segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015
Entre homens e mulheres
DESENCONTROS SEXUAIS
Drauzio Varella
Desentendimentos entre mulheres e
homens começam no instante em que o espermatozoide penetra o óvulo.
Como o óvulo sempre carrega um
cromossomo sexual X, se o espermatozoide trouxer um cromossomo Y, haverá
formação do par XY e nascerá um menino. Se trouxer um cromossomo X, o par XX
dará uma menina.
Dos primeiros estágios do embrião à
vida adulta, nosso cérebro e os demais tecidos serão bombardeados
incessantemente pelos hormônios sexuais condicionados à configuração XX ou XY.
Eles decidirão não apenas se teremos testículos ou ovários, pênis ou clitóris,
mas as características arquitetônicas dos circuitos de neurônios envolvidos no
processamento das emoções e na estrutura básica do pensamento racional.
Nas mulheres, em obediência a uma
ordem que parte de uma área cerebral chamada hipotálamo, a hipófise libera o
hormônio FSH (hormônio folículo estimulante), que agirá sobre os folículos
ovarianos, estimulando-os a produzir estrogênios, encarregados de amadurecer um
óvulo a cada mês.
FSH e estrogênios dominam os
primeiros 15 dias do ciclo menstrual com a finalidade de tornar a mulher
fértil, isto é, de preparar para a fecundação uma das 350 mil células
germinativas com as quais nasceu.
Atento ao desenrolar dos
acontecimentos, ao detectar a ovulação no 14º dia do ciclo, o hipotálamo muda
radicalmente de orientação e avisa a hipófise de que está na hora de liberar
mais LH (hormônio luteinizante) para obrigar o ovário a produzir progesterona,
com a função de preparar terreno para a passagem segura do óvulo fecundado pela
trompa, para a sua implantação no útero e para assegurar continuidade à
gravidez e ao aleitamento.
Se não houver fecundação, o ciclo
terá sido fútil: a camada interna do útero (endométrio) desabará e os vasos que
a irrigam sangrarão por alguns dias. Então, o todo-poderoso hipotálamo dará
ordem para iniciar o ciclo seguinte.
Estrogênios e progesterona não são os
únicos hormônios sexuais capazes de influenciar o comportamento feminino, mas
são os mais importantes. Reduzida à essência, a ação dos estrogênios, liberados
em grande quantidade na primeira metade do ciclo, é preparar para o sexo; a da
progesterona, na segunda metade, é assegurar a integridade da gravidez.
Níveis elevados de estrogênio reduzem
a fome, exaltam o olfato, o paladar, a disposição e a libido, tornam a pele
sedosa e brilhante, bem como a vagina lubrificada e aquecida, diminuem a
consistência do muco que obstrui o colo uterino para impedir a entrada de
germes e aumentam a libido. O impacto estrogênico no cérebro desperta ímpetos
sedutores, estimula a agressividade, a independência e a capacidade de
planejamento, melhora o humor e tem efeito antidepressivo.
A predominância de progesterona nas
duas semanas que antecedem a menstruação torna a pele menos brilhante, provoca
retenção de líquido, inchaços, turgescência e dor nas mamas, diminuição da
lubrificação vaginal e da libido, dificuldade de atingir o orgasmo, aumento do
apetite e da temperatura corporal. A mulher se torna mais dependente, irritada
com as atitudes masculinas, insegura, carente de proteção, menos criativa,
menos carinhosa com os filhos e menos indulgente com os familiares.
Nos homens, o panorama hormonal é
dominado pela testosterona, responsável pelo aumento das massas óssea e
muscular e pelos caracteres sexuais secundários. Sua influência no
comportamento pode ser resumida na aquisição de duas características
predominantemente masculinas: espírito de competição e agressividade, graças às
quais nossos antepassados exerceram poderosa atração sexual sobre suas
companheiras desejosas de garantir a sobrevivência da prole acima de tudo.
Nos homens, os níveis sanguíneos de
testosterona aumentam rapidamente com a chegada da puberdade, mantêm-se
elevados até os 25 ou 30 anos e entram em declínio muito lento, que se acentua
depois dos 65 anos. Descontado o salto da puberdade, não ocorrem variações
hormonais imprevisíveis.
Nas mulheres, os ciclos que se
iniciavam aos 16 ou 17 anos no início do século passado, hoje se instalam cada
vez mais cedo, sem sabermos exatamente por quê. Não são raras as meninas que
menstruam pela primeira vez aos 11 anos. A partir de então, eles se repetem
mensalmente até a instalação da menopausa, lá pelos 50 anos, quando a função
ovariana entra em falência. Da puberdade à menopausa, a sequência só é
interrompida em caso de gravidez e amamentação, fases dominadas pela
progesterona, o hormônio da maternidade.
A complexidade hormonal das mulheres,
seres cíclicos, é incomparável à nossa. Diante delas somos singelos, para não
dizer simplórios: nossas concentrações de testosterona num dia qualquer são
praticamente idênticas às do dia anterior e às do mês seguinte. Só com o passar
dos anos podemos notar o declínio lento. Em contraposição, nelas a composição e
o equilíbrio entre os níveis estrogênios e de progesterona variam não apenas no
decorrer da vida em função da maternidade e da menopausa, mas de um dia para o
outro. Não existem dois dias de um ciclo menstrual em que as concentrações de
estrogênios ou de progesterona sejam as mesmas.
Talvez por causa dessas diferenças as
mulheres digam que os homens são todos iguais, enquanto nós dizemos que não dá
para entender as mulheres.
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