quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
O (nosso) caso “Tiririca”
Desta vez, acho que vou mexer num vespeiro. Será? Vamos ver...
Você sabe o que é tiririca?
Veja bem, não estava falando ainda do nome próprio.
Mas, como vem a calhar, falo primeiro de Tiririca, nome artístico de Francisco Everardo Oliveira Silva, recentemente filiado ao Partido da República, agora o deputado federal mais votado do Brasil, eleito por São Paulo.
É que atualmente o polêmico humorista vem dando a sua cara nos jornais, a meu ver, envolvido num tema bem conhecido de nossa parte: a leitura e a escrita.
Fico inicialmente curioso em saber sobre a alcunha do futuro deputado. É que já aos oito anos trabalhava em circo, atuando como palhaço Tiririca, apelido que ficou. Dado por sua mãe. Por que será?
Nessa história toda, entre palhaço e deputado, ocorre o fato de Tiririca ser apontado como analfabeto. Pelo menos até o momento, neste último jornal do dia. O pior, numa das possíveis óticas, é que a sua candidatura poderá ser impugnada. E haja idas e vindas, audições e testes, aprovações e recursos!
Há fatos curiosos e quase escabrosos de todas as partes nesse episódio. Sei que a defesa de Tiririca, dentre várias justificativas, começou por alegar que ele sofre de um tipo de transtorno motor que o impede de segurar uma caneta com firmeza. Mas, enquanto o caso vai se resolvendo nas salas solenes das justiças brasileiras, fico cá pensando na tiririca, substantivo feminino comum. Trata-se da Cyperus rotundus, conhecida também como barba-de-bode, planta pequena, gramínea de rápido desenvolvimento e de alto poder regenerativo. É uma erva de difícil controle.
Daí tento cruzar minhas leituras em alegorias: tiriricas, ler e escrever, analfabetismo, educação... E fico mais que aflito. Penso nos tantos Tiriricas, moldados pela vida afora. Estou falando mesmo dos nossos alunos, em nosso cotidiano escolar, muitas vezes com cadernos e lousas cheias, diplomas nas mãos, boletins e atestados escritos “aptos” e “aprovados”, mas que não dão conta de ler e escrever algo, digamos, substantivo.
Acredito no ler e escrever como condição para nos constituirmos humanos cidadãos. E acredito que é na instituição Escola que isso deve ocorrer. É sua finalidade. Já pensou se não existissem mais escolas? Quem daria conta desse recado? E como as escolas fazem isso nos dias do agora, cheios de invencionices e peripécias?
Essa história de ler e escrever mais pra menos do que pra mais está parecendo coisa de erva daninha que assola os projetos e o compromisso profissional de ensinar a ler e a escrever de fato. Como tiririca. O resultado é a proliferação de tantos outros Tiriricas que usam - e bem - seus talentos e experiências que encobrem a imprescindível e necessária competência social: ler e escrever. Ouvi agora alguém dizer, entre risos: “sempre há uma boa assessoria que resolve tudo isso!” Ser criativo, inteligente, esperto e bem humorado são qualidades importantes. Mas, ler e escrever é uma outra coisa!
Dentre tantos imbróglios desta história toda, li agora que um juiz eleitoral ligado ao caso considerou que o provável deputado não é analfabeto absoluto. Mais. Entendeu que um conhecimento rudimentar de leitura e escrita basta para se afastar a condição de analfabeto. Mais ainda. Diz que a Justiça Eleitoral tem considerado inelegíveis apenas os analfabetos absolutos e não funcionais. Assim, Tiririca não é analfabeto completo. Tem todas as condições de exercer seus direitos políticos.
Não vou comentar aqui as provas que foram realizadas. Daria mais pano do que manga... O fato é que, através delas, Tiririca foi liberado para assumir o cargo conquistado pelos votos. Comprovou que possui, pelo menos, noções básicas de leitura e escrita. O magistrado da audiência nos testes de leitura e ditado disse que o eleito demonstrou “um mínimo de intelecção de conteúdo do texto, apesar da dificuldade na escrita”. E aponta que o deputado “demonstrou disposição para a escrita com certo comprometimento de seu desenvolvimento motor”.
Analfabeto relativo ou absoluto? Analfabeto funcional ou não funcional? Completo ou incompleto? Onde ficamos nós?
Essa história não pára por ai. Há promotores recorrendo da decisão. Mas eu estou mesmo é falando de outra história. Da nossa, espelhada nessa de Tiririca com deputado. Encontro muitos e muitos educadores empenhados, interessados e resolvendo esta questão que é correr atrás de um grande prejuízo. Há alunos do ensino médio que não passariam no teste do Tiririca. Aquele de ler manchetes de jornal e dizer o que entendeu, por exemplo. Ou aquele de escrever palavras ditadas de uma página de algum livro.
Há muita a dizer sobre isso. Acho até que este texto é uma brincadeira séria que diz respeito a todos nós, vinculados, de algum modo, à Educação, não é?
E já que a palavra é um fruto bom em sua vida, diga sua dor, sua ironia, seu ponto de vista... A palavra é toda sua.
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Antonio Gil Neto
Publicado em: 09/12/201
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