
Salário R$
30,00
Mais-valia R$
30,00
Total R$
75,00
Em cada mercadoria ele ganha R$ 5,00 de mais-valia (R$ 30,00 /
6 unidades) e gasta R$ 7,50 (R$ 45,00 / 6 unidades) para produzi – lá.
Ele vende cada unidade ao valor de R$ 12,50 (R$ 75,00 / 6
unidades).
Agora, suponhamos que, graças a um novo sistema de trabalho ou
simplesmente com o aperfeiçoamento do antigo, a produção duplique: em vez de 6
unidades por dia, o capitalista produza 12 unidades. Vejamos como ficam as
contas:
Matéria-prima e meios de produção (dobro) R$ 30,00
Salário R$ 30,00
Mais-valia
R$ 30,00
Total R$ 90,00
Ele vende cada unidade ao valor de R$ 7,50 (R$ 90,00 / 12
unidades).
No mercado de hoje, portanto, o capitalista precisa de um
espaço maior para vender o dobro de suas mercadorias, o que ele consegue
vendendo-as um pouco mais barato (de R$ 12,50 para R$ 7,50). Em outras palavras
o capitalista tem a necessidade de encontrar uma razão pelas quais suas
mercadorias possam ser vendidas, em quantidade duas vezes maior do que antes; e
a razão ele encontra, lógico, na baixa de preço.
Ele venderá os seus artigos a um preço menor que R$ 12, 50,
que era o seu preço anterior, mas mais caro do que R$ 7,50 que é o valor de
hoje de cada um.
Digamos que o venda a R$ 10,00 e já terá assegurado o dobro R$
60,00 – foi o quanto lucrou com a venda de seus produtos – dos quais R$ 30,00
são a mais-valia e os outros R$ 30,00 ele conseguiu da diferença entre o valor
real e o preço pelo qual foram vendidos.
Como veem o capitalista não dorme no ponto, tirando grande
proveito do aumento da produção. Todos os capitalistas são altamente
interessados em aumentar a produção de suas indústrias, como acontece hoje em
dia em quase todos os ramos da produção. Mas aquele lucro extra que ele
retirava da diferença entre o valor da mercadoria e os eu preço de venda dura
pouco; o novo ou o aperfeiçoado sistema de produção passa a ser adotado, pelos
outros capitalistas. Resultado: o valor da mercadoria cai para a metade. Antes,
cada artigo valia R$ 12,50 e agora vale R$ 6,25. Mas o capitalista continua
tendo o mesmo lucro, apenas dobrando a produção. Antes, R$ 30,00 de mais-valia
em 6 unidades; hoje a mesma mais-valia, R$ 30,00, entretanto em 12 unidades. Mas como os 12 artigos foram produzidos no
mesmo tempo em que eram produzidos os 6 artigos, isto é, em 12 horas de
trabalho, tem-se sempre os R$ 30,00 de mais-valia em uma jornada de 12 horas,
mas o dobro da produção.
Quando esse aumento da produção atinge os produtos necessários
ao trabalhador e sua família, cai o preço da força de trabalho e com isso
diminui também o tempo de trabalho necessário, aumentando o sobre-trabalho, que
constituí a mais-valia relativa.
5. Cooperação
Vamos deixar um pouco de lado nosso capitalista, a esta altura,
próspero e rico, vamos para sua fábrica e lá teremos o prazer de rever nosso
amigo, o fiandeiro. Venham aqui, juntos. Pronto já entramos.
Púúúú… Quantos operários! Não é somente um, mas muitos e em
pleno trabalho. Todos em silêncio e ordenados, assim como se fossem soldados.
Parecendo oficiais, lá estão apontadores chefes que passeiam no meio deles,
dando ordens e vigiando o cumprimento file do trabalho. Do capitalista nem
sombra. Ei! Espere é o patrão… Vamos dar uma espiada. O tipo tem mesmo muita figura,
é muito sério também, mas não é o patrão, não é o capitalista. Pssiu… (Alguns
subordinados se aproximam do homem; todos solícitos, ouvem suas ordens com a
máxima atenção.) Trimm! Trimm! Telefone! A secretaria atendeu e agora está
comunicando ao senhor diretor que o patrão chama imediatamente para uma
reunião. Bem, mas onde está fiandeiro, nosso velho conhecido? Como encontra-lo
no meio de tantos operários?
Ah! Lá está ele! Ali no canto,
inteiramente concentrado no seu trabalho. Nossa! Como emagreceu! E vejam como
está pálido! E que tristeza é aquela! Nem parece o mesmo homem que vimos no
mercado a tratar, de igual para igual, a venda da sua força de trabalho com o
homem do dinheiro… Mas, nada de considerações! Hoje ele é um operário como
outro qualquer. Como muitos dos seus colegas, ele é oprimido por uma jornada de
trabalho cavalar, enquanto o homem do dinheiro tornou-se um grande capitalista
e vive agora como um deus, lá no alto do seu Olimpo, de onde manda suas ordens
através de um verdadeiro séquito de intermediários.
Mas, a final, o que aconteceu? Nada mais simples. O
capitalista prosperou, teve sucesso. O capital cresceu e muito. E para
satisfazer as suas novas necessidades, o capitalista estabeleceu o trabalho
cooperativo, que é o trabalho realizado com a união de muitas forças. Naquela
fábrica, que antes empregava uma só força de trabalho, hoje atuam muitas forças
de trabalho em cooperação. O capital saiu de sua infância e se apresenta,
pela primeira vez, como o seu verdadeiro aspecto.
E que vantagens o capital leva na cooperação?
Pelo menos quatro:
a) Primeira vantagem:
na cooperação, o capital tem a vantagem de realizar a verdadeira força de
trabalho social. Já vimos: força de trabalho social é a força média entre um
número de operários, trabalhando com um grau médio de habilidade e intensidade,
em um determinado centro de produção. Um operário sozinho pode ser muito hábil
ou menos hábil do que a força média ou social, e esta só pode ser medida
juntando na fábrica um grande número de forças de trabalho, trabalhando em
cooperação, uma com as outras.
b) A segunda vantagem
está na economia dos meios de trabalho. O mesmo prédio, as mesmas instalações,
etc., que antes serviam apenas a um, hoje servem para muitos operários.
c) Terceira vantagem:
é o aumento da força de trabalho. O poder de ataque de um esquadrão de
cavalaria ou o poder de resistência de um regimento de infantaria difere
essencialmente da soma de forças individuais de cada cavalariano ou de cada
infante. Do mesmo modo, a soma das forças mecânicas dos trabalhadores isolados
difere da força social que se desenvolve quando muitas mãos agem
simultaneamente, na mesma operação indivisa, por exemplo, quando é necessário
levantar uma carga, girar uma pesada manivela ou remover um obstáculo.
d) A Quarta vantagem
é a possibilidade de combinar a união de forças de trabalho para a execução de
trabalhos que uma força isolada jamais conseguiria, e se tentasse o faria de
modo imperfeito. Quem ainda não viu 50 operários, em apenas uma hora, podem
transportar uma carga enorme, enquanto uma única força de trabalho não
conseguiria, nem mesmo em 50 horas, mover um milésimo dessa carga? Quem não viu
ainda, numa construção, como 12 operários dispostos em fila transportam em uma
hora uma quantidade de tijolos imensamente maior do que um só operário
conseguiria em 12 horas? Quem não sabe que 20 pedreiros fazem em um dia de
trabalho que um trabalhador isolado não faria em 20 dias?
A cooperação é o modo fundamental da produção capitalista.
Conclui Marx, encerrando mais este capitulo.
6. Divisão do
trabalho e manufatura
Quando um capitalista reúne na sua fábrica os operários e cada
um executa as diferentes operações que criam a mercadoria, ele dá à cooperação
simples um caráter todo especial: ele estabelece a divisão do trabalho e a
manufatura. A manufatura nada mais é do que um mecanismo de produção cujos
órgãos são os seres humanos.
Embora a manufatura se baseie sempre na divisão do trabalho,
ele tem uma dupla origem: em alguns casos, a manufatura reuniu na mesma fábrica
os diversos ofícios necessários à produção de uma mercadoria; estes ofícios
estavam antes, como todas as atividades artesanais, separados e divididos entre
si. Em outros casos, a manufatura dividiu as diferentes operações de um trabalho
que antes formavam um todo na produção de uma mercadoria, e juntou-as na mesma
fábrica.
Por exemplo, uma carruagem, dessas que a gente vê no cinema,
era o produto global doa trabalhos de numerosos artesãos independentes como o
carpinteiro, o estofador, o costureiro, o serralheiro, o torneiro, o
passamenteiro, o vidreiro, o pintor, o envernizador, o dourador, etc. A
manufatura de carruagens reuniu todos esses diferentes artífices numa mesma
fábrica, onde trabalham simultaneamente, colaborando um com o outro. Não se
pode dourar uma carruagem antes de estar pronta; se, porém, muitas carruagens
são feitas ao mesmo tempo, umas podem ser douradas enquanto outras se encontram
em outras fases do processo de produção. A fabricação da agulha, por exemplo, foi
dividida pela manufatura em mais de 20 operações parciais, que agora fazem
parte do processo de fabricação total dessa agulha. A manufatura, portanto, ora
reuniu vários ofícios em um só, ora dividiu um mesmo oficio em muitos.
A força e os instrumentos de trabalho foram também
multiplicados pela manufatura, mas ela os tornou terrivelmente técnicos e
simples porque foram reduzidos a uma única e invariável operação elementar.
São as grandes vantagens que o capital realiza na manufatura
ao determinar essas tarefas elementares e repetitivas para diferentes forças de
trabalho, pois a força de trabalho ganha muito em intensidade e precisão. Todos
aqueles poros, aqueles pequenos intervalos diferentes entre as diferentes fases
de um processo de elaboração de uma mercadoria que a gente encontrava no
trabalhador isolado, desaparecem, quando, agora, esse mesmo trabalhador executa
sempre a mesma operação. O trabalhador daqui para frente não precisa mais
passar anos a fio, aprendendo um oficio, o que ele precisa e saber executar
apenas uma das muitas operações que formam todo um oficio e essa operação ele
aprende em muito pouco tempo. Esta diminuição de custos e de tempo é também uma
diminuição de coisas necessárias ao trabalhador, ou seja, uma diminuição de
tempo de trabalho necessário e um aumento correspondente de sobre-trabalho e
mais valia. O capitalista, pois, verdadeiro parasita, à custa do trabalho
alheio, cada vez mais rico e o trabalhador, por isso, sofrendo cada vez mais.
Enquanto a cooperação simples, em geral, não pode modificar o
modo de trabalhar do individuo, a manufatura o revoluciona inteiramente e se
apodera da força individual de trabalho em suas raízes. Deforma monstruosamente
o trabalhador, levando-o artificialmente a desenvolver uma habilidade parcial,
à custa da repressão de um mundo de instintos e capacidades produtivas,
lembrando aquela pratica das regiões platinas, onde se mata um animal, apenas
para tirar-lhe a pele e o sebo.
Não só trabalho é dividido e suas diferentes frações
distribuídas entre os indivíduos, mas o próprio individuo é mutilado e
transformado em instrumento automática de um trabalho parcial, tornando-se
realidade, assim, a fábula absurda do patrício romano Menennius Agrippa, em que
o ser humano aparece representado por um único fragmento de seu próprio corpo,o
estômago. Dugald Steawart chama os trabalhadores de manufatura
autômatos vivos, empregados na fração de um trabalho.
Originariamente, o trabalhador vendia sua força de trabalho ao
capital por lhe faltarem os meios materiais para produzir uma mercadoria.
Agora, sua força individual de trabalho não funciona se não estiver vendida ao
capital; para poder funcionar, ela necessita daquele centro social que só
existe na fábrica do capitalista. O povo eleito trazia escrito na testa que era
propriedade de Jeová; do mesmo modo, a divisão do trabalho ferreteia o
trabalhador com marca de seu proprietário: o capital. Storch dizia: “o operário
que dominha um ofício completo pode trabalhar por toda a parte para se manter,
o outro, o da manufatura, é quase apenas um acessório e, separado de seus
colegas de trabalho, não tem capacidade, nem independência, sendo forçado a
aceitar a norma que lhe querem impor”.
As forças intelectuais da produção – continua Marx – se tornam
bitoladas, ao se desenvolverem em apenas um sentido, tolhidas em tudo que não
se enquadrem em sua unilateralidade. O que esses trabalhadores parciais perdem
se concentra no capital que com eles se confronta. As forças intelectuais da
produção material, com a divisão manufatureira do trabalho, aparecem ao
operário como propriedades de outros e como poder que os domina. Esse processo
de dissociação já começa com a cooperação simples, em que o capitalista
representa para o trabalhador isolado a unidade e a vontade do trabalhador coletivo.
Na manufatura, esse processo se desenvolve e mutila o
trabalhador a ponto de reduzi-lo a uma partícula de si mesmo. Na indústria
moderna, temos o processo completo, perfeito, que faz da ciência uma força
produtiva independente do trabalho e que a recruta para servir ao capital.
Na manufatura, o enriquecimento do trabalho coletivo e , por
isso, do capital, em forças produtivas sociais, realiza-se as custas do
empobrecimento da força produtiva do trabalhador individual.
“A ignorância”, diz Ferguson, “é a mãe da indústria como é da
superstição. O raciocínio e a imaginação estão sujeitos a erros; mas o hábito
de mover o pé ou a mão não depende nem de um, nem de outra. Por isso, as
manufaturas prosperam mais onde se requer menos inteligência, de modo que, não
tendo necessidade de forças intelectuais, a fábrica pode ser considerada como
uma máquina cujas peças são os seres humanos”.
Marx, para ilustrar o caso desse trabalhador mutilado, nos
fala de algumas manufaturas que, em meados do século 18, empregavam de
preferência indivíduos meio idiotas, em certas operações simples, mas que eram
segredos de fabricação.
Smith disse sobre a imbecilidade do trabalhador parcial: “a
inteligência da maior parte dos homens se forma necessariamente no decorrer de
sua ocupação do dia-a-dia. Um homem, que passa toda a vida a executar um
pequeno número de operações simples, não tem nenhuma condição desenvolver a sua
inteligência, nem de exercitar a sua imaginação… Ele se torna, em geral, tão
estúpido e ignorante quanto uma criatura humana pode vir a sê-lo”. E, continua
Adam Smith: “A uniformidade da vida estacionária corrompe naturalmente a ânimo
desse trabalhador… Chega mesmo a destruir a energia de seu corpo, tornando-o
incapaz de empregar suas forças com vigor e perseverança em qualquer outra
tarefa que não seja aquela para que foi adestrado. Assim, sua habilidade em seu
oficio particular parece adquirida com o sacrifício de suas virtudes
intelectuais, sociais e guerreiras. E em toda a sociedade desenvolvida e
civilizada, esta é a condição a que ficam necessariamente reduzidos os pobres
que trabalham, isto é, a grande massa do povo”
Para remediar esta degeneração completa que resulta da divisão
do trabalho. Adam Smith receita em doses prudentemente homeopáticas o ensino
popular pago pelo Estado. Essa idéia de Smith, que era um inglês, foi combatida
com coerência pelo seu tradutor e comentador francês, G. Garnier, que, no
primeiro império francês, encontrou condições naturais para se transformar
em senador. Segundo esse sujeito, a instrução popular é contrária às leis da divisão do trabalho e adota – lá seria o mesmo que acabar com todo o nosso sistema social. Vejam como ele se expressou:
em senador. Segundo esse sujeito, a instrução popular é contrária às leis da divisão do trabalho e adota – lá seria o mesmo que acabar com todo o nosso sistema social. Vejam como ele se expressou:
“Como todas as outras divisões do trabalho, a que existe entre
o trabalho mecânico e o trabalho intelectual se torna mais acentuada e mais
evidente à medida que a sociedade (e esse Garnier chama de “sociedade” o Estado
com a propriedade da terra, o capital etc.) se torna mais rica. Como qualquer
outra divisão do trabalho, esta é a conseqüência de progressos passados e causa
de progressos futuros… deve então o governo contrariar essa divisão e retardar
sua marcha natural? Deve empregar uma parte da receita pública para confundir e
misturar as duas espécies de trabalho que tendem por si mesma se separar?”.
“A arte de pensar, num tempo em que tudo está separado, pode
mesmo se constituir em um ofício à parte”, escreveu Ferguson.
Certa deformação física e espiritual é inseparável mesma da
divisão do trabalho na sociedade. Mas, como o período manufatureiro leva muito
mais longe a divisão social do trabalho e, como sua divisão peculiar, ataca o
individuo em suas raízes vitais,é esse período que primeiro fornece o material
e o impulso para a patologia industrial. Ramazzini, professor de medicina
prática em Pádua, Itália, publicou em 1713 a sua obra “De Morbis
Artificum” (Da morte artificial), sobre doenças entre artesãos. A lista de
doenças que atingem o operário foi, naturalmente, muito aumentada com a
indústria moderna, como demonstram os escritores que vieram depois dele: Dr. A.
L. Fonterel, Paris, 1858; Eduardo Reich, Erlangen, 1868 e outros, além de uma
pesquisa muito importante encomendada pela Sociedade de Artes e Ofícios, em
1854, na Inglaterra, sobre a saúde pública.
“Subdividir um homem é executá-lo, se merece a pena de morte;
é assassiná-lo se não merece. A subdivisão do trabalho é o assassinato de um
povo”, afirmou o Dr. Urquhart, em 1865.
Hegel, um dos grandes pensadores na história da filosofia,
tinha opiniões muitos hieráticas, muito idealistas, sobre a divisão do
trabalho. Vejam como ele colocou o problema em sua obra, Filosofia do Direito:
“Por homem culto entendemos, em primeiro lugar, aquele que é
capaz de fazer tudo o que os outros fazem”.
Botando as coisas no chão, na sua realidade vamos concluir
mais este capitulo, com essas palavras de Marx:
“A divisão do trabalho, em sua forma capitalista, não é mais
do que um método particular de produzir a mais-valia, ou de fazer aumentar, à
custa do operário, os lucros do capital – é o que chamam de riqueza nacional.
Ás custas do trabalhador desenvolve-se a força coletiva do trabalho em prol do
capitalista. Criam-se novas condições para assegurar a dominação do capital
sobre o trabalho. Essa forma de divisão do trabalho é uma fase necessária na
formação econômica da sociedade, é um meio civilizado e refinado de
exploração!”
7. Máquina e grande indústria
Em seu livro, Princípios de Economia Política, John Stuart
Mill escreveu: “Resta ainda saber se as invenções mecânicas realizadas até
agora aliviaram o trabalho diário de algum ser humano”. Besteiras desse
Mill. Em primeiro lugar, essa não é intenção do capital, quando emprega uma
máquina. Como qualquer desenvolvimento das forças produtivas do trabalho, a
máquina, na produção capitalista, tem por fim baratear as mercadorias, encurtar
a parte do sai de trabalho na qual o operário trabalha para si mesmo e, com
isso, prolongar a outra jornada de trabalho que ele dá gratuitamente para o
capitalista. A máquina é um método de fabricar a mais-valia relativa.
Em segundo lugar, ainda em relação à frase de Mill, ele
deveria ter dito: “de algum ser humano… que não viva do trabalho alheio”. As
máquinas aumentaram, com certeza, o número dos ricos ociosos. Mas, quem é
que pensa alguma vez no trabalhador? Se o capitalista se preocupa com ele, é
somente para estudar uma forma de sugá-lo melhor. O operário vende sua força de
trabalho e o capitalista a compra, como única mercadoria que, criando
mais-valia, faz nascer e crescer o capital. O capitalista por outro lado, só se
ocupa em fabricar sempre mais e mais mais-valia. Depois de ter exaurido a
mais-valia absoluta, encontrou a mais-valia relativa. Agora ele sabe: com as
máquinas, ele pode obter, ao mesmo tempo, um produto duas, quatro, dez, muitíssimas
vezes maior do que antes. E o que é que esse moço religioso, honesto e, ainda
por cima, amigo da tecnologia avançada pode fazer? Impor as máquinas para seus
trabalhadores! A cooperação, a manufatura, se transforma assim na grande
indústria moderna e a sua oficina na fábrica, propriamente dita.
Depois de ter mutilado e estropiado o trabalhador com a
divisão do trabalho; depois de tê-lo limitado a uma única e maçante operação, o
capitalista vai agora nos oferecer um espetáculo mais triste ainda. Ele arrancou
das mãos do trabalhador as ferramentas que lhe restavam, liquidando, assim, as
únicas recordações de seu antigo ofício, de seu antigo estado de homem
completo, e o amarra à máquina. Agora, o operário virou escravo da máquina,
exatamente como o capitalista, precisa dele. Com a introdução da máquina,
o capitalista tem imediatamente um enorme lucro; recordando o que dissemos da
mais-valia relativa, a gente compreende logo o porquê, mas com a generalização
do sistema de produção mecânica aquele lucro extra, acaba, restando apenas o
aumento da produção, que, como resultado geral dessa generalização, diminui o
valor das mercadorias necessárias ao trabalhador, o tempo de trabalho
necessário e também os salários. O que aumenta é o sobre-trabalho e, com ele, a
mais-valia.
O capital se compõe de uma parte constante e de uma parte
variável. Chamamos de capital constante aquela parte que é representada pelos
meios de trabalho e pelo material de trabalho (matéria prima). O prédio da
fábrica, suas instalações, os instrumentos de trabalho, mesmo os uniformes, com
capacetes de segurança e tudo; o material auxiliar como a graxa, o carvão, o
óleo, a energia elétrica, etc.; a matéria de trabalho, como o ferro, o algodão,
a seda, a prata, a madeira, o plástico, etc., são coisas que fazem parte do
capital constante. O capital variável é aquela parte representada no
salário, isto é, no preço da força de trabalho. O primeiro é chamado de
constante porque seu valor, que entra no preço da mercadoria, não se altera,
permanecendo constante. O segundo é chamado de variável porque o seu valor
aumenta, e esse aumento entra também no valor da mercadoria. É só o capital
variável que cria a mais-valia. E a máquina, como não pode deixar de ser, faz
parte do capital constante.
Do mesmo modo que o capitalista lucrou de uma massa de forças
naturais, ele se propõe, na indústria moderna, a lucrar de uma massa enorme de
trabalho morte e de graça. Mas, para alcançar seu objetivo, necessita ter todo
um mecanismo, que se comporá de matéria mais ou menos custosa e que sempre
absorverá certa quantidade de trabalho. Certamente, o capitalista não comprará
a força do vapor, nem a propriedade motriz da água e do ar, claro também não
comprará as descobertas e suas aplicações mecânicas e o aperfeiçoamento dos
instrumentos de um oficio. Isso ele pode usar quando quiser, sempre que quiser,
sem a menor despesa. Agora, o que o capitalista precisa é encontrar um
mecanismo capaz de aproveitar tudo isso. A máquina entra então como meio de
trabalho, como parte do capital constante, ela passa a entra no valor da
mercadoria em uma proporção que está em razão direta com o seu próprio desgaste
e do consumo de suas matérias auxiliares, como carvão, graça, etc., e em razão
inversa ao valor da mercadoria. Isto quer dizer que, na produção de uma
mercadoria, quanto mais se faz o uso da máquina e de suas matarias auxiliares,
maior é a parte de seu valor que passa à mercadoria: enquanto que, ao
contrário, quanto maior o valor da mercadoria para a qual a máquina trabalha,
menor é a parte de valor que advém do consumo da máquina. Vocês já
imaginaram o valor que o desgaste e o consumo de carvão, ou energia elétrica e
etc., de um mastodonte como um martelo-pilão passaria para a matéria-prima se
ele fosse empregado para bater preguinhos? Pois bem: uma máquina
distribui um valor muito reduzido pela enorme quantidade de ferro martelado que
ela produz diariamente.
Quando, em razão da generalização do sistema na grande
indústria, a máquina deixa de ser fonte direta de lucro extra para o
capitalista, ele encontra outros meios pelos quais pode continuar a bombear do
operário uma enorme quantidade de mais-valia relativa, através do emprego da
máquina. Mulheres! Crianças! Ao trabalho! São essas as primeiras palavras
de ordem do capital quando começa a empregar máquinas. Este meio poderoso de
diminuir o trabalho do homem torna-se logo um meio de aumentar o número de
assalariados. A máquina, sob o regime capitalista, submete todos os membros de
uma família, sem distinção de sexo, idade, ao chicote do capital. O trabalho
comandado pelo capital rouba o lugar dos jogos infantis e do trabalho livre no
lar, e, justamente, esse trabalho doméstico era o sustentáculo econômico da
moral da família.
Anteriormente, o valor da força de trabalho era determinado
pelas despesas necessárias à manutenção do operário e de sua família. Jogando a
família no mercado, distribuindo assim, entre diversas forças de trabalho, o
valor de uma só, a máquina deprecia essa força de trabalho. Pode ser que as
quatro forças, por exemplo, que uma família operaria vende, lhe deem mais do
que dava antes, a força única do chefe da família, mas, ao mesmo tempo, quatro
jornadas de trabalho entraram no lugar de uma só; portanto seu preço é
rebaixado em proporção ao excesso de sobre-trabalho de quatro sobre o trabalho
de apenas uma. Resumindo, o capitalista tinha antes à disposição apenas
uma jornada de trabalho, agora tem quatro. Quatro pessoas devem agora fornecer
não apenas trabalho, mais ainda sobre-trabalho ai capital, para que uma só
família possa viver. É assim, pois, que a máquina, aumentando a matéria prima
humana explorável, mulheres e crianças, aumenta, ao mesmo tempo, o grau de
exploração.
O emprego capitalista da máquina revolucionou em suas bases o
contrato, no qual a primeira condição era que o capitalista e o operário
devessem se apresentar face a face como pessoas livres, mercadores os dois, um
possuidor de dinheiro e meios de produção, o outro possuidor da força de
trabalho. Mas agora, sob o ponto de vista jurídico, o capitalista compra seres
dependentes ou parcialmente dependentes. O operário que antes vendia sua
própria força de trabalho, da qual podia dispor livremente, vende agora mulher
e filhos. Virou traficante de escravos. Se a máquina é o meio mais
poderoso de aumentar a produtividade do trabalho, isto é, de diminuir o tempo
necessário para a produção de mercadoria como sustentáculo do capital, ela é o
meio mais poderoso de prolongar a jornada de trabalho, além de todos os limites
naturais. O meio de trabalho, agora transformado em máquina, não está mais
subordinado ao trabalhador, tornou-se independente. Uma só paixão toma conta do
capitalista: reduzir ao mínimo a resistência que lhe opõem essa barreira
natural, flexível, que é o homem.
Nesta obra de escravização ajudando aparentemente a leveza do
trabalho junto às máquinas e também o emprego de elementos mais submissos e
maleáveis, como as crianças e as mulheres. O desgaste material de uma
máquina se apresenta sob um duplo aspecto. Uma em razão de seu uso, como por exemplo,
uma nota de R$ 10,00 passando de mão em mão, outro, por inação, por permanecer
sem funcionar, como uma espada inativa que se enferruja na bainha. Neste último
caso, as ações dos elementos naturais a desgastam. No primeiro caso, quanto
maior for o uso da máquina, mais rápido será seu desgaste; no segundo caso, a
razão é inversa, ou seja, quanto mais máquina ficar parada maior será o seu
desgaste.
Mas a máquina sofre, além do desgaste material, um desgaste
que podemos chamar de moral. Esse desgaste moral ocorre quando a máquina vai
perdendo o valor, pois máquinas do mesmo tipo vão sendo reproduzidas a preços
mais baixos ou na medida em que máquinas mais aperfeiçoadas passam a lhe fazer
concorrência. Para remediar esse prejuízo, o capitalista sente a necessidade
de fazer a sua máquina trabalhar o máximo possível, e começa antes de qualquer
coisa com o prolongamento do trabalho diário, introduzindo o trabalho noturno e
o trabalho por turma, turno, que como o nome mesmo indica, é o sistema que o
trabalho é executado por duas equipes de trabalhadores se revezando em cada 12
horas, ou por três equipes se revezando a cada 8 horas, de modo, que o trabalho
segue, sem interrupção, durante as 24 horas do dia. Esse sistema tão lucrativo
para o capital foi adotado imediatamente com o surgimento das máquinas, para
satisfazer a ganância do capitalista em tirar a maior quantidade possível de
lucro extra, que, com a propagação da maquinaria, não vão poder obter mais.
O capitalista, portanto, com a introdução de máquinas, acabam
com todos os obstáculos de tempo, todos os limites da jornada de trabalho que
durante o período da manufatura eram impostos ao trabalho. E quando ele alcança
o limite da jornada natural, absorvendo todas às 24 horas do dia, ele encontra
um modo de fazer, de apenas um dia, dois, três, quatro e mais dias,
intensificando o trabalho em duas, três, quatro ou mais vezes. De fato, se em
uma jornada de trabalho o operário é obrigado a fazer o trabalho duas, três
vezes, quatro vezes, etc., maior que antes, é claro que a antiga jornada de
trabalho corresponderá a duas, três, quatro ou mais jornada de trabalho.
Tornando o trabalho mais intensivo, comprimindo, em outras palavras, em uma
única jornada o trabalho de várias jornadas, o capitalista consegue, graças à
máquina, alcançar seus objetivos. O aperfeiçoamento da máquina a vapor
aumentou a velocidade de seus pistões, que com grande economia de energia,
movimenta agora um mecanismo mais volumosos com o mesmo motor, mantendo o mesmo
consumo de carvão (energia) e as vezes, até diminuindo esse consumo de
combustível; diminuindo o atrito no mecanismo de transmissão, reduzindo o
diâmetro e o peso dos grandes e pequenos eixos do motor, dos discos de
cilindro, etc., cada vez mais, alcança-se transmitir com muito mais rapidez a
acrescida força de impulsão do motor a toda rede de mecanismos de operação. O
próprio mecanismo foi aperfeiçoado, as dimensões da máquina-ferramenta foram
reduzidas, enquanto sua mobilidade e sua precisão aumentaram como no moderno
terá a vapor; ou o tamanho e a quantidade de ferramentas crescem com as
dimensões da máquina, como é o caso da máquina de fiar. Enfim, esses
instrumentos sofrem incessantes modificações de detalhes, como aquelas que há
mais de um século atrás, na década de 1750, conseguiram aumentar em 1/5 a
velocidade dos fusos das máquinas de fiar.
Já em 1836, declarava um industrial inglês: “O trabalho,
que hoje se executa nas fábricas aumentou muito, comparado com o de
antigamente, em virtude da maior atenção e atividades exigidas do trabalhador e
devido ao grande aumento da velocidade das máquinas”.
E, em 1844, ouviu-se na Câmara dos Comuns (Parlamento
Inglês): “O trabalho nas fábricas de hoje é três vezes maior que antes,
quando se iniciou este gênero de operações. Sem dúvida, a máquina tem realizado
tarefas que exigiriam a força de milhões de homens, mas multiplicou
assustadoramente o trabalho daqueles que são governados pelos seus terríveis
movimentos”.
Na fábrica, a virtuosidade ao trabalhar com uma ferramenta
passa do operário para a máquina; a eficácia da ferramenta não depende mais do
trabalhador e sim da máquina. A classificação fundamental se dá entre os
trabalhadores que estão diretamente ocupados com os instrumentos da máquina
(inclusive os trabalhadores encarregados de abastecê-las com o combustível
necessário) e seus manobristas (que são quase exclusivamente crianças). Entre
esses manobristas estão aqueles que alimentam a máquina com a matéria-prima a
ser trabalhada. Ao lado dessas duas classes principais, há um pessoal
pouco numeroso, que se ocupa com o controle de toda a maquinaria e a repara
continuamente, como engenheiros, mecânicos, marceneiros, etc. Essa classe
superior de trabalhadores, uns possuindo formação cientifica, outros dominando
um ofício; estão fora dos trabalhadores de fábrica, estando apenas reunidos a
eles. Qualquer criança aprende com muita facilidade a adaptar os
seus movimentos ao movimento continuo e uniforme de uma máquina. A rapidez com
a qual uma criança, aprende a dominar um trabalho mecânico, suprime
radicalmente a necessidade de converter esse trabalho em ofício exclusivo de
uma classe particular de trabalhadores. A especialidade em manejar um único
instrumento, se torna a especialidade de servir por toda a vida uma máquina
parcial. Abusam da maquinaria para fazer do operário, desde a infância, uma
peça de máquina, que é, por sua vez, apenas uma parte de um complexo mecânico.
Não só diminuiu consideravelmente o custo de reprodução desse operário, mas sua
dependência da fábrica, portanto do capital, tornou-se absoluta.
Na manufatura e no artesanato, o trabalhador usava a
ferramenta; na fábrica, ele é usado pela máquina. Lá o movimento da ferramenta
era dado por ele; na fábrica, ele não faz outra coisa senão seguir o movimento
imposto pela máquina, pelo instrumento de trabalho. Na manufatura, os
trabalhadores eram membros de um organismo vivo; na fábrica, os operários são
incorporados a um mecanismo morto, que existe independente deles, A própria facilidade
do trabalho torna-se tortura, pois a máquina não liberta o operário que poderia
haver no trabalho. O instrumental de trabalho agora é autômato que se coloca em
frente ao operário no processo de trabalho, sob a forma de trabalho morto, de
capital, que domina e suga sua força viva. Na grande indústria moderna se
completa, finalmente a separação entre o trabalho manual e o trabalho
intelectual da produção, separação que se transforma em poder do capital sobre
o trabalho. Ao operário, sua habilidade parece ridícula frente aos milagres da
ciência, frente às imensas forças da natureza, frente à grandeza do trabalho
social, humano, incorporado na máquina e que constituí o poder do patrão. Na
cabeça desse capitalista, desse patrão, o seu monopólio sobre as máquinas se
confunde com a existência da máquina mesmo. Assim, como se ele próprio as
tivesse parido.
E, como disse Engels (que era amigo de Marx), o capitalista,
ao entrar em conflito com seus operários, tem a mania de lhes atirar na cara
palavras humilhantes como essas: “Os operários não deviam se esquecer de
que fazem um trabalho inferior e que não há outro mais fácil de se aprender e
melhor pago, tendo em vista a sua qualidade; basta um tempo mínimo e um
aprendizado mínimo para adquirir toda a habilidade exigida. A nossa maquinaria
desempenha um papel muito mais importante do que o trabalho e a habilidade
desses operários, que podem domina-la em seis meses de instrução, e isto está
ao alcance de qualquer lavrador ignorante”.
A subordinação técnica do trabalhador ao ritmo uniforme da
máquina e a composição particular do organismo de trabalho, formando por
indivíduos de ambos os sexos e de todas as idades, criam uma férrea disciplina
de caserna, que é a do regime de fábrica. Por isso, como já dizíamos lá na
fábrica, o trabalho de supervisão se desenvolve plenamente, dividindo-se os
trabalhadores em trabalhadores manuais e supervisores de trabalho, em soldados
rasos e em suboficiais do exército da indústria. Ure, que ao contrário de
Marx e de Engels, só via belezas no sistema fabril, escreveu isso:
“A dificuldade principal na fábrica era de encontrar a
disciplina necessária para que seres humanos renunciassem seus hábitos
irregulares de trabalho e se identificassem com a invariável regularidade das
grandes máquinas. Inventar esse regulamento disciplinar adequando as
necessidades e à velocidade do sistema automático e aplica-lo com sucesso foi,
sem dúvida, uma empresa digna de Hércules”. Deixando de lado a divisão dos
poderes e o sistema representativo, tão decantado pela burguesia, o capitalista
elabora como bem entende toda uma legislação privada, em que exerce o seu poder
autocrático, ditatorial sobre os operários através do regulamento da fábrica. A
chibata do feitor de escravos foi substituída por um livro de punições em que
tudo se resolve naturalmente, com multas e descontos nos salários.
Ouçam estas palavras de Engels: “A escravidão do
proletariado à burguesia mostra sua verdadeira cara no regulamento da fábrica.
Aqui não há nenhuma liberdade, nem de fato, nem de direito… Às 5:30 da manhã o
operário deve entrar na fábrica; se chegar 2 minutos atrasado, lá vem uma
multa, se o atraso é de 10 minutos, não o deixam entrar senão depois do almoço,
e com isso perde uma boa parte do seu salário diário. O industrial é o
legislador absoluto: dita os regulamentos como bem entende, modifica e amplia
seu código a seu bel-prazer e, se é acometido dos mais extravagantes arbítrios,
os tribunais respondem aos trabalhadores: se o senhor aceitou voluntariamente
este contrato, deve a ele obedecer… E os operários estão condenados a viver,
dos 9 anos até sua morte, sob essa tortura física e espiritual”.
Tomemos dois exemplos do que “dizem os tribunais”: “Em
1866, numa cidade inglesa chamada Sheffield, um metalúrgico fez um contrato de
dois anos com a fábrica. Por causa de divergências com o patrão, abandonou a
fábrica e declarou que, de modo nenhum, trabalharia mais para ele. Acusado de
romper o contrato, foi condenado a dois meses de cadeia. (Ora, se fosse o
patrão que violasse o contrato teria apenas que se apresentar ao tribunal
civil, expondo-se apenas ao risco de pagar uma pequena multa). Pois bem,
decorridos os dois meses de cadeia, o mesmo patrão exigiu que o operário
voltasse à fábrica, sob as mesmas bases do contrato antigo. O metalúrgico
recusou e além do mais, já havia cumprido a pena pela ruptura do contrato. O
patrão processou-o de novo e a justiça voltou a condená-lo. (Um dos juízes
denunciou a sentença, publicamente, como uma monstruosidade jurídica, pelo fato
de condenar em períodos sucessivos, repetidamente, o mesmo homem pela mesma
ofensa ou pelo mesmo crime) E vejam bem, essa sentença não foi pronunciada por
um tribunal qualquer, mas por uma das mais altas cortes de justiça, em
Londres!”
Um segundo caso ocorreu em Wiltshite, também na Inglaterra, em
fins de novembro de 1863. Cerca de 30 mulheres trabalhavam num tear a
vapor, empregadas de certo Harrupp, fabricante de toalhas, decidiram fazer uma
greve, por ter o patrão o agradável costume de reduzi-lhes, da forma mais descarada
possível, o salário por cada atraso matinal. Por 2 minutos de atraso, ele
descontava (valor adotado para melhor compreensão) R$ 10,00, por 3 minutos, R$
20,00. A R$ 200,00 por hora, as multas chegavam a R$ 2.000,00, quando o salário
médio semanal, não ultrapassa o valor de R$ 200,00. Mas esse Harrupp tinha
outras veleidades, para marcar o início do trabalho, ele botou um apito na boca
de um garoto. O garoto, muitas vezes, apitava antes das seis da manhã e, depois
desse apito, ninguém mais entrava. Quem ficava do lado de fora era multado. As
infelizes operárias ficavam à mercê do jovem guardião do tempo, comandado por
Harrupp, e a fábrica continuava sem relógio. As mães de família e moças em
greve declararam que só voltariam ao trabalho, depois que fosse colocado um
relógio, substituindo o apito do garoto e quando fosse introduzido um sistema –
diabos! – pelo menos mais racional de multas! Harrupp, revoltado deu entrada a
uma ação judicial contra 19 empregadas, por ruptura de contrato. Elas foram condenadas
a pagar uma multa e mais as despesas do processo, o que provocou indignação
geral do auditório que acompanhava o julgamento. Harrupp, ao sair do tribunal,
foi vaiado estrondosamente pela multidão que o seguia.
Os operários nunca ignoraram as tristes consequências da
fábrica e da grande indústria, como demonstram a acolhida às primeiras
máquinas. Pelo século 17, em quase toda a Europa, ocorreram revoltas de
trabalhadores contra uma máquina de tecer fitas e galões, inventada na
Alemanha, chamada “Bandmuhle ou Muhlenstuhl”. O abade italiano Lancelotti, num
relato de 1636, conta-nos que “há cerca de 50 anos um certo Anton Muller viu em
Dantzig uma máquina muito engenhosa que fabricava 4 a 6 tecidos, ao
mesmo tempo. O Conselho da cidade, com receio que a invenção jogasse à miséria
grande quantidade de trabalhadores, proibiu o emprego da invenção e mandou
secretamente estrangular ou enforcar o inventor”.
Em 1629, essa mesma máquina foi empregada pela primeira vez em
Leida, onde as revoltas dos tecelões forçaram as autoridades municipais a
proibi-la. “Há cerca de 20 anos inventaram nesta cidade um instrumento de
tecer, por meio do qual um só trabalhador podia fazer, no mesmo tempo que
vários tecelões manuais, uma quantidade muito maior de tecido e de forma mais
fácil. Daí surgiram agitações e protestos de tecelões, até que as autoridades
municipais proibiram o emprego deste instrumento.
Depois de uma série de leis mais ou menos proibitivos em 1623,
1639, etc. os Estados Gerais da Holanda permitiram finalmente o emprego deste
tear mecânico, sob certas condições, com a lei de 15 de dezembro
de1661. A mesma máquina foi proibida em Colônia, em 1676, enquanto a
sua introdução na Inglaterra, à mesma época, provocava uma série de rebeliões,
entre os tecelões. Na Alemanha, uma lei, de 19 de fevereiro de 1685, proibia o
seu uso em toda a nação; por ordem das autoridades municipais, em Hamburgo, o
invento foi queimado publicamente. Carlos VI renovou em 9 de fevereiro
de 1719, a lei de 1685 e a Saxônia só autorizou seu uso em 1765.
A Bandstuhl, que agitou a Europa, foi precursora das máquinas
de fiar e tecer e, portanto, da revolução Industrial do século 18. Ela
capacitava um jovem sem qualquer experiência de tecelagem a pôr em movimento,
empurrando e puxando uma biela, um terá inteiro com todas as suas lançadeiras,
e que produzia, em sua forma aperfeiçoada, 40 a 50 peças de uma só
vez. Nas primeiras décadas do século 17, um levante popular destruiu uma
serraria movida avento, construída por um holandês nas proximidades de Londres.
Ainda no começo do século 18, com muita dificuldade, as máquinas de serrar
movida a água conseguiram dobrar a resistência popular protegida pelo
Parlamento. Quando Everest, em 1758, construiu a primeira máquina a água para
tosquiar lã, esse invento foi jogado a fogueira por 100 mil pessoas que ficaram
sem trabalho.
Cinquenta mil trabalhadores que ganhavam à vida cardando a lã
reivindicaram ao Parlamento o fim das máquinas de cardar, inventadas por
Arkwright. A destruição de numerosas máquinas nos distritos manufatureiros
ingleses, durante os primeiros 15 anos do século 19, deu pretexto ao governo
para as mais reacionárias medidas de violência. Como vocês estão vendo,
foi necessário tempo e experiência até que os operários aprendessem a
distinguir entre a máquina e o emprego capitalista da máquina, e pudessem
então, lutar, não contra os meios materiais de produção, mas contra o seu modo
social de exploração.
E é assim, portanto, que temos que enxergar as consequências
da máquina e da indústria moderna para os trabalhadores. Antes de tudo, eles
são enxotados da fábrica em grande número e as máquinas vão substituí-los. Os
poucos que lá permanecem, sofreram:
a)
Humilhação de se
verem espoliados de seu último instrumento de trabalho e de serem reduzidos à
condição de escravos da máquina;
b)
b) O peso de uma
jornada de trabalho extraordinariamente prolongada;
c)
c) A renúncia à
mulher e aos filhos, agora também escravos do capital;
d)
d) Sofrer o
indescritível martírio, produto da tortura de um trabalho cada vez mais
intensificado pela insaciável gana do capitalista por mais-valia.
Nominibus mollire
licet mala.
8. O salário
Nada impede de se encobrir os males com palavras. É a outra
maneira de se traduzir o provérbio latino do nosso último capítulo. Salário
também é uma palavra e nós vamos procurar entendê-la no seu verdadeiro
significado, dentro do modo de produção capitalista.
Os defensores desse modo de produção capitalista dizem que o
salário é o pagamento do trabalho, e a mais-valia é o produto do capital.
Mas o que querem eles dizer com esse pagamento do trabalho,
ou, em outros termos, com valor do trabalho?
O trabalho, ou se encontra ainda no trabalhador, ou, já existe
materializado. O que quero dizer é que o trabalho, ou é a força, a capacidade
de fazer alguma coisa, ou é a coisa mesma já feita. Em suma, o trabalho, ou é a
força de trabalho ou é a mercadoria. O operário não pode vender o trabalho já
saído dele, já produzido pelo seu organismo, a mercadoria, porque esta pertence
ao capitalista e não a ele. Porque, pudesse o trabalhador vender o trabalho já
saído dele, a mercadoria que ele produz, teria que ter os meios de trabalho e o
material de trabalho, e seria, então, mercador de mercadoria por ele produzida.
Mas ele não possuiu nada, é um proletário, que para sobreviver, precisa vender
ao capitalista o único bem que lhe resta, que é a sua potência ou força para
trabalhar, a força de trabalho. O capitalista não pode comprar dele mais do que
sua força de trabalho, que, como todas as outras mercadorias, tem um valor de
uso e um valor de troca. O capitalista paga ao trabalhador o valor propriamente
dito, que é o valor de troca, pela mercadoria que este lhe vende. Mas a força
de trabalho tem também um valor de uso e esta pertence ao capitalista, pois ele
a comprou. Ora, o valor de uso dessa mercadoria tão singular tem dupla
qualidade. Uma é aquela que ela tem em comum com o valor de uso de todas as
outras mercadorias: a de satisfazer uma determinada necessidade; a segunda, é a
qualidade que somente a ela pertence, que é a de criar valor, e é isso que a
distingue de todas as outras mercadorias.
Respondendo, agora, àqueles defensores do modo de produção
capitalista, dizemos que o salário não pode representar outra coisa que não
seja o preço da força de trabalho.
E a mais valia não pode ser de modo nenhum produto do capital,
porque o capital é matéria morta; a quantidade de valor que o capital põe na
mercadoria permanece sempre a mesma. É a matéria que não tem vida nenhuma e
que, por si só, sem a força de trabalho, jamais existiria. É à força de
trabalho, somente ela, que produz a mais valia. É ela quem traz o primeiro
germe de vida ao capital. E é ela quem sustenta toda a vida do capital. Este,
de início, não faz outra coisa senão sugar, depois absorver por todos os poros
e, finalmente, sempre forte, extrair mais-valia do trabalho.
As duas principais formas de
salário são: salário por tempo e salário por peça, por produção, por
empreitada, etc.
O salário por tempo é aquele pago por um determinado tempo:
uma hora, um dia, uma semana ou um mês, etc.; de trabalho. O salário nada mais
é do que uma forma transformada do preço da força de trabalho. Em lugar de
dizer: o operário vendeu sua força de trabalho de um dia por R$ 10,00, diz-se:
o operário foi trabalhar por um salário de R$ 10,00 por dia.
O salário de R$ 10,00 por dia é, portanto o preço da força de
trabalho por uma jornada. Mas essa jornada pode ser mais ou menos longa. Se for
de 10 horas, por exemplo, a força de trabalho é paga a R$ 1,00 por hora, ao
passo que, se é de 12 horas, a força de trabalho é paga a R$ 0,83 por hora.
Logo ao prolongar a jornada de trabalho, o capitalista está pagando ao operário
um preço menor por sua força de trabalho. O capitalista pode até aumentar o
salário e mesmo assim continuar pagando ao operário, por sua força de trabalho,
o mesmo preço de antes, e até menos. Como? Se o patrão aumenta o salário do
operário de R$ 10,00 para R$ 12,00 e ao mesmo tempo, prolonga sua jornada de 10
para 12 horas, ele, ainda que tenha aumentado o salário diário em R$ 2,00, continuara
pagando os mesmos R$ 10,00 ao operário, pela hora de sua força de trabalho. Se
o capitalista o mesmo aumento – de R$ 10,00 para R$12,00 – mas, ao mesmo tempo,
prolonga a jornada de 10 para 15 horas, embora aumentando o salário diário,
pagará ao operário pela sua força de trabalho menos do que antes. O mesmo
resultado o capitalista obtém quando em lugar, de prolongar a jornada de
trabalho, aumenta a intensidade desse trabalho, que é o que ele faz ao
utilizar-se de máquinas, como já vimos. Em suma, o capitalista, aumentando o
trabalho, rouba honestamente ao operário. E pode fazê-lo até bancando o
generoso, aumentando o salário diário de seus operários.
Quando o capitalista paga ao operário por hora, também aí
encontra um modo de lhe passar a perna, aumentando ou diminuindo o trabalho,
mas sempre pagando honestamente o mesmo preço por cada hora de trabalho.
Digamos que R$ 1,00 seja o salário de uma hora de trabalho. Se o capitalista
faz o operário trabalhar 8 horas, em vez de 12, ele pagará R$ 8,00 e não R$
12,00. Com isso o trabalhador perde R$ 4,00, que corresponde a um terço de suas
necessidades diárias. Se ao contrário faz o operário trabalhar por 14 ou 16 horas,
em vez de 12, mesmo pagando R$ 1,16 ou R$ 1,33 no lugar dos R$ 1,00, tira do
operário 2 ou 4 horas de trabalho por um preço menor do que valem, pois é claro
que depois de 12 horas de trabalho, a força de trabalho do operário já sofreu
grande desgaste, e as outras 2 ou 4 horas a mais de trabalho lhe custam mais do
que as 12 primeiras horas. Esta argumentação apresentada pelos operários foi
aceita, de fato, em diversas indústrias, onde se pagam as horas extras por um
preço maior do que o estabelecido para uma jornada normal.
Uma lei do modo de produção capitalista: quanto menor é o
preço da força de trabalho por tempo (hora, dia, mês, etc.), representado nos
salários, tanto maior é a duração do tempo do trabalho. Isto é claro. Se o
salário é de R$ 1,00 por hora, em vez de R$ 2,00, o operário tem de trabalhar o
dobro, para conseguir o necessário para sua sobrevivência. E quanto menor, mais
é a necessidade de mais tempo de trabalho. Assim a o capital se alimenta de
mais-valia, empanturrando o bolso do capitalista.
Assim, a diminuição do salário faz aumentar o trabalho; mas
pode acontecer também que o aumento de trabalho faça diminuir o salário. Com a
introdução da máquina, por exemplo, o operário passa a produzir o dobro que
antes e o capitalista diminui o número de braços. Consequentemente cresce a
oferta de força de trabalho no mercado e os salários caem.
Os outros tipos de salários – por peça, por empreitada, por
produção, etc., não são mais do que modalidades do salário por tempo, que
aparecem transformadas em salário por peça, salário por empreitada, salário por
produção, etc. Tanto isso é verdade que se costuma usar indiferentemente, não
apenas nas diversas indústrias e mesmo até numa mesma indústria, essas duas
formas de salário.
No salário por peça, a qualidade do trabalho é controlada pela
própria obra, que deve ter a qualidade média exigida. Desse modo, o salário por
peça se torna uma fonte inesgotável de pretexto para se fazer descontos sobre o
salário do operário. E fornece, ao mesmo tempo, ao capitalista, a medida exata
da intensidade do trabalho. O único tempo de trabalho que conta como
socialmente necessário e, por isso mesmo pago, é o tempo em que esse trabalho
se materializou em uma massa de produtos determinada e estabelecida com a
experiência. É tão verdade isso que, nas grandes oficinas de confecção em
Londres, uma peça, por exemplo, o colete, é chamada de “uma hora”, uma outra
peça é chamada de “meia-hora”, etc., e é paga x libras cada uma; sabe-se pela
prática quanto se produz em média durante uma hora. Quando aparece uma nova
moda, ocorre sempre uma discussão entre o patrão e o operário, se tal peça
equivale ou não a uma hora, até que a experiência decide. O mesmo se dá nas
fábricas de móveis, etc. Se o operário não possui experiência média de execução,
se ele não consegue um certo mínimo de peças durante a jornada de trabalho, é
despedido.
Assim sendo, a própria forma de salário assegura a qualidade e
a intensidade do trabalho e uma grande parte do serviço de controle e
supervisão se torna, então desnecessária. É em cima disso que é montado todo o
sistema de opressão e exploração, hierarquicamente constituído. O salário por
peça facilita, por outro lado, a intromissão de outros parasitas, além do
capitalista. Assim se dá, por exemplo, com o
chamado trabalho moderno a domicilio como é o caso do trabalho das costureiras,
que costuram “para fora”, para as indústrias de confecção. Elas recebem por
peça, mas quem lhes paga é o atravessador. O lucro do trabalho dos
intermediários sai da diferença entre o preço do trabalho, tal qual o
capitalista o paga, e a porção desse preço que eles pagam ao trabalhador. Por
outro lado, o salário por peça permite ao capitalista fazer um contrato de
tanto por peça com o operário principal, chefe, empreiteiro, etc. Este chefe de
grupo de operários ou operário principal, que nas minas é o minerador
propriamente dito, e nas fábricas é o que tem o comando das máquinas, se
encarrega, pelo preço estabelecido, de eles mesmo encontrar os seus ajudantes e
pagá-los. A exploração dos trabalhadores pelo capital se torna, nesse caso, um
meio de exploração do trabalhador pelo trabalhador.
Estabelecido o salário por peça, o interesse pessoal atiça o
operário a empenhar ao máximo a sua força, e isto permite ao capitalista elevar
facilmente o grau de intensidade do trabalho. Se bem que se chegue a esse mesmo
resultado também por meios artificiais.
“O capitalista escolhe para chefe de um certo número de
operários um homem de força física superior e com mais habilidade no trabalho
do que a média dos outros trabalhadores do grupo. Todos os
trimestres, ou dentro de um período combinado, o chefe recebe um “salário
suplementar” sob a condição de que ele faça todo o possível para
incrementar a concorrência entre os seus comandados.
O operário está obviamente interessado em prolongar a jornada
de trabalho, como meio de aumentar o seu salário diário ou semanal: as consequências
são as mesmas do salário por tempo, sem contar que o prolongamento da jornada,
quando o salário por peça permanece constante, implica em si mesmo no
rebaixamento do preço do trabalho.
O salário por peça, forma mais adequado ao regime capitalista,
é um dos principais recursos do sistema de pagar o trabalhador por hora, sem
que o capitalista se empenhe em ocupá-lo regularmente durante a jornada ou a
semana. Nos estabelecimentos submetidos aos Factories Acts (leis sobre as
fábricas) que é a lei que limitou, na Inglaterra, a jornada de trabalho a um
determinado número de horas, o salário por peças se tornou regra geral, pois o
capitalista não tem outro recurso para aumentar o trabalho diário senão
apelando para a intensidade. O aumento da produção é seguido pela diminuição
proporcional do salário.
Esta variação de salário, ainda que puramente nominal, provoca
uma luta continua entre patrão e o trabalhador por vários motivos: seja porque
o capitalista cria pretexto para diminuir realmente o preço do trabalho, seja
porque um aumento da produtividade do trabalho acompanha um aumento de sua
intensidade, ou porque o operário, levando a sério o que é apenas uma aparência
criada pelo salário por peça – isto é, que é o seu produto e não sua força de
trabalho que está sendo paga – se revolta contra uma redução de salário, a qual
não corresponde a uma redução proporcional nos preços de venda das mercadorias.
O capital, justamente com base na natureza do salário, refuta
tais reivindicações como grosseiramente errôneas. Ele as qualifica de usurpação
que tendem a barrar o progresso da indústria e conclui, brutamente, que a
produtividade do trabalho não tem absolutamente nada a ver com o operário.
9. Acumulação de
capital
Acumular significa juntar, ajuntar, amontoar, amontoar
riquezas, fazer fortuna. Tudo isso só é possível à acumulação do capital se ele
se nutrir sempre mais e mais de mais-valia. Sem se apropriar do trabalho
alheio, o capital nem existira. Mas, aqui estamos começando um novo capitulo.
Quando observamos a fórmula do capital, compreendemos
facilmente que a sua conservação é toda baseada em sucessiva e contínua
reprodução.
O capital, como já sabemos, divide-se em duas partes:
constante e variável. O capital constante, representado pelos meios de produção
e pelo material de trabalho, sofre continuo desgaste durante o processo de
trabalho. Os instrumentos se consomem, as máquinas se consomem o óleo, etc.,
enfim, o próprio prédio se consome. Ao mesmo tempo, porém, que o trabalho vai
consumindo todo esse capital constante, vai também o reproduzindo na mesma
proporção em que o consome. O capital constante encontra-se, pois reproduzido
na mercadoria na mesma proporção em foi consumido durante a sua fabricação. O
valor consumido pelos meios de trabalho e pela matéria prima é sempre
exatamente reproduzido no valor da mercadoria.
Do mesmo modo o capital variável. O capital variável
representado pelo valor da força de trabalho, isto é, pelo salário, se reproduz
também exatamente no valor da mercadoria. Também já sabemos que o operário, na
primeira parte de seu trabalho, produz o seu salário, e, na segunda, a
mais-valia, Como o operário só recebe seu salário ao final do trabalho, este só
lhe é pago depois que ele produziu o equivalente na mercadoria do capitalista.
Os salários pagos aos trabalhadores são, portanto,
reproduzidos inteira e incessantemente pelos próprios trabalhadores. Esta
incessante reprodução do fundo dos salários perpetua a submissão do trabalhador
ao capitalista. Quando o proletário vende a sua força de trabalho no mercado,
ele ocupa o posto que lhe é assinalado pelo modo de produção capitalista e,
contribui para a produção social com a parte de trabalho que lhe cabe, retirando
para a sua manutenção aquela parte do fundo de salários, que deverá, antes, reproduzir
com seu trabalho.
É sempre, sempre, o eterno vínculo da sujeição humana, que
seja sob a forma de escravidão, quer seja sob a forma de servidão, quer seja
sob a forma de salário.
Quem vê as coisas superficialmente, pensa que o escravo
trabalha gratuitamente. Ele não vê que o escravo devia, antes de tudo, devolver
ao seu senhor tudo quanto este gastou para sua manutenção. E vejam bem, muitas
vezes a manutenção do escravo era mais cara do que o assalariado, pois seu
senhor estava altamente interessado em sua conservação, como estava na
conservação de uma parte de seu próprio capital. O servo do sistema feudal,
juntamente a com a terra, à qual está preso, pertence ao seu senhor; para o
mesmo observador superficial, este servo fez progressos em relação ao escravo,
pois se vê claramente que ele entrega somente uma parte ao seu senhor, enquanto
a outra parte de seu trabalho ele o emprega na pouca terra que lhe é
determinada para ganhar seu sustento. E o assalariado aparece a esse mesmo tipo
de observador como um indivíduo muito mais evoluído, em comparação ao servo da
gleba, por que o trabalhador lhe aparece inteiramente livre, recebendo o valor
do próprio trabalho.
Doce ilusão! Se o trabalhador pudesse realizar por si mesmo o
valor do próprio trabalho, se ele não precisasse vender a sua força de
trabalho, o modo de produção capitalista nem poderia existir. E já sabemos por
quê. O trabalhador não pode obter outra coisa que não seja o valor de sua força
de trabalho, que é a única coisa que pode vender, por que é o único bem que
possui no mundo. O produto do trabalho pertence ao capitalista, que paga ao
operário o salário, isto é, a sua manutenção. Do mesmo modo que o pedaço de
terra, o tempo e os instrumentos necessários para trabalhá-la, que o senhor
deixa por conta do servo, são a soma dos meios de este tem para se manter,
enquanto deve trabalhar todo o resto do tempo para seu senhor.
O escravo, o servo e o operário trabalham todos os três, uma
parte para produzir a sua manutenção e outra parte absolutamente para o lucro
de seu patrão. Representam, pois três formas diversas do mesmo vínculo de
sujeição e exploração humana. É sempre a mesma sujeição do homem privado de
qualquer acumulação primitiva, ao homem que possui uma acumulação primitiva, os
meios de produção, a fonte da vida.
A conservação do capital, a reprodução do capital é,
consequentemente, no modo de produção capitalista, a conservação deste vínculo
de opressão e exploração humana.
Mas o trabalho não somente reproduz o capital, mas também
produz mais-valia, que muitos chamam de renda do capital. Quando o capitalista,
anualmente acrescenta ao seu capital uma parte ou toda a sua renda, temos uma
acumulação de capital, que crescerá progressivamente. Com a reprodução simples
o trabalho conserva o capital; com a acumulação de mais-valia o trabalhador faz
o capital crescer.
Quando essa renda se junta, se funde com o capital, parte dela
é empregada em meios de produção, parte em matéria prima e parte em força de
trabalho. É agora que o sobre trabalho passado, o trabalho passado não pago,
vai fazer crescer o volume do capital. Uma parte do trabalho não pago do ano
passado serve para pagar o trabalho necessário deste ano. E é isso que faz o
sucesso do capitalista, graças ao engenhoso mecanismo da produção moderna.
Uma vez aceito este sistema da moderna produção, todo ele
baseado na propriedade individual e no salário, nada se encontra a dizer cuja consequência
não seja derivada da acumulação capitalista. O que importa ao operário Antônio
se ao R$ 20,00 que lhe pagam de salário representam o trabalho não pago do
operário Pedro? O que ele tem direito de saber é se os R$ 20,00 são o justo
preço da sua força de trabalho, quer dizer, se são o exato equivalente das
coisas que lhe são necessárias em um dia; em uma palavra, se a lei de troca foi
rigorosamente observada.
Quando o capitalista começa a cumular capital se desenvolve
nele uma nova virtude, toda sua: a tal virtude da abstinência, que consiste e,
limitar a própria despesa, para empregar uma maior parte de sua renda na
acumulação.
A vontade do capitalista e sua consciência refletem as
necessidades do capital que ele representa; assim, o capitalista vê no seu
próprio consumo pessoal uma espécie de furto, ou pelo menos de empréstimo feito
à acumulação. Aliás basta olhar em certos livros de contabilidade as despesas
pessoais lançadas contra o capital, ao lado das contas a pagar dos
capitalistas. Acumular, enfim, é conquistar o mundo da riqueza social,
ampliar a sua esfera de dominação pessoal, aumentar o número de súditos, ou
seja, sacrificar-se a uma ambição insaciável.
Lutero mostra muito bem, como o exemplo do usurário, que o
desejo de dominar é o motor do enriquecimento:
“A simples inteligência levou os pagãos a considerarem o
usurário como assassino e quatro vezes ladrão. Mas nós, cristão, o tratamos com
toda a honra, quase o adoramos por causa de seu dinheiro. Quem extrai, rouba e
furta o alimento do outro é um homicida moral, como o que mata uma pessoa de
fome ou a arruína totalmente. E é o que faz o usurário. Entretanto, senta-se tranquilamente
em sua cadeira, quando deveria estar, justamente, na forca, sendo devorados por
tantos urubus quantos fossem o dinheiro por ele roubado, se tivesse carne para
tão grande quantidade de urubus. Mas hoje em dia só prendemos e enforcamos
pequenos ladrões… enquanto isso, os grandes ladrões vão se pavoneando em ouro e
seda. Depois do diabo, o maior inimigo do homem na terra é o avarento, é o
usurário, pois quer ser Deus dominando os homens. Os soldados, os invasores, os
hereges turcos, os ditadores são também homens maus, todavia, tem de deixar os
outros viverem e confessam que são maus e inimigos. Podem, e às vezes são
obrigados a se apiedarem de algumas pessoas, mas o usurário, com sua avareza,
quer que o mundo morra de sede e fome, de luto e de miséria; ele mesmo o faria
se pudesse, para que tudo fosse dele, assim todos se curvariam diante dele, com
seus eternos escravos. Ostenta elegância e aparenta limpeza impecável para ser
visto de badalado como homem honrado e bondoso… Mas o usurário é um monstro enorme
e devorador, pior que o Satanás. Já que prendemos e matamos um ladrão de rua,
os assassinos e os assaltantes, do mesmo modo deveriam prender matar e
decapitar todos os usurários”.
Eis aí, de Lutero, reformador religioso, um discurso violento
contra os usurários. Continuemos com a violência capitalista, propriamente
dita:
A acumulação capitalista exige um aumento de braços. O número
de trabalhadores deve aumentar quando se quer converter uma parte da renda em
capital variável. O organismo mesmo da reprodução capitalista é tal modo que o
trabalhador conserva a sua força de trabalho na geração seguinte, da qual o
capitalista arregimenta nova força de trabalho, para continuar o seu incessante
processo de reprodução. Mas o trabalho que o capital exige hoje é superior ao
que exigia antes e, consequentemente, o seu preço deve subir. E aumentariam de
fato os salários, se na própria acumulação do capital não encontrasse uma razão
para fazê-lo baixar.
É verdade que a renda deve ser convertida, parte em capital constante
e parte em capital variável; isto é, parte em meios de trabalho e
matéria-prima, e parte em força de trabalho, mas é preciso considerar a
acumulação do capital com o aperfeiçoamento dos velhos sistemas de produção,
com os novos sistemas de produção e a máquina: todas as coisas que fazem
aumentar a produção e diminuir o preço da força de trabalho, o que já sabemos.
À medida que cresce a acumulação do capital, a sua parte variável diminui,
enquanto a sua parte constante aumenta. Isto é,
aumentam as fábricas e instalações, máquinas com suas matérias auxiliares, mas
ao mesmo tempo, e na proporção deste aumento, com a acumulação do capital,
diminui a necessidade de mão de obra, a necessidade de força de trabalho.
Diminuindo a necessidade de mão de obra, diminui a procura e finalmente diminui
o preço.
Nestes termos, portanto, quanto mais progride a acumulação do
capital, mais os salários são rebaixados.
A acumulação do capital ganha vastas proporções através do
crédito. O crédito leva espontaneamente à fusão de uma massa de capitais, ou à
fusão de um capital mais forte do que um desses. A concorrência, ao contrário,
é a guerra que de todos os capitais fazem entre si, é a sua luta pela
existência, do qual os mais fortes saem muitos mais fortes do que antes.
A acumulação do capital inutiliza, portanto um grande número
de braços, isto é, cria um excedente de trabalhadores.
Mas se a acumulação produz necessariamente uma superpopulação
operária, está se torna, por sua vez, a alavanca mais potente da acumulação,
uma condição de existência da produção capitalista, integrada na sua lei de
desenvolvimento. Esse excedente populacional operário forma um exército de
reserva industrial, que pertence ao capital, assim de um modo absoluto, como se
fosse seu gado, por ele alimentado e disciplinado. Essa população excedente
fornece matéria humana sempre explorável e disponível para a fabricação de mais-valia.
É somente sob o regime da grande indústria que a produção de um supérfluo da
população, se torna uma mola regular da produção de riqueza.
Este exército de reserva industrial, esta superpopulação
operária se divide em diversas categorias. A primeira delas é a melhor paga,
sofre menos com o desemprego e ainda executa um trabalho menos penoso; a última
dessas categorias, ao contrário, é composta de trabalhadores que só
esporadicamente encontram uma ocupação, que é sempre um trabalho pesado e vil,
pago pelo mais baixo preço a que possa chegar ao trabalho humano.
Esta última categoria é a mais numerosa, não só pelo grande
contingente criado anualmente pelo progresso industrial, mas, sobretudo porque
ela é composta de gente mais prolífera, com maior número de filhos, como os
próprios fatos comprovam.
“A pobreza parece favorecer a procriação”, escreveu Adam
Smith. E segundo o abade Galiani, espírito galante e perspicaz, esta é uma
sábia disposição divina. Eis uma de suas sentenças: “Deus dispôs que os homens
que fazem os trabalhos mais úteis nascessem em abundância”.
Com dados estatísticos à mão, Laing demonstrou que “a miséria,
no seu grau mais extremo de fome e epidemia, em vez de frear, aumenta ainda
mais o crescimento da população”, acrescentando que “se todos os seres humanos
vivessem em condições cômodas, o mundo em pouco tempo estaria despovoado”.
Abaixo dessa categoria de trabalhadores circunstanciais, resta
o último resíduo desse exército industrial de reserva e que vive no inferno da
pobreza. Pondo de lado os vagabundos, os criminosos, as prostitutas, enfim, o
rebotalho do proletariado, essa camada social tem três categorias. A primeira
compreende operários capazes de trabalhar. O seu número aumenta em todas as
crises e diminui quando os negócios se reanimam. Basta, para comprovar, olhar
as estatísticas referentes à pobreza. A segunda, os órfãos e os filhos dos
pobres, que vivem da assistência pública. Eles também são candidatos da reserva
industrial e, nas épocas de grande prosperidade, entram em massa no serviço
ativo. A terceira categoria pertence aos miseráveis, antes de tudo, o operário
e a operária jogados ao esgoto do desenvolvimento social, por sua incapacidade
da adaptação à nova divisão do trabalho; há ainda os que, desgraçados, passaram
da idade normal do assalariado; e finalmente, as vítimas diretas da indústria:
os alijados, os doentes, os estropiados, as viúvas, etc., cujo número aumenta
com as máquinas perigosas, com minas, com a indústria química, etc.
A miséria é o asilo dos inválidos do exército ativo dos
trabalhadores e peso morto do exército industrial de reserva. A sua produção
está compreendida naquela do exército de reserva, a sua necessidade deste. A
pobreza forma com a superpopulação uma condição de existência da riqueza
capitalista.
Compreende-se, portanto, toda a estupidez da sabedoria
econômica que não para de pregar aos trabalhadores a necessidade de adaptar o
seu contingente, a sua população, às necessidades do capital, como se o
mecanismo do capital não realizasse continuamente esse desejado ajustamento. A
primeira palavra desse ajustamento é: criação de um exército industrial de
reserva; e a última: miséria nas camadas sempre crescentes do exército ativo
dos trabalhadores, peso morto da pobreza.
A lei na sociedade capitalista, segundo a qual uma massa
sempre crescente de meios de produção mobiliza progressivamente uma quantidade
sempre menor de força de trabalho, quer dizer que quanto maior a produtividade
do trabalho, tanto maior a pressão dos trabalhadores sobre os seus empregos e,
portanto, tanto mais precária sua condição de existência, ou seja, as condições
para a venda da própria força para aumentar a riqueza alheia ou a expansão do
capital.
A análise da mais-valia relativa levou-nos a este resultado:
todos os métodos para multiplicar a produtividade do trabalhador coletivo são
aplicados à custa do trabalhador individual; todos os meios para desenvolver a
produção se transformaram em meios de dominar e explorar o produtor, que se
torna um fragmento de ser humano, um mutilado, uma mera peça de máquina. Esse
modo de produção opõe ao trabalhador as forças cientificas da produção, como
uma das tantas forças inimigas; a atratividade do trabalho é substituída pelo
tormento do trabalho; as condições de trabalho são desfiguradas e o trabalhador
vê todas as horas de sua vida transformadas em horas de trabalho e sua mulher e
seus filhos são lançados ao rolo compressor do capital.
Mas todos os métodos que ajudam à produção de mais-valia
favorecem igualmente à acumulação e todo aumento na acumulação torna-se,
reciprocamente, meio de desenvolver aqueles métodos, o que quer dizer que,
qualquer que seja o nível dos salários, alto ou baixo, a condição do
trabalhador deve piorar, na medida em que o capital se acumula.
A lei que mantém a superpopulação relativa ou o exército
industrial de reserva no nível adequado às necessidades da acumulação,
acorrenta o trabalhador ao capital mais firmemente do que as cadeias com que
Vulcano acorrentou Prometeu ao Cáucaso. É esta a lei que estabelece uma
correlação fatal entre a acumulação do capital e acumulação de miséria. De tal
modo que a acumulação de pobreza, de sofrimento, de ignorância, de
embrutecimento, de degradação moral, de escravidão no polo oposto, onde se
encontra a classe que produz o próprio capital.
No século 18, G. Ortes, um monge veneziano, um economista
notável de sua época, via no antagonismo da produção capitalista uma lei
natural da riqueza social:
“Numa nação, os bens e os males econômicos mantêm-se sempre em
equilíbrio: a abundância de bens de uns corresponde sempre à falta deles para
outros. Grande riqueza para uns, significa privação absoluta do necessário para
muitos outros. A riqueza de uma nação está na correspondência com sua
população, e sua miséria em correspondência com sua riqueza. O trabalho de uns
leva outros à ociosidade. Os pobres e os ociosos são consequências necessárias
dos ricos e dos trabalhadores”.
Ao contrário desse monge inteligente, que não ficou imaginando
projetos inúteis para a felicidade dos povos, e que se deu ao trabalho de
investigar as causas da infelicidade em que vive o reverendo Townsend louvava,
grosseiramente, a pobreza como condição necessária para a riqueza. Vejam a sua
piada:
“A obrigação legal dos trabalhadores exige grande dose de
aborrecimentos, violência e barulho, enquanto a fome é uma pressão pacifica
silenciosa e incessante, e que, como o estímulo mais natural para a indústria e
para o trabalho, nos fazem mais esforçados”.
Mas o reverendo continua essa piada de mau gosto assim:
“Parece uma lei natural que os pobres sejam até certo ponto
precipitados” – tão precipitados que chegam ao mundo sem antes terem garantido
um berço de ouro – “o que proporciona a existência de indivíduos para os
trabalhos mais servis, mais sórdidos e mais ignóbeis da comunidade. O cabedal
da felicidade humana é ampliado, quando os mais delicados ficam livres do
trabalho grosseiro e podem realizar sua vocação superior sem interrupções…” E
vejam essa chave de ouro, essa joia de conclusão:” A lei de assistência aos
pobres tende a destruir a harmonia e a beleza, a simetria e a ordem desse
sistema que Deus e a natureza criaram no mundo”.
Bem aí está. Mas no fundo, a questão desse reverendo era
protestar contra as leis inglesas, que davam aos pobres o direito de se
socorrerem nas paróquias.
“O progresso da riqueza social gera aquela classe útil da
sociedade… que realiza as tarefas mais sórdidas, mais enfadonhas e repugnantes,
em suma, se sobrecarrega com tudo o que a vida oferece de desagradável e
servil, proporcionando assim às outras classes, alegria espiritual e aquela
dignidade convencional de caráter”.
“Que bom1”, anotou Marx, no final dessas palavras de Storch. E
Storch vê na sociedade capitalista, com sua miséria e degradação das massas,
comparada com a sua barbárie, uma grande vantagem: a segurança!
Finalmente, Destutt de Tracy, o fleumático doutrinador
burguês, diz abertamente:
“Nas nações pobres o povo vive como quer, e, nas nações ricas,
vive geralmente na pobreza”.
Vejamos agora quais são os efeitos da acumulação de capital.
E, mais uma vez, só podemos contar com uma parte mínima de todo o material
recolhido por na obra de Marx e que toma os exemplos da Inglaterra, pois por
excelência da acumulação capitalista, caminho de todas as nações modernas.
Em 1863, O Conselho Privado, mandou fazer um inquérito sobre a
situação da parte mais mal nutrida da classe operária. O Doutor Simon foi o
médico oficial. Essas pesquisas se estenderam, de um lado, aos trabalhadores
agrícolas, e, de outro, aos tecelões de seda, às costureiras, aos luveiros que
trabalham com pelica, tecelões de meias, tecelões de luvas e sapateiros.
Excluindo-se os trabalhadores agrícolas e os tecelões de meias, todas as demais
categorias eram exclusivamente urbanas. Uma das normas da investigação foi a de
recolher em cada categoria as famílias mais sadias e em situação relativamente
melhor.
O resultado geral foi o seguinte:
“Só numa das categorias investigadas dos trabalhadores
urbanos, o suprimento de azoto ultrapassou um pouco o padrão mínimo necessário,
para evitar doenças de subnutrição; em duas categorias observou-se carência no
suprimento, tanto de azoto quanto de carbono, e numa delas carência muito
grave. Das famílias dos trabalhadores agrícolas investigadas, mais de 1/5 tinha
alimentação com teor de carbono inferior ao dispensável; mais de 1/3,
alimentação com teor de azoto inferior ao indispensável. Em três condados,
Berkshire, Oxfordshire e Shomersetshire verificaram-se carência de azoto na
dieta média local”.
Entre os trabalhadores agrícolas mais mal nutridas, figurava
os da Inglaterra, a parte mais rica do Reino Unido. A subnutrição, entre os
trabalhadores. Incidia principalmente sobre mulheres e as crianças, pois “o
homem tem de comer para fazer o seu trabalho”. Penúria ainda maior
assolava as categorias investigadas de trabalhadores urbanos. “Eles tão mal
alimentados que têm de haver entre eles muitos casos de privações cruéis e
ruinosas para a saúde” (consequência do espírito de renúncia do capitalista,
isto é, sua renúncia a pagar a seus trabalhadores o que estes precisam apenas
para vegetar.).
“Todo aquele que está familiarizado com a clínica de
indigentes ou com as enfermarias e clínicas dos hospitais pode afirmar que são
numerosos os casos em que a dieta deficiente produz e agrava doença”… Mas,
temos de acrescentar a isto um conjunto muito importante de condições
sanitárias… Devemos lembrar que a privação de alimentos é difícil de suportar e
que em regra uma dieta carente só ocorre depois de ter havido muita privação
anteriores. Muito antes de a insuficiência alimentar ter importância do ponto
de vista da higiene, muito antes de o fisiólogo pensar em contar os grãos de
azoto ou carbono que marcam a diferença entre a vida e a morte pela fome, o lar
já terá sido despojado de todo o conforto material. O vestuário e o aquecimento
terão se tornado mais escassos do que os alimentos. Não haverá mais proteção
contra as clemências do tempo, os aposentos terão ficado tão reduzidos que
produziram ou agravarão doenças; quase nada mais restará dos utensílios e
móveis da casa; a limpeza se terá tornado extremamente custosa e difícil. E, se
procura mantê-la, por um sentido de dignidade, esse esforço representará novos
tormentos de fome. O lar terá de se instalar onde o teto for mais barato, em
bairros onde a fiscalização sanitária é menos eficaz, onde há maior deficiência
de esgotos, de limpeza, de maiores imundices, onde a água é escassa e da pior qualidade,
e nas cidades onde há maior carência de luz e de ar. São estes os perigos
sanitários a que se expõe inevitavelmente a pobreza quando acompanhada da
míngua de alimentos. Se a soma desses perigos representa um tremendo fardo para
a vida, a simples falta de alimentos é em si mesmo horrenda… Estas reflexões
são dolorosas, principalmente quando verificamos que a pobreza de que se trata
não é a pobreza merecida dos ociosos. É a pobreza dos trabalhadores! Além
disso, com relação aos trabalhadores urbanos, o trabalho com que compram sua
escassa alimentação é em regra excessivamente prolongado. Só num sentido muito
limitado pode-se supor que esse trabalho dê para viver… “Visto numa escala bem
ampla, esse sustento nominal pelo trabalho não passa de um rodeio mais ou menos
curto para cair na pobreza”.
Qualquer observador desinteressado vê que quanto maior a
concentração dos meios de produção, mais os trabalhadores se aglomeram e num
espaço restrito; mais rápida a acumulação, mais miseráveis se tornam a habitação
e o embelezamento da cidade, consequência do crescimento da riqueza, como a
demolição dos quarteirões mal construídos, a construção de luxuosos prédios
para bancos, lojas, etc., o alargamento das ruas para o trafego comercial e
para os veículos de luxo, o estabelecimento de linhas de transportes coletivo,
desalojamos os pobres, expulsando-os para os recantos cada vez piores e mais
abarrotados de gente.
Aqui uma observação geral do doutor Simon:
“Embora oficialmente fale apenas como médico, o sentimento elementar
de humanidade não me permite ignorar o outro lado do problema. Quando o
abarrotamento das habitações ultrapassa certos limites, determina quase
necessariamente uma eliminação de toda a delicadeza, uma confusão imunda de
corpos e de funções fisiológicas, uma crua nudez animal e sexual, que não são
humanas, mas bestiais. Ficar sujeito a essas influências, é degradar-se, com
uma intensidade tanto mais profunda quanto mais elas continuarem atuando. As
crianças, nascidas sob essa maldição, recebem o batismo da infâmia. E
ultrapassa as raias da esperança o desejo de ver pessoas, colocadas nessas
circunstancias, lutarem por aquela atmosfera de civilização cuja essência é a
limpeza física e moral”.
Os ciganos, os nômades do proletariado são recrutados no campo,
mas suas ocupações são em grande parte industriais. É a “infantaria ligeira do
capital”, como diz Marx, jogada, segundo as necessidades do momento, ora aqui,
ora ali. Em geral trabalham nas construções, na limpeza de terrenos, nas
olarias, nas cerâmicas, nas construções de estradas, etc. Coluna móvel da
pestilência, os rastros de seu caminho são a varíola, o tifo, a cólera, a
sífilis, a febre escarlatina, etc. Quando a empresa envolve um gasto enorme de
capital, como na construção de estradas, ferrovias, etc., o próprio patrão é
quem fornece para seu exército a habitação, ou seja, barracos de madeira,
espeluncas, ou construções semelhantes, que formam verdadeiras aldeias
improvisadas, sem cuidados sanitários nenhum, sem controle de qualquer
autoridade, mas altamente rendosa para o patrão que, desta forma, explora duas
vezes o trabalhador: como empregado e como inquilino.
Peguemos mais um exemplo do relatório do doutor Simon:
Em setembro de 1864, o presidente do Comitê de Fiscalização
Sanitária da paróquia de Sevenoaks dirigiu ao Ministro do Interior, Sir George
Gray, a seguinte denúncia:
Nesta paróquia, há um ano, a varíola era totalmente
desconhecida. Até que se iniciaram os trabalhos da estrada de ferro
Lewisham-Tunbridge. Escolheram esta paróquia para o deposito central de todo o
empreendimento, cujos trabalhos são realizados nas vizinhanças desta cidade. Um
grande número de pessoas foi empregado. Sendo impossível alojar tantas pessoas
em casas, o empreiteiro, Mr. Jay mandou construir barracos destinados à
habitação dos trabalhadores, em diversos pontos ao longo do traçado da linha
férrea. Esses barracos não têm ventilação nem fossa ou esgoto e, além disso,
ficaram abarrotados, porque o locatário foi obrigado a compartilhar seu barraco
com outras pessoas, por mais numerosa que fosse sua própria família e embora a
habitação só tivesse dois cômodos. Segundo o relatório médico que recebemos
esses pobres abrigados, em consequência disso, têm de sofrer todas as noites as
torturas da sufocação, para se protegerem das emanações pestilentas das águas
estagnadas e imundas e das latrinas colocadas logo abaixo das janelas. Por fim,
chegaram ao nosso Comitê queixas formuladas por um médico sobre a situação
deles nos termos mais severos e manifestou o receio das graves consequências
que haveria se não fossem tomadas certas providenciam sanitárias. Há quase um
ano, o referido Jay comprometeu-se a construir uma casa onde seriam
imediatamente isolados seus empregados que fosse acometido de doenças
infecciosas. Repetiu essa promessa no fim de julho passado, mas não deu o menor
passo para cumpri-la, embora desde então tenham ocorridos em seus barracos
diversos casos de varíola e, em consequência duas mortes. A 9 de setembro, o doutor Kelson informou-me de novos casos de
varíola nos mesmos barracos, descrevendo sua horrível situação. Para informação
(do Ministro), devo acrescentar que a nossa paróquia possui uma casa de
isolamento, lazareto onde são cuidados os paroquianos que contraíram doenças
infecciosas. Há muitos meses que o lazareto está continuamente superlotado de
pacientes. Numa única família, cinco crianças morreram de varíola ou de febre.
De 1º de abril a 1º de setembro desse ano, ocorreram nada menos que 10 óbitos
por varíola, sendo 4 nos referidos barracos, o foco da infecção. É impossível
dar o número dos atacados por doenças infecciosas, pois as famílias atingidas
procuram manter o maior segredo possível em torno do assunto.
Vejamos agora os efeitos da crise sobre aparte melhor paga da
classe operária, da sua aristocracia.
Um jornalista do Morning Star nos descreve a situação em uma
das principais localidades atingidas pela crise industrial, de janeiro de 1867:
“A oeste de Londres, há pelo menos
15 mil trabalhadores com suas respectivas famílias literalmente à mingua. Dentre
eles há mais de 3 mil operários qualificados. Suas poupanças estão esgotadas,
pois há seis ou oito meses que estão desempregados. Uma multidão faminta
assediava a casa do Trabalho, a espera do vale pão. Tive dificuldade para
chegar ao portão do asilo. Não havia chegado a hora da distribuição dos vales.
O pátio do asilo é um imenso quadrado com um telheiro que corre em volta dos
muros. Havia pequenos espaços limitados por cercas de vime, como currais de
ovelhas, onde os homens trabalham quando o tempo está bom. No dia da minha
visita, o tempo estava tão ruim que ninguém podia trabalhar neles. Mas, assim
mesmo, alguns homens britavam pedras debaixo do telheiro. Trabalhavam por
trinta shillings ao dia e um vale de pão. Noutra parte do pátio havia uma casa,
onde os homens, para se manterem aquecidos, esfregavam-se ombro a ombro.
Desfiavam estopas e competiam para ver qual deles poderia trabalhar mais com um
mínimo de comida, pois a resistência era para eles ponto de honra. Só neste
asilo eram acolhidos 7 mil trabalhadores, entre os quais muitas centenas deles
recebiam, há 6 ou 8 meses, os mais altos salários pagos neste país a um
operário qualificado. Se não houvesse as casas de penhor, o seu número seria o
dobro. Deixando o asilo, fui à casa de um operário de indústria
siderúrgica, desempregado há 27 semanas. O homem estava sentado com toda a sua
família num pequeno quarto aos fundos. O quarto não estava ainda despojado, de
todos os moveis e dentro dele ardia ainda um fogo, para não enregelar os pés
das crianças, pois o frio estava terrível. Frente ao fogo havia certa
quantidade de estopa que a mulher e as crianças desfiavam para ganhar o pão do
asilo. O homem britava pedras no asilo, por um vale de pão e 30 shillings por
dia. Com muita fome dizia com um sorriso amargo, chegando agora para o almoço:
alguns pedaços de pão com gordura derretida e uma xícara de chá sem leite… A
próxima porta onde batemos foi aberta por uma senhora de meia idade que, sem
dizer uma palavra, levou-nos a um pequeno quarto nos fundos, onde estava toda a
família, de olhos pregados num fogo que estava se extinguindo rapidamente. Não
desejo ver mais o uma cena com a que presenciei aquela consternação, aquele
desespero, que transparecia no rosto daquela gente que dominava o pequeno
aposento. Há 26 semanas, disse a senhora, apontando para seus rapazes, que eles
não conseguem ganhar nada, e todo o nosso dinheiro foi embora, todo o dinheiro
que eu e o pai conseguimos guardar nos melhores tempos, pensando que nos seria
útil quando parássemos de trabalhar. Veja! Gritou ela selvagemente, mostrando
sua caderneta bancaria e assim, pudemos ver como a pequena fortuna crescera do
primeiro deposito de 100 shillins até atingir 50 mil shillings e depois começou
a cair, tostão a tostão, até que a caderneta ficasse sem valor algum, como um
pedaço de papel em branco. Essa família recebia diariamente uma escassa
refeição do asilo… A outra visita nos levou à casa de um irlandês que
trabalhava nos estaleiros navais. A sua mulher estava doente por inanição,
estendida com as suas roupas sobre um colchão, pobremente coberta com um pedaço
de tapete, pois toda a roupa de cama tinha sido penhorada. Suas crianças em
estado miserável cuidavam dela e precisavam elas mesmas do cuidado materno.
Contou-nos a história do seu passado miserável, gemendo como se tivesse perdido
todas as esperanças… dezenove semanas de ociosidade forçada haviam reduzido a
família a esse estado de extrema necessidade. Chamado a outra casa, vi um
senhora e duas lindas crianças, um punhado de cautelas de penhor e um quarto
frio e vazio; era tudo o que tinha para mostrar.
Entre os capitalistas ingleses era moda apresentar a Bélgica
como o paraíso do trabalhador, pois lá não havia limitações à “liberdade do
trabalho” ou, o que é o mesmo, à “liberdade do capital”. Lá não havia nem o
despotismo ignominioso dos sindicatos, nem esse grupo opressivo de comissários
de fábricas. Vamos a algumas palavrinhas sobre a “felicidade” do trabalhador
belga. Não há ninguém, por certo mais familiarizado com os mistérios dessa felicidade
que o falecido Ducpétiaux, que era inspetor geral das prisões belgas e da
instituição de beneficência e membro da Comissão Central de Estatística Belga.
Abramos usa obra “Balanço Econômico da Classe Operária na Bélgica”, publicada
em Bruxelas, em 1855. Entre outras coisas, encontramos aí uma família belga
normal, cujas receitas e despesas são calculadas na base de dados exatos e
cujas condições de alimentação são comparadas com as dos soldados, marinheiros
e penitenciários. A família é constituída de pai, mãe e quatro filhos; dessa
família, quatro podem trabalhar como assalariados durante o ano inteiro.
Imagina-se que não há doentes e incapazes, nem poupanças em bancos e caixas de
aposentadoria. Nenhuma despesa supérflua, nenhum luxo. Apenas uma contribuição
para o culto. O pai e o filho mais velho fumam e aos domingos vãos até o
boteco, gastando semanalmente nessas distrações um total de R$ 20,00. Toda a
receita da família, exatamente calculada, chega anualmente a R$ 10.680,00. Eis
o balanço anual da família:
O pai, 300 dias a R$ 15,60 R$ 4.680,00
A mãe, 300 dias a R$ 8,90 R$
2.670,00
O filho, 300 dias a R$ 5,60 R$ 1.680,00
A filha, 300 dias a R$ 5,50 R$ 1.650,00
Total
Anual R$10.680,00
Na hipótese de que o operário tivesse a alimentação:
Do marinheiro, a R$ 18.280,00 teria R$ 7.600,00 de
déficit;
Do soldado, a R$ 14.300,00 teria R$ 4.050,00 de déficit;
Do prisioneiro, a R$ 11.120,00 teria R$ 4.440,00 de déficit.
Voltemos a Londres, onde uma pesquisa oficial foi feita, em
1863, sobre a alimentação e o trabalho dos condenados, seja à deportação, seja
ao trabalho forçado. Ei-la:
“Uma comparação cuidadosa, entre a dieta dos condenados ás
prisões na Inglaterra, de um lado, e a dieta dos pobres nos asilos e dos
trabalhadores agrícolas livres, do outro, mostra, sem sombra de dúvida, que os
primeiros são muito melhor alimentados do que quaisquer elementos das duas
outras categorias… Além disso, a quantidade de trabalho exigida de um condenado
a trabalhos forçados é quase a metade da que executa ordinariamente o
trabalhador agrícola”.
Um inquérito sobre saúde pública, em 1865, por ocasião de uma
epidemia numa área rural, cita entre outro, o seguinte fato:
“Um menino doente de febre dormia à noite ao mesmo quarto como
seu pai, mais um filho ilegítimo, mais dois irmãos, mais duas irmãs, cada uma
com um bastardo, ao todo 10 pessoas. Há algumas semanas eram 13 que dormiam no
mesmo aposento”.
Pelas proporções deste manual, não poderemos transcrever, com
todos os detalhes e a precisão de Marx, a situação miserável em que foi jogado
o trabalhador rural. Mas encerremos este capitulo, falando de uma calamidade
toda especial entre os trabalhadores agrícolas ingleses, provocada pela
acumulação de capital.
O excedente da população rural leva ao rebaixamento dos salários,
em certas épocas do ano, quando os trabalhos na agricultura têm de ser realizados
em determinado tempo, por exemplo, na época da colheita, exige-se um número
maior de braços; as necessidades do capital não são quantitativamente
satisfeitas com a população agrícola. Consequentemente, recorre-se a um grande
número de mulheres e crianças, para suprir essa necessidade momentânea do
capital; cumprida essa função, essa gente vai aumentar a superpopulação rural.
Este fato produziu entre os trabalhadores rurais ingleses o sistema de bandos
ambulantes, os volantes.
Um grupo de volante sé formado de 10 a 40 ou 50
pessoas, mulheres, jovens de ambos os sexos entre 13 e 18 anos, embora rapazes
de 13 anos sejam em geral excluídos, e finalmente crianças de ambos os sexos
entre 6 e 13 anos. O seu chefe é um trabalhador agrícola comum, geralmente
velhaco, debochado, boêmio, bêbado, mas com certo espírito de iniciativa e
muito esperto. O grupo que ele recruta trabalha sob suas ordens e não sob as do
arrendatário, com quem acerta o trabalho por empreitada. O seu ganho não é
muito maior do que um trabalhador agrícola comum e depende de sua habilidade
para fazer o seu bando realizar a tarefa contratada, no menor tempo possível.
Os arrendatários descobriram que as mulheres só trabalham com regularidade sob
a ditadura masculina, e que elas e as crianças, uma vez iniciada a tarefa,
empregam impetuosamente suas forças, enquanto o homem adulto, malandramente,
procura poupar-se o máximo possível no trabalho.
O chefe do grupo vai de uma fazenda pra outra, ocupando seus
elementos durante 6 a 8 meses por ano. Por isso, é muito mais rendoso
e mais seguro para as famílias dos trabalhadores servir com ele do que tratar
seu trabalho diariamente com o arrendatário, que só ocasionalmente emprega
crianças. Esta circunstância lhe dá uma influência tão grande que, em certos
povoados, as crianças, em regra, só podem ser empregadas por seu intermédio.
Ele consegue um ganho adicional, atravessando as crianças individualmente, sem
a família, para os arrendatários.
O lado sombrio do sistema de grupos ambulantes: o trabalho
excessivo das crianças e dos jovens, as longas marchas diárias para as
fazendas, muitas vezes a léguas de distância e finalmente, a desmoralização do
bando. O chefe, conhecido em alguns lugares como arreio, só excepcionalmente
recorre a violência, muito embora a tenha a sua disposição. É um imperador
democrático, procurando exercer uma atração, como o gerente de um circo.
Precisa de popularidade entre os seus dependentes e os seduz como os atrativos
da vida cigana que promove. Licenciosidade grosseira, dissolução alegre e a
mais obscena falta de pudor dão asas bando. Em geral, paga os seus comandados
num bar, e ao sair cambaleante, vai, apoiado década lado por uma mulher
robusta, à frente do bando, e as crianças e os jovens acompanham-no fazendo
maior algazarra e entoando cantigas zombeteiras e pornográficas. Não são raras
as meninas de 13, 14 anos engravidarem de rapazes da mesma idade. Os povoados
que fornecem os contingentes do bando, transformam-se em Sodomas e Gomorras, e
a taxa de nascimento de filhos ilegítimos é o dobro da observada em outras
regiões do país.
Além de sua forma clássica, tal
como descrevemos, há ainda os bandos particulares. Sua composição é a mesma do
bando comum, mas tem menos pessoas, não são comandadas por um chefe autônomo,
mas por um velho criado para o qual o arrendatário não achou ocupação melhor.
Nestes bandos, o humor cigano desaparece, mas de acordo com o que dizem as
testemunhas, pioram o pagamento e o tratamento das crianças.
Este sistema de bandos continua crescendo nas últimas décadas
e não existe para o prazer se seu chefe. Existe para enriquecer os grandes
arrendatários e, indiretamente, os donos das terras. Os pequenos arrendatários
não empregam esses bandos e nem as terras pouco férteis.
Frente a uma Comissão de Inquérito, um proprietário, apavorado
com uma possível redução de seus ganhos, vociferou:
“Por que se faz tanto caso? Eu sei, é porque o nome do sistema
soa mal. Em vez de “bando”, podemos dizer “Associação Industrial-Agrícola
Cooperativa e Autarquia da Juventude” e tudo estaria bem.”.
Um antigo chefe se bando declarou: “O trabalho dos bandos é
mais barato do que qualquer outro, e esta é a razão porque é utilizado”.
De um arrendatário: “O sistema de bandos é, sem dúvida, mais
barato para o arrendatário e o mais nocivo para as crianças”.
Para os arrendatários, não há método mais engenhoso para
manter os trabalhadores muito abaixo do nível normal – deixando sempre a sua
disposição um suplemento de braços para as necessidades extraordinárias – para
obter muito trabalho com a menor despesa possível e para tornar supérfluo o
trabalhador adulto. Sob o pretexto de que há falta de mão-de-obra, reclamam
como necessário o sistema de bandos.
10. A acumulação
primitiva
E estamos chagando ao fim do nosso drama. Um dia encontramos o
trabalhador no mercado, vendendo sua força de trabalho, como vimos negociando
com o homem do dinheiro. Ele não sabia ainda com seria duro o caminho do
Calvário que teria de enfrentar, nem tinha experimentado ainda o cálice amargo
do qual teria de beber até chagar a última gota. O Homem do dinheiro não era
ainda um capitalista, mas um modesto proprietário de uma pequena riqueza,
tímido e incerto em sua nova caminhada, na qual empregava toda a sua
fortuna. Vimos como acena mudou.
O operário depois de ter gerado o capital com seu primeiro
sobre-trabalho, foi oprimido por um trabalho excessivo de uma jornada
extraordinariamente prolongada. O tempo de trabalho necessário para sua
manutenção foi encurtado pela mais-valia relativa, enquanto o sobre-trabalho
foi prolongado para nutrir sempre mais abundantemente o capital. Na cooperação
simples, vimos que o operário submetido a uma disciplina militar, preso a uma
corrente de concatenação de forças de trabalho, a extenuar-se mais e mais, para
alimentar o sempre crescente capital. Vimos o operário mutilado, aviltado e
oprimido ao máximo pela divisão do trabalho, na manufatura. Vimos sofrer as
indescritíveis dores materiais e morais causadas pela introdução da máquina, na
grande indústria. Expropriado da última parcela de sua virtude artesanal,
vimo-lo reduzido a um mero servo da máquina, transformado, de membro de um
organismo vivo, em um apêndice vulgar de um mecanismo, torturado pelo trabalho
vertiginosamente intensificado pela máquina, que a cada momento ameaça arrancar
um pedaço de sua carne ou tritura-lo completamente entre suas monstruosas
engrenagens e, como se não bastasse, vimos sua mulher e seus queridos filhos se
tornarem escravos do capital. E, no entanto, o capitalista, imensamente
enriquecido, pagando-lhe um salário que ele pode diminuir a seu prazer, embora
dando mostras de conservá-lo no nível anterior e até mesmo aumenta-lo.
Finalmente, vimos o operário, temporariamente inutilizado pela acumulação de
capital, passar do exército ativo industrial, para a reserva, e então, desta,
descer para o inferno da pobreza. Todo o sacrifico foi
consumado. Mas como foi possível acontecer tudo isso?
De um modo muito simples! O Operário era, na verdade,
proprietário de sua força de trabalho, com a qual poderia produzir tanto quanto
necessitasse para si e sua família, mas a quem faltava os outros elementos
indispensáveis ao trabalho, ou seja, os meios e matéria de trabalho.
Desprovido, portanto, de qualquer riqueza, o operário foi obrigado, para ganhar
a vida, a vender seu único bem, sua força de trabalho, ao homem do dinheiro,
que tirou o seu proveito. A propriedade individual e o salário, fundamentos do
sistema de produção capitalista, são a causa primeira de tanta dor. Mas
isto é injusto! É criminoso! E quem deu a o homem o direito à propriedade
individual?! E, além disso, como foi que o homem do dinheiro se apossou dessa
riqueza, dessa acumulação primitiva, origem de tanta infâmia?
Uma voz terrível levanta-se do templo do deus Capital e grita:
“tudo é justo, porque tudo está escrito no livro das leis eternas. De há muito
se foi o tempo em que o homem vagava ainda livre e igual sobre a Terra. Poucos
deles foram laboriosos, sóbrios e econômicos; todos os demais foram
preguiçosos, luxuriosos e esbanjadores. A virtude fez a riqueza dos primeiros e
o vício, a miséria de outros. Os poucos conseguiram o direito de gozar (eles e
seus descendentes) da riqueza virtuosamente acumulada; enquanto os muitos (ele
e seus descendentes) são obrigados pela sua miséria a se venderem aos ricos,
foram condenados a servirem eternamente a estes e seus descendentes”. Eis
como certos amigos da ordem burguesa veem as coisas. Essas insípidas ingenuidades
continuam a circular. Thiers, por exemplo, com a faixa presidencial da república
francesa, apresentou sua estupidez a seus concidadãos escrevendo um livro, no
qual pretendeu ter aniquilado os ataques sacrílegos do socialismo contra a
propriedade.
Se a origem da acumulação primitiva fosse divina, a teoria que
ela deriva seria tão justa quanto aquela do pecado original e da predestinação.
O pai foi preguiçoso e beberrão, o filho sofrerá a miséria. Um é filho de um
rico, esta predestinada a ser feliz, forte, instruído, civilizado, etc.; outro
é filho de um pobre, está predestinado a ser infeliz, ignorante, bruto, imoral.
Uma sociedade fundada sobre tal lei deve, certamente, acabar, com acabaram
tantas outras sociedades menos bárbaras e menos hipócritas, tantas religiões e
deuses, a começar pelo cristianismo, em cujas leis de encontram exemplos
similares de justiça. Aqui poderíamos botar um ponto final em nosso
trabalho, se fosse possível levar a sério essa tolice burguesa. Mas o nosso
drama tem um final digno desse espetáculo, como logo veremos, assistindo ao
último ato.
Abramos a história, aquela história escrita pala burguesia, e
para consumo da burguesia, busquemos nela a origem da acumulação primitiva e é
isso o que encontramos. Em épocas mais antigas, grupos de homens nômades
vieram a se estabelecer nas localidades melhor situadas e mais favorecidas pela
natureza. Ali fundaram cidades, cultivaram a terra e fizeram tudo quanto é
necessário para a própria prosperidade. Mas eis que se encontram e guerreiam
pela sua sobrevivência. Daí as guerras, mortes, incêndios, rapinagem e
devastações. Tudo o que era vencido se tornava propriedade do vencedor,
inclusive os sobreviventes que se tornavam escravos.
Aí está a origem da acumulação
primitiva na antiguidade. Vejamos agora, na Idade Média. Nesta segunda
época da história, só encontramos invasões de povos aos países de outros povos
mais ricos e mais favorecidos pela natureza, e sempre o mesmo refrão de matanças,
rapinagem, incêndios, etc. Tudo o que era dos vencidos passa para as mãos dos
vencedores, com a diferença de que os sobreviventes não se tornam mais
escravos, como na época anterior, mas servos, e passam juntamente com a terra a
que estavam presos, para o poder do seu senhor.
Portanto, nem mesmo na época medieval encontramos o menor
traço da idílica laboriosidade, sobriedade e economia decantada por certa
doutrina burguesa sobre a origem da acumulação primitiva. E é bom que se diga
que na Idade Média é a época para qual nossos ilustres possuidores de riqueza
podem se reportar em busca de suas origens, de seus ancestrais. Passemos,
finalmente, para a época moderna.
A revolução burguesa destruiu o feudalismo e mesmo transformou
a servidão em salário. Mas, ao mesmo tempo, retirou doa trabalhadores os poucos
meios de existência, que o estado de servidão lhes assegurava.
Ainda que devesse trabalhar a maior parte do tempo para seu
senhor, o servo se assegurava com um pedaço de terra, com os instrumentos e o tempo
de cultivá-las, para ganhar sua própria vida. A burguesia destruiu tudo isso e
fez do servo um trabalhador “livre”, o qual não tem outro jeito senão se deixar
explorar pelo primeiro capitalista que o capturar ou morrer de fome. Bem,
deixemos agora essas observações gerais e passemos para um caso particular.
Peguemos a história de um povo e vejamos como é feita a expropriação da
população agrícola e a formação daquela massa de operários, destinada a
fornecer sua força de trabalho a indústria moderna. Para variar,
retornemos à história na Inglaterra, onde todas essas doenças por nós estudadas
se desenvolveram mais cedo, oferecendo-nos um bom posto para observação
pratica.
Nos fins do século 14, a servidão tinha praticamente
desaparecido da Inglaterra. A imensa maioria da população se compunha agora, e
mais completamente ainda no século 15, de camponeses livres que cultivavam a
sua própria terra, qualquer que fosse o título feudal que lhe garantisse o
direito de posse. Nos grandes domínios senhoriais o antigo Bailiff, um servo,
foi substituído pelo arrendatário livre. Os assalariados rurais eram, em parte,
camponeses, que durante o tempo em que não precisavam trabalhar em suas
próprias terras, contratavam trabalhos com os grandes proprietários; e, em
parte, uma classe particular e pouco numerosa de assalariados propriamente
ditos. Mas estes eram, ao mesmo tempo, lavradores independentes,
pois além do salário, recebiam uma habitação e uma terra de 4 ou mais acres
para lavrar. Além disso, juntos com os camponeses propriamente ditos, usufruíam
das terras comuns, onde pastavam seu gado e de onde retiravam a lenha, a turfa,
etc., para seu aquecimento.
A revolução que criou os
fundamentos do modo de produção capitalista teve seu início nos últimos anos do
século 15 e nas primeiras décadas do século 16. Em todos os países da Europa a
produção feudal se caracterizou pela repartição de terras entre o maior número
possível de camponeses. O poder do senhor feudal, como soberano, não dependia
do tamanho de suas rendas, mas do número de seus súditos, do número de
camponeses trabalhando em seus domínios. Repentinamente a libertação dos
numerosos séquitos senhoriais lançou no mercado de trabalho uma massa de
proletários sem eira, nem beira. Essa massa cresceu consideravelmente por meio
da usurpação dos bens comunais dos camponeses, bens estes instituídos pelas
leis feudais, nas quais os grandes senhores nem pensaram. O florescimento da
manufatura da lã, com o consequente aumento dos preços da lã, motivou
diretamente essas violências na Inglaterra. Transformar as terras de lavoura em
pastagens era o grito de guerra. “Mas que importa aos nossos grandes
usurpadores? As casas e choupanas dos camponeses e trabalhadores foram
violentamente demolidas ou abandonadas à ruína total. Quando consultamos os
velhos inventários de algumas residências senhoriais, verificamos que inúmeras
casas e pequenas lavouras desapareceram que a terra alimenta um número bem
menor de pessoas, que muitas cidades desapareceram, embora prosperem algumas
novas… Poderia falar de cidades e aldeias que se transformaram em pastos de
ovelhas e onde apenas se encontram as mansões senhoriais”.
Velhas crônicas, como esta de Harrison, exageram as queixas,
mas traduzem exatamente a impressão dos contemporâneos que testemunharam essa
revolução das condições de produção.
No século 16, com a Reforma Protestante e o imenso saque aos
bens da Igreja Católica, o violento processo de expropriação do povo recebeu um
novo e terrível impulso. A Igreja católica era, nesta época, proprietária
feudal de grande parte do solo inglês. A extinção dos conventos, etc., enxotou
os habitantes de suas terras, engrossando ainda mais o proletariado. Os bens
eclesiásticos foram amplamente doados aos vorazes favoritos da Corte ou
vendidos a preços ridículos a especuladores, agricultores ou burgueses que
expulsaram em massa os antigos moradores hereditários e fundiram as suas
propriedades. O direito dos pobres à propriedade de uma parte dos dízimos da
Igreja foi tacitamente confiscado. Nesta época, a rainha Elizabeth fez uma
viagem pela Inglaterra. “Pauper ubique jacet”, espantou-se ela, em latim, logo
após cumprir o seu itinerário. O que ela quis dizer em português, é que “o
pobre está na miséria por toda a parte”, tanto assim que o seu governo foi obrigado
a reconhecer oficialmente a pobreza, introduzindo o imposto de assistência aos
pobres. Os autores dessa lei se envergonharam de explicar-lhe os motivos e, sem
os preâmbulos de praxe, a fixaram. Sob o reinado de Carlos I, o Parlamento
Inglês a declarou definitiva, e só veio a ser modificada em 1834. Ao invés de
receberam indenizações a que tinham direto, deram aos pobres mais pobreza e
mais castigos. Ainda no tempo de Elizabeth, alguns proprietários de terras
e alguns ricos arrendatários do sul da Inglaterra se reuniram para estudar a
lei sobre os pobres recentemente promulgada. Um celebre jurista da época foi
encarregado de ler e de dar seu parecer sobre o anteprojeto dos proprietários.
“Alguns dos ricos arrendatários da
paróquia imaginaram um plano muito engenhoso para afastar todas as confusões
que ocorrem na aplicação da lei. Eles propuseram a construção de uma cadeia na
paróquia. Será negada qualquer ajuda ao pobre que nela não se deixe encarcerar.
Avisar-se-á por toda a vizinhança que qualquer pessoa que deseje alugar os
pobres da paróquia deve apresentar propostas lacradas, num dia determinado,
fixando o menor preço pelo qual ficariam com eles. Os autores deste plano
supõem existirem nos condados, pessoas que gostariam de viver sem trabalhar,
mas que não podem realizar seu desejo por não disporem de recursos ou créditos
suficientes para arrendar ou conseguir um barco. Estas pessoas estariam
inclinadas a fazer uma proposta vantajosa à paróquia. Se os pobres morrerem aos
cuidados do contratante, a culpa recairá sobre ele, uma vez que a paróquia já
terá cumprido todos os seus deveres em relação a eles. Tememos que a lei que
tratamos não permita medidas prudentes com a que imaginamos. Informamos-lhe,
entretanto, que os demais proprietários alodiais desse condado e adjacentes se
juntarão a nós para levar seus representantes na Câmara dos Comuns a propor um
alei que permita o encarceramento e o trabalho compulsório dos pobres, de modo
que ficará sem direito a qualquer auxilio aquele que se opuser ao encarceramento.
Isso, esperamos, impedirá os miseráveis de ter necessidade de
assistência”. No século 18, a lei mesma se torna instrumento de
espoliação. A forma parlamentar do roubo de terras comunais é aquela das leis
de cercamento das terras comunais, públicas. São na realidade, decretos com os
quais os proprietários de terras se fazem eles mesmos donos dos bens comunais,
decretos de expropriação do povo. Um tal Sir F. M. éden chega a apresentar a
propriedade comunal como u7ma propriedade privada, embora ainda indivisa, mas
ele mesmo se contradiz em sua vergonhosa argumentação jurídica, ao propor ao
Parlamento uma lei geral para cercar as terras comuns. E, não satisfeito ainda
de ter confessado a necessidade de um golpe de Estado para açambarcar os bens
comunais, ele insiste em se contradizer, ao pedir ao legislador uma indenização
para os pobres expropriados. Se não fossem expropriados, não seriam, é obvio
pessoas a serem indenizadas. Sir F. M. éden, como vimos, é um poço de
disparates e cobiça das coisas alheias, mas não perde a “filantropia”.
“Em Northamptonshire e Lincolnshire, cercaram as terras comuns
na mais ampla escala e a maior parte das novas propriedades daí surgidas está
transformada em pastagens; por isso, muitos senhorios não têm 50
acresarados, onde existiam 1.500… ruínas de casas, celeiros, estábulos, etc.,
são os únicos vestígios dos antigos habitantes. Em muitos lugares centenas de
casas e famílias foram reduzidas a 8 ou 10.na maior parte das regiões atingidas
pelo cercamento, há 15 ou 20 anos, os proprietários de terras são hoje em número
bem menor em relação ao que existia antes. Não é raro ver 4 ou 5 ricos
criadores que recentemente usurparam e cercaram terras que se encontravam em
mãos de 20 a 30 lavradores arrendatários e outros tantos pequenos proprietários
e colonos. Esses lavradores e suas famílias foram enxotados dos bens que
possuíam, juntamente com muitas outras famílias que empregavam e mantinham”.
Marx transcreveu este treco de uma “Pesquisa sobre as razões
contrarias ou favoráveis ao cercamento de campos abertos”, publicado em 1772,
pelo Reverendo Addington. Os lordes latifundiários (landlords) anexaram
não somente a terra inculta, mas também a cultivada em comum ou mediante
arrendamento à comunidade, sob o pretexto de cercamento. Ouçamos o doutor
Price:
“Falo aqui do cercamento dos campos e terras abertos que já
estão cultivados. Até os defensores do cercamento admitem, nesse caso, que o
cercamento diminui o cultivo das terras, eleva os preços dos meios de
subsistência e produz despovoamento… e mesmo o cercamento de terras incultas,
com atualmente se pratica, rouba aos pobres parte de seus meios de subsistência
e amplia as áreas arrendadas que já são grandes demais. Se todas as terras
caírem nas mãos de alguns poucos grandes arrendatários, os pequenos lavradores
serão transformados em pessoas que terão de ganhar a vida trabalhando para os
outros e forçadas a irem ao mercado para comprarem tudo que precisam… haverá
talvez mais trabalho, pois a coação será maior… Aumentarão as cidades e as manufaturas,
pois mais gente afluirá para ela procurando emprego. Este é o sentido em que o
açambarcamento das terras naturalmente atua e em que, há muitos anos, tem
realmente atuado neste reino”. De fato a usurpação dos bens comunais e
a revolução agrícola que a seguiu foi tão duramente sentida pelos trabalhadores
rurais que, segundo o mesmo Éden, de 1765 a 1780 o salário começou a
cair abaixo do mínimo e teve de ser completado pela assistência oficial. “O
salário do trabalhador rural já não é mais suficiente nem para as primeiras
necessidades da vida”, disse ele.
No século 19 desaparecia, enfim, a lembrança daquele
sentimento que unia o homem do campo ao solo comunal. Que indenização,
perguntaríamos, recebeu a população rural, quando entre 1810 e 1831, foi espoliada
em 3.511.770 acres de terras comuns, com as quais, através do
Parlamento, os landlords presentearam os landlords? E isso sem contar a
extensão de terras roubadas em tempos mais próximos… Finalmente, o último
grande processo de expropriação dos camponeses é a chamada limpeza das
propriedades, que consiste em varrer desta os seres humanos. Todos os métodos
até agora observados culminaram nesta “limpeza”. Não havendo mais camponeses
para serem enxotados, a limpeza prossegue demolindo as choupanas, etc., até que
os trabalhadores rurais, nesse processo de modernização, não encontrassem mais
na terra em que trabalham o espaço necessário para sua própria habitação.
Um depoimento sobre esse processo na Escócia: “Os grandes
da Escócia expropriaram famílias como se fossem ervas daninhas, tratando
aldeias e seus habitantes como indianos enraivecidos que atacam as feras
acuadas em seus refúgios… O ser humano vale uma pele de carneiro, ou uma perna
de carneiro ou menos ainda… Quando se invadiu o norte da China, O Grande
Conselho dos Mongóis discutia a necessidade de exterminar seus habitantes e
converter suas terras em pastagens. Muitos proprietários escoceses
não vacilaram em executar essa proposta em seu próprio país, contra seus
próprios conterrâneos”.
Mas vamos dar a mão aquém merece. A iniciativa mais mongólica
foi tomada pela duquesa de Sutherland. Essa senhora, de boa escola, logo que
tomou as rédeas da administração, recorreu a medidas radicais e converteu em
pasto todo o condado; a população, que já havia sofrido experiências análogas,
mas não em tão grandes proporções, já estava tão reduzida a 15 mil habitantes.
Entre 1814 e 1820, estes 15 mil individuais, que formavam 3 mil famílias foram
barbaramente expulsos. Todas as suas aldeias foram destruídas e incendiadas e
seus campos convertidos em pasto. Os soldados, enviados para essa missão,
bateram nos habitantes sem piedade. Uma velhinha morreu queimada entre as
chamas de sua cabana, da qual se negou a sair. E assim, a nobre dama se
assenhoreou de 794 mil acres de terras que pertenciam à comunidade desde tempos
imemoriais. (Burgueses! Vós que reclamais do uso revolucionário do
petróleo, limpai as orelhas! O fogo desde há muito é usado contra o
proletariado! É a vossa história que fala).
Voltando a duquesa. Aos camponeses expulsos, ela mandou que se
localizassem em 6 mil acres na orla marítima a 2 acres por família.
Esses 6 mil acres eram inteiramente incultos até então, e não proporcionavam
qualquer renda. À duquesa não faltou a “fidalguia” de cobrar uma renda razoável
por acre, a ser pago pelos membros da comunidade, que, há séculos, derma seu
sangue a serviço dos Sutherland. Ela dividiu a terra roubada em 29 grandes
arrendamentos para a criação de ovelhas, cada um habitado apenas por uma
família, em geral oriunda da criação dos arrendatários ingleses. Em 1825, os 15
mil aborígines gaélicos estavam substituídos por 132 mil ovelhas. Os que forram
lançados na orla marítima procuravam viver da pesca. Transformaram-se em
anfíbios e, na expressão de um escritor inglês, viviam uma meia vida de duas
partes, uma em água e outra em terra. Mas a brava gente gaélica devia
pagar ainda mais caro pela idolatria que o seu romantismo serrano dedicava aos
“grandes homens” do seu clã. O cheiro de peixe chegou ao nariz dos grandes
homens. Farejaram algo lucrativo atrás dele e arrendaram a orla marítima aos
grandes mercadores de peixes de Londres. Os gaélicos foram expulsos pela
segunda vez.
Por fim, um aparte das pastagens se transformou em reserva de
caça. O professor Leone Levi, em abril de 1866, na Sociedade de Artes, disse em
sua conferência sobre o problema: “O despovoamento do país e a
transformação das lavouras em meros pastos ofereceram os meios mais cômodos
para uma renda sem despesas… Tornou-se moda, depois transformar os pastos em
campos de caça. As ovelhas expulsas, pelos animais de caça, do mesmo modo que
os seres humanos foram enxotados para dar lugar às ovelhas… Imensas
áreas que figuravam nas estatísticas da Escócia como pastagens de excepcional
fertilidades extensão não são cultivadas, nem melhoradas, estando reservadas
exclusivamente para algumas pessoas terem o prazer da caça em períodos curtos e
determinados do ano”.
No final de maio de 1866, um jornal
escocês dizia: “Uma das melhores pastagens de ovelha de Sutherlandshire, pela
qual se ofereceu recentemente uma renda anual de centenas de libras, será
transformada em reserva de caça”. Outros jornais da mesma época falaram sobre
esses instintos feudais, cada vez mais crescentes na Inglaterra; alguns deles
podem concluir, com dados e números, que tal fato não havia diminuído a riqueza
nacional. A criação desse proletariado sem direito algum era mais rápida
do que a utilização nas manufaturas nascentes. Além disso, brutalmente
arrancados das suas condições habituais de existência, não podiam enquadra-se,
da noite para o dia, na disciplina exigida pela nova ordem social. Muitos se
transformaram em mendigos, ladrões, vagabundos, em parte por inclinação, mas,
na maioria dos casos, por força das circunstancias. Daí ter surgido em toda a
Europa ocidental, nos fins do século 15 e no decurso do século 16 uma
legislação sanguinária contra a vadiagem. Os ancestrais, da classe operaria
atual foram punidos inicialmente por se transformarem em vagabundos e
indigentes, transformação esta que lhes foi imposta. A legislação os tratava
como delinquentes voluntários como se dependesse e deles prosseguirem
trabalhando nas velhas condições e que não mais existiam.
Na Inglaterra, essa legislação começou sob o reinado de
Henrique VII. Henrique VIII, em 1530: velhos e incapacitados para
trabalhar obtêm o direito de apelar à caridade pública, ou seja, esmolar; os
sadios que vagabundeiam são presos e chicoteados até sangrar; e, além disso, de
acordo com a lei posta em vigor, esses vagabundos devem jurar que voltarão a
terra natal ou á cidade onde viveram nos últimos 3 anos para, como diz a lei,
“se porem a trabalhar”.
Que ironia cruel! E essa lei é
modificada para ser ainda mais dura, nesse mesmo governo: o vagabundo
reincidente, além de chicoteado, terá a metade da orelha cortada, isso na
primeira, porque na segunda reincidência era condenado a forca, como criminoso
irrecuperável e inimigo de Estado. Eduardo VI, 1547, no primeiro ano do
seu governo, baixou uma lei determinando que aquele que não trabalhar a ser
escravo de quem o denunciou como vadio. (Assim, para lucrar com o trabalho de
um pobre coitado, bastava denuncia-lo como vadio). Segunda a lei, o dono deve
sustentar seu escravo a pão e água, bebidas fracas e resto de carne, como achar
conveniente, a chicotes e aferros tem o direito de obrigá-lo a executar
qualquer trabalho, por mais repugnante que seja. Se o escravo desaparecer por
duas semanas, será condenado à escravidão perpetua e marcado a ferro, na testa
e nas costas com a letra S (de “slave”:
escravo, em inglês); se escapar pela terceira vez será enforcado como traidor.
O dono pode vendê-lo, presenteá-lo, aluga-lo, como qualquer bem móvel ou gado.
Se o escravo tentar qualquer coisa contra seu senhor, será também enforcado. Os
juízes de paz, quando informados, devem imediatamente providenciar a busca dos
acusados. Se verifica que um vagabundo está vadiando há 3 dias, será ele levado
à sua terra natal, marcado com ferro em brasa no peito com a letra V e lá posto
a trabalhar a ferros, na rua ou em qualquer outro serviço. Se informar
falsamente o lugar de nascimento, será condenado a ser escravo vitalício desse
lugar, dos seus habitantes ou da comunidade, e marcado com a letra S. Toda a
pessoa tem o direito de tomar os filhos de vagabundos e mantê-los como
aprendizes: os rapazes até a idade de 24 anos e as moças até20 anos. Se
fugirem, tornar-se-ão, até essa idade, escravos dos mestres, que pode pô-los a
ferro, acoita-los, etc., como quiser. O dono pode colocar um anel de ferro no
pescoço, nos braços ou nas pernas de seu escravo, para reconhecê-lo mais
facilmente e ficar mais seguro dele. Por fim, a última parte de lei prevê que
certos indigentes podem ser empregados por comunidades ou pessoas que tenham a
intenção de lhes dar de comer e de beber e de arranjar-lhes um trabalho.
Chamados de rondsmen (rodantes), essa espécie de escravos de paróquia existiu
por muito tempo, chegando até o século 19.
Elizabeth, 1572: mendigos sem licença e com mais de 14 anos
serão acoitados severamente e suas orelhas serão marcadas a ferro, se ninguém
quiser tomá-los a serviço por dois anos; em caso de reincidência, se tem mais
de 18 anos, serão enforcados, se ninguém quiser tomá-los a serviço por dois
anos, na terceira vez serão enforcados, sem apelação, como traidores do
Estado. Vagabundos foram enforcados em massa, dispostos em longas filas.
Não havia ano em que 300 ou 400 vagabundos não fossem levados à forca. Num
único ano, só em Somersetshire, foram enforcadas 40 pessoas, 35 ferreteadas, 37
acoitadas e postos em liberdade183 criminosos incorrigíveis. E no, entanto diz
Strype nos seus anais, de onde foram recolhidos esses dados: “Este grande
número de acusados não compreendem nem um quinto de todos os criminosos, graças
a negligencia do juiz de paz e da estúpida compaixão do povo”. Acrescenta: “Os
demais condados da Inglaterra não estão em melhor situação que Somersetshire e
muitos até pelo contrário”.
Jaime I: quem perambule e mendigue será declarado vadio e
vagabundo. Os juízes de paz, em suas sessões, estão autorizados a mandar
acoita-lo e encarcera-lo por 6 meses, na primeira vez, e por 2 anos, na
segunda. Na prisão, receberam tantas chicotadas quantas os juízes de paz
acharem adequadas… Os vagabundos incorrigíveis e perigosos serão ferreteados
com um R sobre o ombro esquerdo e condenados a trabalhos forçados; se
novamente, forem surpreendidos mendigando, serão enforcados sem clemência.
Estes estatutos só foram abolidos em 1714. Nas páginas 41 e 42 de seu
famoso livro “UTOPIA”, Tomas Morus escreveu:
“Homens, mulheres, esposos, esposas, órfãos, viúvas, mães
infelizes amamentando seus bebes, famílias inteiras, pobres de recursos, mas
muitos braços, por que a lavoura exigia muitos braços. Pobres, simples
desventurado as almas! Carregando seus haveres, vão deixando os campos
conhecidos e amados e, adiante, não encontram onde repousar. Atirados ao acaso,
sem destino, vão perdendo seus humildes objetos por uma ninharia, premidos
pelas necessidades. Sem o último tostão, ao relento, o que lhes resta fazer?
Roubar e então, oh, Deus!, serem enforcados com todas as formalidades jurídicas
ou pedir esmola. Mas se mendigarem, eles serão presos como vadios,
vagabundeando sem trabalho; eles, a quem ninguém quer dar trabalho por mais que
implorem! Toda essa miséria, por quê? Porque um agiota avarento e insaciável, peste
de seu torrão natal, tramou e conseguiu por meio de fraudes, violência e
tormentos e roubos de milhares de alqueires, que ele cercou de estacas de
valas, e expulsou os lavradores de suas próprias terras”.
Conterrâneo destes desgraçados vagabundos do reinado de
Henrique VIII, de 1509 a 1547, quando foram enforcados mais de 72 mil
vadios. Tomas Morus nos contou como esses ex-lavradores eram obrigados a se
tornarem ladrões. E aí está: a acumulação primitiva e sua origem! É com
essa violência e de todo esse sangue dos expropriados camponeses que nasce a
classe operaria, destinada servir de pasto a toda a indústria moderna! O mais é
idílio, conversa afiada…
Assim, a fogo espada, o capital preparou o ambiente necessário
para empregar um amassa de força humana destinada a nutri-lo. E, hoje, se não é
a da espada, se não é o fogo, é a fome: um meio muito mais cruel e terrível. A
crescente necessidade de acumulação levou a essa gloriosa, moderna conquista da
burguesia, que é a fome. Um meio que é mesmo parte necessária para o
funcionamento da produção capitalista como um todo; enfim, por si mesma, agindo
sem grandes escândalos, sem grandes barulhos, é a fome um meio civilizado e
honesto do mundo capitalista. E para quem se rebela contra a fome, há sempre
mais espada e fogo. Não nos obram páginas para falarmos aqui dos heróis do
capital nos países colonizados. Remetemos os nossos leitores à história das
descobertas, começando com a de Cristóvão Colombo e de toda a colonização; citemos
apenas um texto de um homem “reconhecido por seu fervor cristão” W. Howitt:
“As terríveis atrocidades praticadas pelas chamadas nações
cristãs, em todas as regiões do mundo e contra todos os povos que conseguem
submeter, não encontram paralelo em nenhum período da história universal, em
nenhuma raça, por mais feroz, ignorante, cruel e cínica que se tenha
revelado”. Se, como disse Augier, o jornalista francês, “o dinheiro vem ao
mundo com uma de suas faces manchada de sangue”, o capital – conclui Marx – vem
transbordando de sangue e lama por todos os seus poros, dos pés à cabeça.
11. Conclusão
O mal é radical e os trabalhadores já sabem disso há muito
tempo. E estão dispostos, com os meios apropriados, a
destruí-los. Muitos Trabalhadores já sabem:
1. Que a propriedade privada é a fonte primeira de toda a
opressão exploração humana;
2. Que a emancipação dos trabalhadores (a emancipação
humana) não pode fundar-se em uma nova dominação de classe, as no fim de todos
os privilégios e monopólios de classe, e sobre a igualdade dos direitos e dos
deveres;
3. Que a causa do trabalho, causada humanidade, não tem
fronteiras;
4. Que a emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos
próprios trabalhadores.
Trabalhadores de todo o mundo, unamo-nos! Não mais direitos
sem deveres, não mais deveres sem direitos! Revolução.
Mas a revolução perseguida pelos trabalhadores não é uma
revolução de pretextos, não é o meio pratico de um momento, para se lograr um
objetivo dissimulado. Também a burguesia, como tantas outras classes, invocou
um dia a revolução, mas somente para derrotar a nobreza e substituir o sistema
feudal de servidão por esse mais refinado e cruel que é o do trabalho
assalariado. E a isso chamam de progresso e civilização! Todos os dias podemos
ver ao ridículo espetáculo dos burgueses que vão balbuciando a palavra
revolução, como único objetivo de chagar ao topo da montanha e usurpar o poder.
A revolução dos trabalhadores é a revolução pela revolução!
A palavra revolução, no seu sentido mais amplo e verdadeiro
sentido, significa mudar, transformar, girar. Com tal, a revolução é a alma de
toda a matéria infinita. De fato na natureza tudo se transforma, mas nada se
cria ou destrói como nos prova à química.
A matéria mantendo sempre a mesma
quantidade, pode mudar infinitamente as suas formas. A matéria perde sua antiga
forma e adquire uma nova forma, essa passa da antiga vida, na qual morre, para
a nova na qual nasce. Quando nosso fiandeiro transformou os 10 quilos de
algodão em 10 quilos de fio, não ocorreu a morte de 10 quilos de matéria sob a
forma de algodão e seu nascimento sob a forma de fio? E quando tecelão
transforma os fios em tecido, não ocorreu à mesma coisa que se sucedera com a
vida do algodão e a vida do fio? Portanto, a matéria girando de uma vida para a
outra, vive sempre mudando se transformando, se revolucionando…
Ora, se a transformação é alei da natureza, que é o todo, deve
também necessariamente ser alei da humanidade, que é parte. Mas sobre a terra
há um punhado de homens que não pesam assim, ou, melhor que tapam os olhos para
não ver e os ouvidos para nada escutarem.
Agora, ouço um burguês que me grita:
“Sim, é verdade, a lei natural, a revolução que você reclama, é
a reguladora absoluta das ações humanas. As culpas de todas as opressões, de
todas as explorações, devem ser atribuídas a essa inexorável lei que se impõe à
revolução, à transformação continua: a luta pela sobrevivência, a vitória dos
mais fortes sobre os mais fracos, enfim, o sacrifício da espécie menos perfeita
para o desenvolvimento da mais perfeita. Se centenas de trabalhadores se
sacrificam para o bem estar de um só burguês, o burguês não tem a menor culpa,
ao contrário, está aflito e desolado por causa desse decreto, da única lei
natural, da revolução”.
Quando os burgueses falam desse modo e os trabalhadores
resolvem também invocar a força dessa lei natural que quer a transformação, a
luta pela existência e a revolução, eles se preparam justamente para serem os
mais fortes, sacrificando toda a planta parasita, para o completo e prospero
desenvolvimento da planta homem, belo, perfeito, como deve ser em toda a
profundidade do seu caráter humano. E o que fazem os burgueses? Os burgueses
são muito temerosos e devotos para poder apelar à lei natural da revolução. Em
alguns momentos de veleidades, eles podem até invoca – lá, mas, depois,
voltando a si, feitas as contas, chegam ao resultado de que tudo se desenvolve
perfeitamente bem, no melhor dos mundos, para eles, então passam a gritar,
torturando os nossos tímpanos: ordem, religião, tradição, família e
propriedade! Assim, depois de conquistarem com mortes, incêndios e roubos o
lugar de dominadores e exploradores da espécie humana, pensam poder brecar os
passos da revolução. Mas eles não sabem na sua estupidez, que seus esforços
nada podem fazer do que levar a humanidade e, portanto eles mesmos a uma terrível
catástrofe, assim, as forças revolucionarias exploradas por eles de um modo
irracional, imprevisivelmente explodem.
Eliminados os obstáculos materiais
que se opunham a revolução, agora livre no seu curso, bastará por si só para
criar entre os homens o mais perfeito equilíbrio, a ordem a paz e a felicidade
mais completa, porque os homens, no seu livre desenvolvimento, não procedem
como animais, mais como seres humanos, eminentemente racionais e civilizados, que
compreendem que nenhum homem pode ser verdadeiramente livre e feliz, a não ser
na liberdade e felicidade comum a toda a humanidade. Não mais direitos sem
deveres, não mais deveres sem direitos. Não mais, portanto a luta pela
sobrevivência entre um homem e um homem, mas a luta pela existência de todos os
homens com a natureza, aproveitando o possível das forças naturais para a
vantagem de toda a humanidade.
Conhecida a doença, o remédio é fácil: a revolução pela
revolução.
Mas como podem os trabalhadores restabelecer o curso da
revolução. Aqui não é o lugar para desenvolver um programa revolucionário, já
há muito publicado em outros livros. Concluindo, me limito a repetir as
palavras se um operário, que são a epigrafe deste volume:
“O operário fez tudo, e o operário pode destruir tudo, porque
pode fazer tudo de novo”.
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Um comentário:
Estou a tentar visitar todos os seguidores do Peregrino E Servo, pois por uma acção do google meu perfil sumiu e estava a seguir o seu blog sem foto e agora tive de voltar a seguir, com outra foto. Aproveito para deixar um fraterno abraço.
António Jesus Batalha.
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