"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

As redondilhas de Chico Buarque

No final de 93, depois de algum tempo sem gravar, Chico Buarque deu um belo presente de Natal aos brasileiros — o disco Paratodos. Na canção de mesmo nome, a letra diz: “O meu pai era paulista/meu avô, pernambucano/o meu bisavô, mineiro/meu tataravô, baiano...” De imediato, chama a atenção a presença alternada do artigo definido antes do pronome possessivo.
Trocando em miúdos, você deve ter notado que Chico Buarque escreveu “o meu pai”, depois “meu avô”, “o meu bisavô” e, por fim, “meu tataravô”. Por que essa alternância? Isso é correto?
Quem já estudou inglês deve lembrar-se de uma armadilha que os professores preparam para os novatos. Pede-se a tradução de uma frase bem simples, como “O meu carro é vermelho”. É normal que o aluno traduza palavra por palavra e monte algo que em inglês não existe: “The my car is red”.
“The” é artigo, e “my” é possessivo. Em inglês, não se usa artigo antes de possessivo. A frase inglesa é “My car is red”.
E em português? A história é outra. Antes de possessivos, o artigo não é proibido, nem obrigatório. É facultativo. Frases como “Gosto de suas músicas” e “Gosto das suas músicas” São absolutamente corretas e equivalentes.
Conclui-se que gramaticalmente Chico Buarque acertou nos quatro versos. Teria acertado também se tivesse empregado o artigo nos quatro versos, ou em nenhum. Na verdade, por uma questão de paralelismo, de simetria, teria sido melhor adotar procedimento uniforme, não houvesse por trás de tudo isso uma razão maior.
Essa razão é explicada na letra da canção, em versos que dizem: “Foi Antônio Brasileiro/quem soprou esta toada/Que cobri de redondilhas/Pra seguir minha jornada”. A palavra-chave é “redondilha”, verso de cinco ou sete sílabas poéticas. Com cinco sílabas poéticas, a redondilha é menor; com sete, é maior.
Vamos contar as sílabas do primeiro verso: “O/meu/pai/e/ra/pau/lis/ta”. Quantas são? Oito, não? Não, são sete, porque só se conta até a última sílaba tônica do verso. Nesse verso, a última sílaba tônica é “lis”.
Vamos contar as sílabas do segundo verso: “Meu/a/vô/per/nam/bu/ca/no”. Oito? Não, sete. A última tônica é “ca”.
Vamos ao terceiro: “O/meu/bi/sa/vô/mi/nei/ro”. Oito? Sete. Conte até “nei”, última sílaba tônica do verso.
Por fim, o quarto verso: “Meu/ta/ta/ra/vô/bai/a/no”. De novo, sete. Conta-se até “a”, sílaba tônica de “baiano”, última palavra do verso. Se Chico Buarque tivesse empregado o artigo no segundo e no quarto versos, ou se tivesse deixado de empregá-lo no primeiro e no terceiro, a métrica teria sofrido alteração, e simplesmente não haveria redondilhas.
Você sabe quem é o Antônio Brasileiro citado na letra? É simplesmente Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, o querido Tom Jobim, mestre dos mestres. É claro que Chico não ousaria usar em vão o nome do mestre. A toada toda é coberta de redondilhas. Evoé, Tom Jobim. Evoé, Chico Buarque.
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Pasquale Cipro Neto
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*Assista ao vídeo clicando no link a seguir:

Um comentário:

roger disse...

meu querido amigo vc fez uma confusão nesse seu texto pois nas redondilhas quando duas vogais estão perto uma da outra junta na mesma sílaba. vc utilizou essa separação silábica, O/meu/pai/e/ra/pau/lis/ta. Mas na verdade, E e I sao duas vogais juntas então ficariam na mesma sílaba.Eis aqui a correta separação.
O/meu/pai e/ra/pau/lis/ta. Agora temos 6 silabas com redondilhas