segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015
Cidadão norte-americano
Cidadão 100% Norte-Americano
Ralph Linton, antropólogo estadunidense
(1893-1953)
O cidadão
norte-americano desperta num leito construído segundo padrão originário do
Oriente Próximo, mas modificado na Europa setentrional, antes de ser
transmitido à América. Sai debaixo de cobertas feitas de algodão, cuja planta
se tomou doméstica na índia; ou de linho ou de lã de carneiro, um e outro
domesticados no Oriente Próximo: ou de seda; cujo emprego foi descoberto na
China. Todos estes materiais foram fiados e tecidos por processos inventados no
Oriente Próximo. Ao levantar da cama faz uso de mocassins que foram inventados
pelos índios das florestas do leste dos Estados Unidos e entra no banheiro,
cujos aparelhos são uma mistura de invenções europeias e norte-americanas, umas
e outras recentes. Tira o pijama, que é vestuário inventado na Índia, e lava-se
com sabão, que foi inventado pelos antigos gauleses; faz a barba, que é um rito
masoquístico que parece provir dos sumerianos ou do Antigo Egito.
Voltando ao quarto, o cidadão
toma as roupas que estão sobre uma cadeira de tipo europeu meridional e
veste-se. As peças de seu vestuário têm a forma das vestes de pele originais
dos nômades das estepes asiáticas; seus sapatos são feitos de peles curtidas
por um processo inventado no Antigo Egito e cortadas segundo um padrão
proveniente das civilizações clássicas do Mediterrâneo; a tira de pano de cores
vivas que amarra no pescoço é sobrevivência dos xales usados aos ombros pelos
croatas do século XVII. Antes de ir tomar seu breakfast, ele olha a
rua através da vidraça feita de vidro inventado no Egito; e se estiver
chovendo, calça galochas de borracha descoberta pelos índios da América Central
e toma um guarda-chuva inventado no sudoeste da Ásia. Seu chapéu é feito de
feltro, material inventado nas estepes asiáticas.
De caminho para o breakfast para
para comprar um jornal, pagando-o com moedas, invenção da Líbia antiga. No
restaurante, toda uma série de elementos tomados de empréstimo o espera. O
prato é feito de uma espécie de cerâmica inventada na China. A faca é de aço,
liga feita pela primeira vez na Índia do Sul; o garfo é o inventado na Itália
medieval, a colher vem de um original romano. Começa seu breakfast com
uma laranja vinda do Mediterrâneo oriental, melão da Pérsia, ou talvez uma
fatia de melancia africana. Toma café, planta abissínia, com nata e açúcar. A
domesticação do gado bovino e a ideia de aproveitar seu leite são originários
do Oriente Próximo, ao passo que o açúcar foi feito pela primeira vez na índia.
Depois das frutas e do café, vêm waffles, os quais são bolinhos fabricados
segundo uma técnica escandinava, empregando como matéria-prima o trigo, que se
tornou uma planta doméstica na Ásia Menor. Rega-os com xarope de maple,
inventado pelos índios das florestas do leste dos Estados Unidos. Como prato
adicional talvez coma o ovo de urna espécie de ave domesticada na Indochina ou
delgadas fatias de carne de um animal domesticado na Ásia oriental, salgada e
defumada por um processo desenvolvido no norte da Europa.
Acabando de comer nosso amigo se
recosta para fumar, hábito implantado pelos índios americanos e que consome uma
planta original do Brasil; fuma cachimbo, que procede dos índios da Virgínia,
ou cigarros provenientes do México. Se for fumante valente, pode ser que fume
mesmo um charuto, transmitido à América do Norte pelas Antilhas, por intermédio
da Espanha. Enquanto fuma, lê notícias do dia, impressas em caracteres
inventados pelos antigos semitas, em material inventado na China e por um
processo inventado na Alemanha. Ao inteirar-se das narrativas dos problemas
estrangeiros, se for um bom cidadão conservador, agradecerá a uma divindade
hebraica, numa língua indo-europeia, o fato de ser 100% americano.
LINTON, Ralph. O
homem: uma introdução à Antropologia, p. 331-332. Extraído do livro Introdução
à Sociologia de Pérsio Santos de Oliveira. São Paulo, Editora Ática,
1989.
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