sábado, 26 de abril de 2014
Poema 20, de Pablo Neruda
Poema 20
Posso escrever os
versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo:
“A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os
astros, ao longe”.
O vento da noite gira no
céu e canta.
Posso escrever os
versos mais tristes esta noite.
Eu a quis, e às vezes
ela também me quis...
Em noites como esta eu
a tive entre os meus braços.
Beijei-a tantas vezes
debaixo do céu infinito.
Ela me quis, às vezes eu
também a queria.
Como não ter amado os
seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos
mais tristes esta noite.
Pensar que
não a tenho. Sentir que a perdi.
Ouvir a noite imensa,
mais imensa sem ela.
E cai o verso na alma
como na relva o orvalho.
Que importa que meu
amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada
e ela não está comigo.
Isso é tudo. Ao longe
alguém canta. Ao longe.
Minha alma não se contenta
com tê-la perdido.
Como para aproximá-la
meu olhar a procura.
Meu coração a procura,
e ela não está comigo.
A mesma noite que faz
branquear as mesmas árvores.
Nós, os de outrora, já
não somos os mesmos.
Já não a quero, é verdade,
mas quanto a quis.
Minha voz procurava o
vento para tocar o seu ouvido.
De outro. Será de
outro. Como antes dos meus beijos.
Sua voz, seu corpo
claro. Seus olhos infinitos.
Já não a quero, é verdade.
Mas talvez ainda a queira.
É tão curto o amor, e é
tão longo o esquecimento.
Porque em noites como
esta eu a tive entre os meus braços,
minha alma não se
conforma em tê-la perdido.
Ainda que esta seja a
última dor que ela me causa,
e estes sejam os
últimos versos que eu lhe escrevo.
Pablo Neruda
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