"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

domingo, 8 de novembro de 2009

POEMA 20

Posso escrever os versos mais tristes esta noite
Escrever, por exemplo: “A noite está estrelada,

e tiritam, azuis, os astros ao longe”
Gira o vento da noite pelo céu e canta
Posso escrever os versos mais tristes esta noite
Eu a quis e por vezes ela também me quis...
Em noites como esta, eu a tive entre meus braços
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito
Ela me quis e as vezes eu também a queria
Como não ter amado seus grandes olhos fixos?
Posso escrever os versos mais tristes esta noite
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais profunda sem ela
E o verso cai na alma como na relva o orvalho.
Que importa se o meu amor não pudesse guardá-la?
A noite está estrelada e ela não está comigo
Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
Minha alma se contenta por tê-la perdido
Como para aproximá-la meu olhar a procura
Meu coração a procura, e ela não está comigo
A mesma noite que faz branquear as mesmas árvores
Já não somos os mesmos que antes havíamos sido
Já não a quero, é verdade, mas quanto a quis.

Minha voz procurava o vento para tocar-lhe no ouvido
De outro. Será de outro. Como antes de meus beijos
Sua voz, seu corpo claro, seus olhos infinitos
Já não a quero, é verdade, mas talvez a queria
Ah! É tão curto o amor, tão demorado o esquecimento
Porque em noites como esta eu a tive entre meus braços,
Minha alma não se contenta por tê-la perdido.
Ainda que esta seja a última esta dor que ela me causa,

e estes versos, os últimos que eu lhe tenha escrito.

Pablo Neruda

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