"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Oficina de teatro (texto)

NO BOTEQUIM

Freguês — Garçom, por favor. Eu queria um café com leite e uma rosquinha.
Garçom — O senhor vai me desculpar, mas não tem mais rosquinha.
Freguês — Ah? Não tem mais rosquinha?
Garçom — Não senhor.
Freguês — Não faz mal. Então me dá só um cafezinho simples. Isso. Só um cafezinho. (pausa) Com uma rosquinha.
Garçom — Eu acho que eu não me expliquei direito. Eu falei pro senhor que não tem mais rosquinha. Acabou toda a rosquinha.
Freguês — Ah bom. Se é assim, muda tudo. Acabou a rosquinha?
Garçom — Acabou, sim senhor.
Freguês — Então me traz um copinho de leite. Leite tem?
Garçom — Tem, sim senhor.
Freguês — Beleza. Me traz um copo de leite. Com uma rosquinha.
Garçom — Eu disse que não tem mais rosquinha! Torrada tem, rosquinha não tem! Há três anos que não tem mais rosquinha!
Freguês — Calma, o senhor também não precisa ficar nervoso. Não tem, não tem. Eu peço outra coisa. Qualquer coisa. Eu não sou difícil pra comer. Eu tomo o que o senhor quiser. Chocolate, chá, sei lá. Chá o senhor tem?
Garçom — Tenho, sim senhor.
Freguês — Então taí. Traz um chazinho. (pausa) Com uma rosquinha.
Garçom — Eu disse que eu não tenho rosquinha. Faz o seguinte. Vai em outro boteco. Não me enlouquece. Vai em outro boteco!
Freguês — Não, pode deixar. Vamos mudar tudo. O que eu não quero é que o senhor se aborreça. Em vez disso me dá uma coisa que alimente mais. Totalmente diferente. Uma coalhada. Taí. Uma coalhada. Coalhada tem?
Garçom — Tem.
Freguês — Tem mesmo?
Garçom — Tem.
Freguês — Vê lá, hein? Não me vai fazer mudar o pedido de novo à toa.
Garçom — Eu já disse que tem! O senhor vai querer ou não?!
Freguês — Vou querer ou não, o quê?
Garçom — A coalhada!
Freguês — Claro que sim. Acho ótimo. Uma coalhada. (pausa) Mas não se esqueça da rosquinha.
Garçom — O senhor é maluco, é? Não tem rosquinha! Não tem rosquinha!!!
Freguês — Tá bom, tá bom. Não precisa gritar. Traz só a rosquinha, pronto.
Freguês 2 (que está na mesa ao lado) — Escuta aqui. O senhor quer enlouquecer o garçom, é? Há dez minutos que eu estou ouvindo essa sua conversa doida e eu juro que não sei como ele está agüentando!
Freguês 2 (para o garçom) — Olha, não liga pra esse maluco não. Traz logo essa porcaria dessa rosquinha e manda ele embora.

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Jô Soares, em sua antiga coluna na revista Veja.

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