Uma simples consulta a um bom dicionário é suficiente para constatar que onde indica, basicamente, idéia de lugar, lugar físico, lugar em que. Frases como “Onde você comprou a roupa?”, “Onde você nasceu?”, “Falta luz na rua onde moro”, “Conheço a cidade onde você nasceu” são absolutamente corretas e usadas no dia-a-dia com naturalidade.
Os problemas começam quando a bendita palavra onde passa a ser usada como uma espécie de cola-tudo, como nesta frase: “O pacote fiscal reduz o poder de compra da classe média, onde as vendas em dezembro devem diminuir sensivelmente.”
Que tal? Que relação existe entre a redução do poder de compra da classe média e a queda nas vendas? A relação é mais do que evidente: causa e efeito. A redução do poder de compra é causa; a queda nas vendas é conseqüência. Será que a expressão adequada para estabelecer essa relação é onde? Claro que não! As opções são muitas: por isso, conseqüentemente, em conseqüência disso, portanto, logo, razão pela qual, etc.
Por ironia, nenhuma das possibilidades consideradas corretas é a preferida. As pessoas gostam mesmo de usar o danado do onde. Jornalistas, políticos, economistas, esportistas e o público em geral ― certamente influenciado pelo exemplo ― consagram o modismo. Ouvi de um atleta: “Não me alimentei bem ontem, dormi mal esta noite, onde hoje não consegui bom desempenho.”
Na frase do atleta, também se observa a relação causa/efeito. A palavra onde é completamente descabida. Aliás, onde já virou até sinônimo de cujo: “É um veículo moderno, onde o motor tem baixíssima taxa de emissão de poluentes.” Nada disso. O veículo tem motor, o motor é dele, veículo, portanto existe uma relação de posse, que deve ser estabelecida pelo pronome cujo: “É um veículo moderno, cujo motor...”.
Outra coisa esquisita que também já virou moda é “onde que”: “A defesa esteve mal, onde que o adversário se aproveitou para criar muitas situações de perigo.” Nem pensar. Uma das possíveis soluções seria “A defesa esteve mal, e o adversário se aproveitou disso para criar muitas situações de perigo.”
Também se vê onde para estabelecer relação temporal. Até Chico Buarque caiu na esparrela, na memorável Todo sentimento, que tem letra de Chico e música de Cristóvão Bastos: “...tempo da delicadeza, onde não diremos nada...” Tempo é tempo, onde é lugar. Caberia a palavra “quando”, ou a expressão “em que”, talvez pouco adequadas à frase musical.
A diferença entre onde e aonde também deixa muita gente de cabelo em pé. A solução é muito simples. Aonde é a fusão de “a” com “onde”. Esse “a” é preposição e indica basicamente idéia de movimento, destino. Portanto só se deve usar aonde com verbos que indicam essa idéia. E são poucos, como ir, chegar, dirigir-se, levar: “Aonde você quer chegar?”, “Aonde você pretende levá-la?”, “Aonde ela foi?”, “Aonde ele se dirigia naquele momento?.”
Você certamente conhece uma canção interpretada pelo grupo Cidade Negra, cuja letra diz: “Aonde está você? Aonde você mora? Aonde você foi morar?”. No padrão culto, as três frases exigem “onde”, já que estar e morar não indicam movimento. Você não diz estar a algum lugar, nem morar a algum lugar. Se você está em e mora em, o que se usa é onde, e não aonde.
Na fala, é absolutamente impossível controlar a diferença entre onde e aonde. Se você é daqueles que se preocupam com a correção até na língua do dia-a-dia, é bom lembrar que, em termos de língua culta, para cada noventa e nove ocorrências corretas de onde, há uma de aonde.
Mesmo em escritores renomados se vê o emprego de onde e aonde sem critério. Bandeira, num célebre poema pré-concretista, valeu-se do jogo onde/onda/aonde (“Aonde anda a onda?”).
Para a língua padrão, porém, a diferença deve ser respeitada. Se você fizer uma prova, um concurso público, um vestibular, deve seguir as orientações desta coluna. É isso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário