domingo, 17 de setembro de 2017
OS CAMINHOS DA INTERDISCIPLINARIDADE
“Considerando a velocidade e a quantidade de informações
que chegam ao cidadão comum, a interdisciplinaridade é um princípio pedagógico
importante para a formação dos estudantes. Ela os capacita a construir um
conhecimento integrado e a interagir com os demais levando em conta que, em
função da complexidade da sociedade atual, as ações humanas repercutem umas em
relação às outras.
‘A integração das cognições com as demais dimensões da
personalidade é o desafio que as tarefas de vida na sociedade da informação e
do conhecimento estão (re)pondo à educação e à escola’ (Brasil, 2002, p. 72).
Esse desafio tem por objetivo desenvolver o potencial do indivíduo de ser um
sujeito-efetivo, capaz de interagir coletivamente como agente de transformações
da realidade na qual se insere. Nessa perspectiva, de acordo com Fazenda
(2002):
A interdisciplinaridade visa à recuperação da unidade
humana através da passagem de uma subjetividade para uma intersubjetividade e
assim sendo, recupera a ideia primeira de Cultura (formação do homem total), o
papel da escola (formação do homem inserido em sua realidade) e o papel do
homem (agente das mudanças no mundo) (p. 48).
Colocar em prática a interdisciplinaridade não é tarefa
fácil. A falta de uma ideia clara do seu significado ― e de como ela pode
acontecer ― são dois obstáculos a serem superados. Os professores têm uma
multiplicidade de concepções sobre interdisciplinaridade que vai desde a de que
ela seja uma nova epistemologia, ou uma nova metodologia, até a de que ela
constitui um instrumento para melhorar a aprendizagem (Hartmann; Zimmermann, 2006a).
Não basta, porém, ter uma compreensão teórica do que é a interdisciplinaridade.
Os docentes precisam também superar dificuldades práticas, resultantes de uma
formação profissional fragmentada (Milanese, 2004; Ricardo, 2005; Hartmann;
Zimmermann, 2006b).
Sendo um processo que precisa ser vivenciado, para ser
assimilado em sua complexidade, a interdisciplinaridade ganha importância na
vida escolar à medida que os docentes passam a desenvolver de forma integrada
um trabalho pedagógico que capacita o estudante a comunicar-se, argumentar, enfrentar
problemas de diferentes naturezas e a elaborar críticas ou propostas de ação em
torno de questões abrangentes da atualidade (Hartmann; Zimmermann, 2007).
A interdisciplinaridade como
interação entre educadores
Para Japiassu (1992, p. 88), a interdisciplinaridade corresponde
a uma nova etapa do desenvolvimento do conhecimento, exigindo que as disciplinas,
por meio de uma articulação constante, fecundem-se reciprocamente. Para o
autor, a interdisciplinaridade exige a adoção de métodos que se fundamentem
mais no exercício de aptidões intelectuais e de faculdades psicológicas voltadas
para a pesquisa do que sobre informações armazenadas na memória. Ela deve
responder a uma nova exigência: criar uma nova inteligência, capaz de formar
uma nova espécie de cientistas e de educadores. Na mesma linha de
interpretação, Fazenda (2002) apresenta a interdisciplinaridade como uma
prática de integração, caracterizada ‘pela intensidade das trocas entre os
especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas no interior de um
mesmo projeto de pesquisa’ (p. 25).
A integração de conhecimentos disciplinares e o
desenvolvimento de competências no EM não exigem necessariamente a realização
de projetos interdisciplinares nos quais diferentes disciplinas tratem ao mesmo
tempo de temas afins (Brasil, 2002b, p. 16). É possível ao professor de uma
disciplina desenvolver temáticas com uma perspectiva interáreas sem a
necessidade de fazer um acordo interdisciplinar com outros colegas (op. cit.,
p. 17). No entanto, a interdisciplinaridade pode aproximar docentes de
diferentes disciplinas de modo a diminuir o distanciamento entre duas culturas
– a humanista e a científica – às quais Charles P. Snow (1996) se refere em sua
obra As Duas Culturas, ao denunciar, em 1959, a distância entre as chamadas ciências
humanas e ciências exatas. Essa distância epistemológica e metodológica pode
ser vencida na educação pelo diálogo interdisciplinar. Com essa aproximação, a
cultura de professores e estudantes amplia-se, ao mesmo tempo em que cada um
pode compreender melhor o ponto de vista do outro.
Talvez devido ao hábito de aceitar a fragmentação como
um método analítico válido para compreender a realidade, a primeira ideia que
se tem sobre interdisciplinaridade é a de que ela constitui uma integração de
disciplinas diversas para formar um conjunto unificado de conhecimentos. Lenoir
(2005-2006) mostra que existem três leituras diferentes da
interdisciplinaridade.
‘A primeira perspectiva tem como propósito a edificação
de uma síntese conceitual ou acadêmica do fato [...], isto é, a unidade do
saber’ (Lenoir, 1998, p. 48). Especialmente para os franceses, a interdisciplinaridade
é uma questão social e epistemológica de integração dos saberes. A segunda perspectiva
é instrumental, ou seja, o objetivo da interdisciplinaridade é resolver
problemas da existência cotidiana e não criar uma nova disciplina ou produzir
um discurso universal. A interdisciplinaridade, nesta perspectiva mais prática e
operacional, está presente principalmente na América do Norte anglo-saxônica e
centra-se em questões sociais empíricas. Na terceira perspectiva, a interdisciplinaridade
centra-se na qualidade do ser humano. O olhar é dirigido, no plano
epistemológico, para a subjetividade dos sujeitos e, no plano metodológico,
para a sua intersubjetividade. Essa abordagem fenomenológica da
interdisciplinaridade coloca em destaque a necessidade do autoconhecimento e do
diálogo.
Se a lógica francesa é orientada em direção ao saber e a
lógica americana sobre o sujeito aprendiz, parece-me que a lógica brasileira é
dirigida na direção do terceiro elemento constitutivo do sistema
pedagógico-didático, o docente em sua pessoa e em seu agir (Lenoir, 2005-2006,
artigo não paginado).
Para Lenoir (2005-2006), essas três perspectivas não
devem ser tratadas como mutuamente excludentes principalmente no que se refere
à interdisciplinaridade escolar. É importante considerar a primeira perspectiva
para não cair em um ativismo instrumentalista, em que o valor da
interdisciplinaridade é medido pelo sucesso imediato da atividade. Também é
importante considerar a segunda para evitar divagações idealistas. Quanto à
terceira, ela traz uma visão das relações sociais em que há mais respeito pela
dimensão humana no processo.
Para os que entendem a interdisciplinaridade como um
processo, a instauração de um diálogo entre diferentes disciplinas pode ser
tanto para resolver um problema ligado a uma ação ou decisão como para
compreender as relações entre os conhecimentos disciplinares. Nessa
perspectiva, Lück (1994) a define como:
[...] o processo que envolve a integração e engajamento
de educadores, num trabalho conjunto, de interação das disciplinas do currículo
escolar entre si e com a realidade, de modo a superar a fragmentação do ensino,
objetivando a formação integral dos estudantes [...] (op. cit., p. 64).
Essa definição de interdisciplinaridade traduz a ideia
de que, para superar a fragmentação do ensino, não é suficiente que um
professor isoladamente articule conteúdos das diversas disciplinas escolares,
mas que a articulação aconteça entre os docentes. Além disso, ao conectar
aspectos científicos e socioculturais, os docentes promovem condições para uma
formação integral do estudante, de modo que ele consiga compreender as
diferentes linguagens utilizadas na comunicação de informações e desenvolva a
capacidade de enfrentar problemas da realidade.
Ao usar a palavra ‘integração’, pode-se pensar na fusão
de conteúdos de diferentes disciplinas escolares. Não existe, entretanto, a
intenção de fundir disciplinas, mas de auxiliar os estudantes a estabelecer ligações
de interdependência, de convergência e de complementaridade entre elas. Fazenda
(2003, 2002), Lenoir (1998, 2005-2006), Lück (1994) e as Diretrizes
Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM) destacam que a
interdisciplinaridade é um empreendimento que visa proporcionar às disciplinas
uma nova razão de existência – e não eliminá-las. Ela é um processo que torna
possível a compreensão da realidade como um todo, constituída pela relação
entre o mundo objetivo e o sujeito que, por sua vez, tenta captar o significado
desse mundo de uma forma particular e subjetiva. A integração é apenas um
momento do processo, que possibilita chegar a ‘novos questionamentos, novas
buscas, para uma mudança na atitude de compreender e entender’ (Fazenda, 2002,
p. 49), mas não a uma síntese disciplinar.
Como opção metodológica, a interdisciplinaridade caracteriza-se
por atividades pedagógicas organizadas a partir da interação entre os docentes.
Essa interação, por sua vez, acontece devido ao diálogo e à busca por conexões
entre os objetos de conhecimento das disciplinas. Sob esse ponto de vista,
fazer interdisciplinaridade na escola é mais do que simplesmente promover
condições para que o estudante estabeleça relações entre informações para
construir um saber integrado. Ela reúne
uma segunda condição, que consiste em estabelecer e manter o diálogo entre
professores de diferentes disciplinas com o objetivo de estabelecer um trabalho
integrado entre eles.”
HARTMANN, Angela; ZIMMERMANN,
Erika. O trabalho interdisciplinar no Ensino Médio: a reaproximação das “duas
culturas”.
Em: Revista Brasileira de
Pesquisa em Educação em Ciências, v. 7, n. 2, 2007. Disponível em:
dados/rab/_otrabalhointerdisciplina.artigocompleto.pdf>.
Acesso em: fev. 2016.
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