"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Sílabas poéticas

Versificação
é a técnica ou a arte de fazer versos.

1)        Verso é uma linha poética, com número ritmo e a rima.

2)        Metro é a medida ou extensão da linha determinado de sílabas e agradável movimento rítmico. No verso tradicional devemos distinguir: o metro, o poética.
Os poetas de língua portuguesa têm usado, dentro da poética tradicional, doze espécies de versos: de uma até doze sílabas. São relativamente raros os exemplos de versos metrificados que ultrapassam esta medida.
Segundo o número de sílabas, os versos se dizem monossílabos, dissílabos, trissílabos, tetrassílabos, pentassílabos, hexassílabos, heptassílabos, octossílabos, eneassílabos, decassílabos, hendecassílabos e dodecassílabos.
Alguns versos possuem ainda denominações especiais: redondilha menor (cinco sílabas), redondilha maior (sete sílabas), heroico (dez sílabas), alexandrino (doze sílabas).
3)                  As sílabas métricas, i.e., as sílabas dos versos, nem sempre coincidem com as sílabas gramaticais. A contagem das sílabas métricas faz-se auditivamente e subordina-se aos seguintes princípios:
§  Quando duas ou mais vogais se encontram no fim de uma palavra e começo de outra, e podem ser pronunciadas numa só emissão de voz, unem-se numa única sílaba métrica. Exemplos:

          1   2       3        4    5       6        7         8         9    10
“A i|da|de aus|te|ra e | no|bre a | que | che|ga|mos.”   (Alberto de Oliveira)

         1        2          3    4       5       6       7       8       9      10
“A|cha em | lu|gar | da | gló|ria o | lo|do im|pu|ro.”       (Olavo Bilac)

Observações
1ª) Para que tais uniões vocálicas não sejam duras e malsoantes, as vogais (pelo menos a primeira delas) devem ser átonas e não passar de três.

2ª) Não se unem vogais tônicas: sen|ti | ó|dio; es| | ú|mi|do, etc. Nem é aconselhável juntar tônicas com átonas: a|li|o | ve|jo; se||es|po|sa, etc.

§  Ditongos crescentes valem, geralmente, uma só sílaba métrica (de-lí-cia, pie-do-so, tê-nue, per-pé-tuo, sá-bio, quie-to, i-ní-quo);

            1    2    3   4       5     6       7       8     9     10
“O|pe||rio | mo|des|to, a|be|lha | po|bre.”                   (Olavo Bilac)

Observação
      Às vezes, porém, poetas dissolvem ditongos crescentes em hiatos. Esta dissolução denomina-se diérese:
         
           1       2       3   4   5      6     7  8
      “Nem | fez | cas|te|los | gran|di|o|sos

       1      2       3  4   5     6   7   8
      so|bre as | a|rei|as | mo|ve|di|ças?”                   (Cabral do Nascimento)

§  Não se conta(m) a(s) sílaba(s) que segue(m) ao último acentos tônico do verso. Exemplo:

                1       2       3        4         5        6       7      8       9         10
“Quan|do | no | poen|te o | sol | des|do|bra as |clâ|mides        

           1       2        3          4        5       6        7        8        9      10
de | san|gue e | de oi|ro | que | nos | om|bros | le|va.”                (Cabral do Nascimento)

Essa regra só atinge versos graves (os que terminam por palavra paroxítona) e esdrúxulos (os que terminam por palavra proparoxítona). Nos versos agudos (os que terminam por palavra oxítona), contam-se, é óbvio, todas as sílabas, como neste verso:

                      1         2            3           4           5           6          7             8         9        10
“Dei|xa | cor|rer | a | fon|te | da i|lu|são!”           (Cabral do Nascimento)

4)     Quanto aos processos para a redução do número de sílabas métricas, para atender às exigências da métrica, os poetas recorrem à:
crase – fusão de duas vogais numa só:
a alma [al-ma]; o ódio[ó-dio]; foge e grita [fo-ge-gri-ta]

elisão – supressão da vogal átona final de um vocábulo, quando o seguinte começa por vogal:
Ela estava só [e-les-ta-va-só]; duma (por de uma); como um bravo [co-mum-bra-vo]

ditongação – fusão de uma vogal átona final com a seguinte, formando ditongo:
este amor [es-tia-mor], sobre o mar [so-briu-mar], aquela imagem [a-que-lei-ma-gem], moço infeliz [mo-çuin-fe-liz]

sinérese – transformação de um hiato em ditongo, na mesma palavra:
crueldade [cruel-da-de], luar, fiel, magoado [ma-gua-do]

diérese – o inverso da sinérese, ou seja, a dissolução de um ditongo em hiato:
saudade [sa-u-da-de], piedoso [pi-e-do-so]

ectlipse – supressão de um fonema nasal final, para possibilitar a crase ou ditongação:
co, cos, coa, coas (por com o, com os, com a, com as)

aférese – supressão de sílaba ou fonema inicial:
(por até), inda (por ainda), ’stamos (por estamos)

5)     O ritmo resulta da regular sucessão de sílabas átonas ou fracas e de sílabas tônicas ou fortes. É o elemento melódico do verso, tão essencial e indispensável à poesia quanto à música. Juntamente com a rima e as imagens poéticas transmite aos versos um misterioso poder de emoção e encantamento.
Os acentos tônicos, ou sílabas tônicas, devem repetir-se com intervalos regulares, de modo a cadenciar o verso e torna-lo melodioso. Não se distribuem arbitrariamente, mas devem, segundo a espécie do verso, recair em determinadas sílabas, de acordo com os critérios seguintes:
1    1)      Os versos monossílabos, muito raros, têm um só acento tônico ou predominante:

“Pingo
d’água,
pinga,
bate
tua
mágoa!”

               (Cegalla)

“Quem
não
tem
seu

bem
que
não
vem?

                                            Ou
                                            vem
                                            mas

                                            em
                                            vão?
                                           Quem?”
               
                           (Cassiano Ricardo)



2       2)      Os versos dissílabos, pouco frequentes, têm o acento tônico na 2ª sílaba:



“Um raio
Fulgura
No espaço
Esparso
De luz.”                  (Gonçalves Dias)



“Ao trote
Do baio,
Que doce
Lembrança
O rosto
Da moça
Que mora
Na serra
No rancho
De palha!”              (Ribeiro Couto)



3       3)      Os versos trissílabos requerem o acento predominante na 3ª sílaba, podendo, no entanto, apresentar um acento secundário na 1ª sílaba:

“Vem a aurora
Pressurosa,
Cor-de-rosa,
Que se cora
De carmim.”           (Gonçalves Dias)

4     4)      Os versos tetrassílabos têm, mais frequentemente, os acentos tônicos na 2ª e 4ª sílabas e, menos vezes, na 1ª e 4ª sílabas ou apenas na 4ª sílaba:

“O sol desponta
no horizonte,
Dourando a fonte,
E o prado e o monte,
E o céu e o mar.”                   (Gonçalves Dias)

5      5)      Os versos pentassílabos podem apresentar as seguintes cadências:

dormiram todos. (1ª, 3ª e 5ª sílabas)
ssaros celestes (1ª e 5ª)
me virão cantar (3ª e 5ª)
do lado do mar.” (2ª e 5ª)     (Cecília Meireles)

6      6)      Os versos hexassílabos podem ter os acentos obrigatórios na 6ª sílaba juntamente com uma ou duas das quatro primeiras sílabas:

Ide-vos! Na verdade
Não quero ser assim.
A minha liberdade
Vive dentro de mim.”            (Cabral do Nascimento)

7)      Os heptassílabos admitem as seguintes modalidades rítmicas:

“Surgem velas muito além.” (1ª, 3ª, 5ª e 7ª)
“Todo o tempo me sobeja.” (1ª, 3ª e 7ª)
“Viveria sempre lá.” (3ª, 5ª e 7ª)
“De que tudo acontecesse.” (3ª e 7ª)
“Tudo o que está para trás.” (1ª, 4ª e 7ª)
“O tempo tudo melhora.” (2ª, 4ª e 7ª)
“Ou foi ou jamais começa.” (2ª, 5ª e 7ª)
“Que se prolonga sem pressa.” (4ª e 7ª)             (Cabral do Nascimento)

8     8)      Os octossílabos admitem várias combinações rítmicas, com acentuação na 8ª sílaba e em duas ou três das seis primeiras sílabas:

Quantas grinaldas pelo céu!
Alguém decerto vai casar.”   (Alphonsus de Guimaraens)

“A lua vem, entre as ramagens
Do jardim que dorme na sombra.”       (Ribeiro Couto)

9     9)      Os eneassílabos podem apresentar os acentos tônicos na 3ª, 6ª e 9ª sílabas ou na 4ª e 9ª, com a possibilidade de acento secundário na 1ª sílaba:

“Falam deuses nos cantos do piaga,
Ó guerreiros, meus cantos ouvi.”         (Gonçalves Dias)

“Na tênue casca de verde arbusto
Gravei teu nome, depois parti.
Foram-se os anos, foram-se os meses,
Foram-se os dias, acho-me aqui.”        (Fagundes Varela)

        10)   Os decassílabos admitem duas modalidades rítmicas: 6ª e 10ª sílabas (verso heroico) e 4ª, 8ª e 10ª sílabas (verso sáfico):

“Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo o doce fruto.”   (Luís de Camões)

“Longe do esril turbilhão da rua.”     (Olavo Bilac)

         11)   Os hendecassílabos têm acentuação fixa na 2ª, 5ª, 8ª e 11ª sílabas ou na 5ª e 11ª ou, ainda, na 3ª, 7ª e 11ª:

“Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros.”    (Gonçalves Dias)

“Nascem as estrelas, vivas, em cardume.”         (Guerra Junqueiro)

“Alvas talas do rio de tua alma.”    (Hermes Fontes)

1        12)   Os dodecassílabos ou alexandrinos admitem três ritmos diferentes:
1º) alexandrino clássico, com os acentos principais na 6ª e 12ª sílabas:

“Paira, grassa em redor, toda a melancolia
de uma paisagem morta, igual, deserta, imensa.”             (Vicente de Carvalho)

2º) alexandrino moderno, com duas variantes

a)      ritmo quaternário (acentos na 4ª, 8ª e 12ª sílabas):

“É o choro surdo, entrecortado, do batuque,
No bate- que enche de assombro o próprio chão.”            (Cassiano Ricardo)

b)      ritmo ternário (acentos na 3ª, 6ª, 9ª e 12ª sílabas):

“Não me deixas dormir, não me deixas sonhar.”   (Cabral do Nascimento)

O alexandrino clássico é constituído de dois hemistíquios [hemistíquio = meio verso], ou seja, de dois versos de seis sílabas. Obedece às seguintes regras:
1ª) A última palavra do 1º hemistíquio só pode ser oxítona ou paroxítona, nunca proparoxítona:

“E Cipango verás, fabulosa e opulenta.”              (Olavo Bilac)

“Em tudo a fina seta aguda de aflições!”            (Cruz e Sousa)

2ª) Se a última palavra do 1º hemistíquio for paroxítona, deve terminar em vogal e embeber-se na primeira sílaba da palavra seguinte, que, para isso, começará por vogal ou h:

“Palpite a natureza inteira, bela e amante.”       (Vicente de Carvalho)

“Mergulhada na sombra, a montanha mais cresce.”          (Tasso da Silveira)


6)     Quando a pausa final do verso não coincide com a pausa respiratória ou, por outras palavras, quando o verso não finaliza juntamente com um segmento sintático, tem-se o que se chama de encadeamento ou transbordamento, mais conhecido pelo nome francês de enjambement. Em geral, aconselha-se não fazer pausa no fim de tais versos. Todavia, pode-se fazer uma leve pausa, mas conservando a voz suspensa. Exemplo:

“Andam boiando, à superfície
da minha alma, restos
de coisas que eu não sei se, juntas bastariam
para formar a vida... ou se eram só pretextos.” 
(Cabral do Nascimento)



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CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática da língua portuguesa. 45 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2002.



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