quarta-feira, 23 de setembro de 2015
Gabriela Cravo e Canela
Escrita por Jorge Amado em 1958, a obra “Gabriela Cravo e Canela”, um romance
regionalista, rendeu ao autor cinco importantes prêmios e uma excepcional aceitação pelo público, sendo também êxito no estrangeiro,
tendo sido traduzida em quinze línguas. Este sucesso
deve se principalmente a maneira do autor, com seu espírito jovial, de escrever e trabalhar tão bem suas personagens.
Ao lermos o livro percebemos duas principais
vertentes que ocorrem paralelamente e que conduzem todo o romance:
a. O amor entre a mulata
Gabriela e o sírio Nacib. O campo amoroso da narrativa.
b. A chegada do progresso
em Ilhéus, local onde se passa a história. O campo social e político da narrativa.
Personagens
Iremos a seguir mostrar os personagens principais e secundários divididos de acordo com seus papéis.
Personagens Protagonistas (no campo amoroso).
Consideramos Gabriela e o turco Nacib os
protagonistas da história devido ao romance vivido entre eles e a
importância deste no romance.
Gabriela - Moça de grande vitalidade que reúne grandes características do biótipo nortista do
interior, sendo retirante fugida da seca. Animada, bem disposta, era bonita e
por onde passava chamava atenção dos homens, provocando
inveja nas mulheres. Não era mulher de relacionamentos mais sérios como o casamento nos quais se sentia "presa". A
traição na sua relação com Nacib ocorreu
devido a este fato. Importante: é Gabriela que dá ênfase à trama.
"Caído o braço roliço, o rosto moreno sorrindo no sono, ali, adormecida na cadeira,
parecia um quadro. Quantos anos teria? Corpo de mulher jovem, feições de
menina."
Este trecho exemplifica e exalta a beleza física de Gabriela.
Nacib - O personagem é fundamental não só pela sua relação com Gabriela mas também pelo fato de ser dono do mais importante ponto de encontro
da região, o Bar Vesúvio. Era imigrante
vindo da Síria e não gostava de fazer
parte de nenhum laço político. Pensava ele que
se fizesse parte da política poderia perder clientela em casos de
desentendimento, já que todos da sociedade frequentavam seu bar. É ele o primeiro homem,
na narrativa, a se encantar com a beleza de Gabriela. Era, de acordo com o próprio livro, "um enorme brasileiro, alto e gordo, cabeça chata e farta cabeleira, ventre demasiadamente
crescido..."
Possuía ainda frondosos
bigodes, um rosto gordo e bonachão, além de uma boca grande de sorriso fácil.
"Do que não se recordava mesmo era da Síria, não lhe ficara
lembrança da terra natal tanto se misturara ele à nova pátria e tanto se
fizera brasileiro e ilhense."
Trecho da narrativa referente a Nacib e sua
nacionalidade.
2. Personagens
Antagonistas (no campo amoroso)
Para considerarmos uma personagem
antagonista devemos analisá-la e assim ver o seu
verdadeiro papel na narrativa. No caso deste romance consideramos a personagem
Tonico Bastos como a antagonista. Pelo fato de ele ser o fator determinante na
traição entre Gabriela e Nacib.
Tonico Bastos- Filho do coronel Ramiro
Bastos, possuía a fama de conquistador. Sua razão de viver era esta, o de ser o irresistível. Andava sempre bem vestido, e com um andar despreocupado.
Tinha muito sucesso com as mulheres e as opiniões sobre ele variavam
em Ilhéus, uns o consideravam bom rapaz e
inofensivo. Outros achavam ele burro, covarde e preguiçoso.
Foi este seu jeito que conquistou Gabriela,
fazendo com que ela se esquecesse de Nacib por um momento.
"De nenhum outro temera tanto Nacib a concorrência, ao
contratar Gabriela, quanto de Tonico. Não era ele o
conquistador sem rival, o tombador de corações?"
Trecho que mostra a preocupação de Nacib em relação a seu amor Gabriela e
o conquistador Tonico Bastos.
3. Personagens Secundários (no campo amoroso)
São personagens da
conturbada vida amorosa e doméstica de Ilhéus ou ainda personagens relacionados ao cotidiano de Gabriela,
Nacib ou de Tonico Bastos. A seguir citaremos alguns personagens neste campo.
As irmãs dos Reis - Duas grandes cozinheiras de Ilhéus, Quinquina e Florzinha eram também muito conhecidas por terem construído um enorme presépio. Neste
encontravam-se além de imagens santas, imagens de personalidades
que foram importantes na história do Brasil.
Malvina - Por ser jovem e
mulher era muito controlada pelo pai, o que era muito comum na época. Por outro lado era a única que possuía coragem para requerer seus direitos. Acabou fugindo de Ilhéus para não ter que casar com
quem não queria.
Filomena - Empregada de Nacib
desde que ele comprara o bar, acaba indo embora para morar com o filho Vicente.
Abrindo então uma vaga que posteriormente será ocupada por Gabriela.
No campo político os personagens estão divididos em duas principais alas: a ala dos que querem e
estimulam o tão falado progresso e aqueles que são contra os desejos desta ala progressista. Através da leitura podemos perceber que os progressistas são (no campo político) os protagonistas.
O antagonismo está na maneira conservadora de pensar da outra
ala, antiprogressista. Os membros desta ala são os antagonistas neste
campo.
Alguns protagonistas
(campo social e político).
Mundinho Falcão - Raimundo Falcão, exportador de cacau. O seu principal objetivo era aumentar
a produção de cacau, e possibilitar que o cacau fosse
exportado sem ter que antes passar pelo porto da Bahia. Era o símbolo do progresso.
"Mundinho Falcão chegou aqui
outro dia, como diz Amâncio. E veja quanta coisa já realizou: abriu
a avenida ...Trouxe os primeiros caminhões, sem ele não saía o Diário de Ilhéus nem o clube
Progresso."
Este trecho define bem o espírito progressista de
Mundinho Falcão.
Capitão - Miguel Batista de Oliveira, o Capitão, era aliado a Mundinho Falcão nas disputas políticas. Possuía um nariz grande e
curvo, era moreno e estava sempre vestido de impecável roupa branca. Era uma das grandes personalidades da
cidade.
O russo Jacob e seu sócio Moacir Estrela - Foram eles que organizaram uma empresa de
transportes para explorar a ligação rodoviária entre as duas principais cidades de produção de cacau. Isto foi um progresso já que a viagem rodoviária através das marinetes era muito mais rápida e barata que através da ferrovia, a mais comum na época.
"Que coisa! Quem diria! Trinta e cinco quilômetros em hora e
meia...Antigamente a gente levava dois dias, a cavalo..."
Percebe-se por este trecho da narrativa a vantagem da viagem
por rodovias através das marinetes.
Alguns membros da Igreja podem aqui ser
incluídos (Padre Basílio), já que muitos deles possuíam terras sendo interessante
a chegada do progresso.
Antagonistas (campo
social e político)
Coronel Ramiro Bastos - Considerado um verdadeiro cacique local, por ser um dos mais antigos
moradores de Ilhéus. Era contra a política progressista de Mundinho Falcão, com o qual disputava o poder político da região.
Coronel Amâncio Leal - Era um homem calmo, porém que já havia lutado muito por terras da região, era um célebre chefe de jagunços. A ele pouco interessava todas aquelas inovações do progresso.
Na verdade podemos dizer que praticamente
todos os coronéis, os homens com origem naquela terra e que
lutaram por ela, não queriam o progresso, não queriam que seu tipo de vida mudasse.
Principais Momentos
Por ser um romance percebemos dentro do
enredo várias "sub-histórias" podendo então se localizar pequenos
conflitos e até pequenos desfechos caracterizando um pequeno
universo. Mas de qualquer forma podemos dividir a obra de acordo com seus
principais acontecimentos.
1. Apresentação
A apresentação ocorre na parte
inicial do livro (todo o primeiro capítulo), quando o autor
descreve o local que onde se passa a trama. Ele apresenta e cita alguns
personagens que serão importantes no desenrolar da história. Além disso deixa bem claro os hábitos e costumes das pessoas da época, apresentando personagens
bem estereotipadas.
"Naquele ano de 1925, quando floresceu o idílio da mulata
Gabriela e do árabe Nacib, a estação das chuvas tanto se prolongara além do normal e necessário que os
fazendeiros, como um bando assustado..."
"O Doutor não era doutor, o Capitão não era capitão. Como a maior
parte dos coronéis não era coronéis. Poucos, em realidade, os fazendeiros que nos começos da República e da
lavoura haviam adquirido patentes de coronel da Guarda Nacional."
"A cultura do cacau dominava todo o sul do Estado da
Bahia, não havia lavoura mais lucrativa, as fortunas cresciam, crescia
Ilhéus, a capital do cacau."
Trechos retirados da apresentação do romance.
2. Complicação
Nesta parte da trama, posterior a apresentação, temos novamente que dividi-la em dois campos: o social e
político, e o amoroso. Neste momento da história é que surgem os conflitos das personagens.
Conflitos entre as personagens e entre elas e o meio em que vivem.
No campo amoroso a complicação tem início a partir do momento em que Gabriela é admitida por Nacib como sua nova empregada. Quando depois eles
acabam estabelecendo uma relação amorosa. Tem seu fim
quando Nacib flagra Gabriela o traindo em sua cama na companhia de Tonico
Bastos (é o Clímax).
"Voltou a examiná-la, era forte,
por que não experimentá-la?
-- Sabe mesmo cozinhar?
-- O moço me leva e vai ver..."
Trecho em que Nacib analisa Gabriela para
depois admiti-la como empregada.
"Gabriela não enxergava mais nada além do terno de
reis, das pastoras com suas lanternas, Nilo com seu apito, Miquelina com o
estandarte. Não via Nacib, não via Tonico, não via ninguém..."
Trecho em que Gabriela abandona sua vida
"presa", e vai a festa de Reis.
No campo social e político a complicação tem seu início a partir do momento em que o progresso começa a modificar Ilhéus. Passam a existir
certas discordâncias em relação a este progresso que
chegava na cidade. O confronto de ideias dos progressistas e
os conservadores. A construção de avenidas e o aprimoramento
de rodovias caracterizam bem o progresso que chegava a Ilhéus.
Buscava-se a exportação direta do cacau e o aumento da produção.
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" Pois é: põem dificuldades a obras indispensáveis à cidade. Uma
estupidez sem nome. Ramiro Bastos cruza os braços, não tem visão, os coronéis o acompanham"
Trecho da fala de Capitão (progressista) sobre a reprovação dos conservadores em
relação a obras que seriam benéficas a cidade.
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"Forasteiro!"
Maneira como o coronel Ramiro Bastos se
referia a Mundinho Falcão, o símbolo do progresso.
a. Um detalhe importante é que esses conflitos continuam até o fim do livro, não sendo interrompidos no clímax deste campo.
3. Clímax
O clímax é o momento marcante de qualquer livro, em "Gabriela Cravo
e Canela" existem vários momentos marcantes, porém podemos estabelecer os dois principais em seus respectivos
universos.
Clímax (amoroso) - O clímax deste campo ocorre,
como dito anteriormente no momento em que Nacib flagra Gabriela o traindo em
sua cama em companhia do sedutor Tonico Bastos.
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"Não me mate, Nacib! Só estava dando uns
conselhos..."
Fala de Tonico Bastos ao ser descoberto por
Nacib junto com Gabriela.
Clímax (social e político) - Neste campo o clímax ocorre quando Mundinho Falcão ganha a batalha política do coronel Ramiro
Bastos, e acaba então se elegendo. Mostrando que a força do progresso só crescia.
4.Desfecho
A parte de conclusão dos acontecimentos da trama, que depende dos acontecimentos
do clímax.
Desfecho (amoroso)- Apesar de ser traído, Nacib sente a falta de Gabriela, tanto
no lado profissional (Gabriela enquanto cozinheira), quanto no lado sentimental,
a falta de sua amada. Então Nacib acaba perdoando Gabriela, e eles passam
a viver como antes do casamento.
"E aqui termina a história de Nacib e
Gabriela quando renasce a chama do amor de uma brasa dormida nas cinzas do
peito."
Esse trecho é retirado no final do
livro, no seu desfecho.
Desfecho (social e político) - Com a vitória de Mundinho Falcão nas eleições o progresso chegou
de vez à Ilhéus, sendo quebrado os
tabus dos coronéis e iniciando-se novas obras em prol da
cidade.
"Pela primeira vez, na história de Ilhéus, um coronel
do cacau viu-se condenado à prisão por haver assassinado esposa adúltera e seu
amante."
Trecho extraído do final do romance
mostrando a perda de poderes dos coronéis.
O Narrador, como ele vê e apresenta a cultura baiana Embora seja um romance regionalista
da Segunda Fase Modernista (1930-45), "Gabriela Cravo e Canela" ainda
conserva elementos da narrativa do séc. XIX. No livro
podemos observar a grande ênfase que o autor dá ao local onde se passa a trama, podemos dizer que como no séc. XIX ocorre o realce da cor local. As personagens são nesta trama extremamente relacionados ao meio, ou seja, a
influência do meio social, que é outra característica do Romantismo.
"... saiu de casa ainda quase noite, às quatro da manhã, e viu o céu despejado num
azul fantasmagórico de aurora desabrochando, o sol a anunciar-se num clarão alegre sobre o
mar..."
Trecho exaltando a beleza de um nascer do
Sol em Ilhéus.
Comentários sobre o Narrador
A narração é feita de um ponto de vista externo. O narrador é onisciente ou seja tem conhecimento de tudo que se passa na
trama e se encontra terceira pessoa, ele também não participa da história.
O fato da narração ser feita de um ponto de vista externo prejudica a riqueza das
personagens já que elas se tornam mais estereotipadas não havendo aprofundamento psicológico da identidade
destas.
Problemas sociais e psicológicos presentes na Narrativa:
1. Os
Coronéis X as Forças Progressistas
Este conflito ocorre em plano político. Os coronéis extremamente conservadores
são contra o progresso que chegava em Ilhéus, pois temiam perder seus poderes locais.
Com o progresso aumentaria o comércio diminuindo assim a importância dos grandes
latifundiários da região.
2. Exploração dos lavradores
O meio que os coronéis encontravam para manter suas riquezas era a super exploração dos lavradores. Devido as terras se concentrarem nas mãos de poucos latifundiários ficando uma grande
massa de trabalhadores passando fome e por não terem escolha aceitam
as miseráveis condições impostas por estes.
3. As
relações sociais
A mulher não possuía direitos como os do homem, suas opiniões não eram consideradas pela sociedade, possuía apenas o papel de cuidar dos afazeres domésticos e terem filhos. As vezes eram tratadas como objetos
assim como a alguns trabalhadores braçais, verdadeiras
mercadorias. Isso denomina-se reificação.
4. O
adultério
O livro divulga bem esta questão. Nesta época o adultério era extremamente comum porém punido com
severidade, era normal o homem traído matar a mulher e o
amante para manter sua imagem limpa perante a sociedade, isto era chamado de
defesa da honra. No caso da traição de Gabriela, ela
acabou perdoada por Nacib destoando dos demais casos da época e acabando com este "tabu".
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