"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Milk: a voz da igualdade


E se o seu filho for homossexual?
Antonio Ozaí da Silva

Claro, a pergunta se dirige aos pais com filhos e filhas heterossexuais, ou que não sabem sobre a homossexualidade deles(as). É, geralmente, no momento da descoberta que o preconceito mostra a sua face mais cruel. Há pais que simplesmente não aceitam, e se perguntam, como o personagem da TV, “Onde foi que errei?!”. Outros, que até se consideram “modernos” e livres de preconceitos, manifestam-se preconceituosamente e têm muita dificuldade em aceitar a verdade.
Recordo de alguém que fez um trabalho acadêmico sobre o assunto e, cortando na própria carne, assumiu o sofrimento e as incertezas que teve quando descobriu que o filho era homossexual. No início até achava que o rapaz não era “normal”, apelou para as explicações morais e religiosas, profundamente preconceituosas e obscurantistas. O amor de mãe foi mais forte e ela acabou por aceitar a realidade, mas confessou que não foi fácil. Mas do que uma atividade acadêmica, foi uma experiência impressionante. O humano em sua plenitude também respira no ambiente do campus; a universidade não é só teoria, conceitos, abstrações.
Compreendo o sofrimento dos que se deparam com situações como esta. É o que vemos no filme Milk, quando ele propõe que todos assumam a homossexualidade. Mas há também a solidariedade, a compreensão e aceitação do outro como ele/ela é. O que é difícil entender são os argumentos de cunho religioso sobre a homossexualidade e a sua caracterização como “anormal”, “doente”, “demoníaco” e que até deveria ser declarada ilegal. É irritante ouvir as palavras da personagem Anita Bryant em Milk: a voz da igualdade. Ela expressa bem o tipo de fervor religioso dos candidatos a santos, mas capazes de queimar os “pecadores” para purificar o mundo. É uma espécie de cristão paradigmático, cuja intolerância tem o aval da “ética dos escolhidos”. Este tipo é um perigo não apenas para os “eleitos” como o mal a extirpar, mas também para a sociedade democrática. O intolerante quer impor seus valores morais à minoria, à sociedade. No fundo, gostaria de instituir a teocracia.
Estes senhores e senhoras que insanamente acreditam representar Deus, não reconhecem que se Ele os criou também é Pai das criaturas que eles consideram “aberrações da natureza”. São seus irmãos em Cristo, irmãos na carne, filhos e filhas. Eles se dizem cristãos, mas são incapazes de “Amar o próximo como a si mesmos” e ensinam a intolerância em nome de Deus. Em seus próprios termos, são profundamente incoerentes.
Eles se imaginam porta-vozes Dele, e querem nos fazer crer. Questionado, o senador John Briggs responde: “Quer saber, pode discutir comigo, mas não podem discutir com Deus”. Pronto, não há argumento em contrário. Como pode alguém que expressa a santa doutrina estar errado? Este procedimento anula o diálogo e desqualifica o interlocutor – pois só um endemoninhado, ou coisa do tipo, ousaria duvidar. Transforma, portanto, um tema político numa questão moral e religiosa.
As palavras e atitudes de pessoas como Anita Bryant e o senador John Briggs, que propõe a demissão dos professores homossexuais, supostamente “pervertidos” e “pedófilos”, põem em xeque a democracia. Pode esta sobreviver se, em nome da tolerância, permite a intolerância. E se o discurso intolerante tem o apoio da maioria, é democrático negar os direitos da minoria? É a tirania da maioria. A questão, então, não se restringe ao indivíduo e sua crença religiosa. O problema é político. A resposta não poderia ser diferente: também ela é política. E se manifesta pelas palavras e ações do movimento pelos direitos dos homossexuais. Sexo, enfim, é uma questão política e Milk, o filme, é uma mensagem de esperança.


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