"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

A Catedral




Entre brumas, ao longe, surge a aurora,
O hialino orvalho aos poucos se evapora,
Agoniza o arrebol.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu risonho
Toda branca de sol.

E o sino canta em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"

O astro glorioso segue a eterna estrada.
Uma áurea seta lhe cintila em cada
Refulgente raio de luz.
A catedral ebúrnea do meu sonho,
Onde os meus olhos tão cansados ponho,
Recebe a benção de Jesus.

E o sino clama em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"

Por entre lírios e lilases desce
A tarde esquiva: amargurada prece
Põe-se a luz a rezar.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu tristonho
Toda branca de luar.

E o sino chora em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"

O céu e todo trevas: o vento uiva.
Do relâmpago a cabeleira ruiva
Vem acoitar o rosto meu.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Afunda-se no caos do céu medonho
Como um astro que já morreu.

E o sino chora em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"


Análise do poema

            Afonso Henriques da Costa Guimarães (Ouro Preto/MG, 1870 – Mariana/MG, 1921). Aos 18 anos, assiste à “difícil partida” de sua noiva Constança; o amor por Constança estará presente em toda sua vida e obra poética. Aos 27, formado em direito, casa-se; anos depois é nomeado juiz em Mariana/MG, de onde não mais sairia.

            Segundo um dos maiores poeta simbolista francês, Paul Verlaine, disse no poema “Arte Poética”, que “antes de tudo, a música preza/ portanto, o ímpar. Só cabe usar/ o que é mais vago e solúvel no ar/ sem nada em si que pousa ou pesa.” Fica evidente a presença da música logo nos primeiros versos e da vaguidade. Em “entre brumas, ao longe, surge a aurora./ o hialismo orvalho aos poucos se evapora.”, percebe-se palavras ligadas ao amanhecer ou à claridade. Isso significa a vaga lembrança em sonho com a amada, Constança, note que no final do segundo verso da primeira estrofe, a lembrança “aos poucos se evapora”, ou seja, o poeta volta-se para a realidade, que é como se ele fosse acordar, porém custa para que isso aconteça; pois é a única forma de ter contato com ela. Observe também que no final da estrofe o sino canta, este representa o estado da alma do poeta que está feliz, mas, ao mesmo tempo, está triste; feliz por ter boas lembranças e vivê-las em sonho e triste por saber que está morta.

            Nota-se em “pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!” que uma espécie de coro ou sua própria consciência está cantando aos “ouvidos da alma” a realidade. Na terceira estrofe, percebe que enquanto se acorda do sonho (este é o único meio de aproximar-se de ambas as mulheres, Constança e a virgem Maria, esta cujo poeta era devoto, comparava àquela pela semelhança da pureza, virgindade, etc. e daí o amor aparece sempre espiritualizado) e a visão da amada “segue a eterna estrada”. Constança é representada pela catedral ebúrnea tanto na primeira como nas estrofes seguintes (e essa repetição representa a presença constante da amada em seus sonhos); ela “aparece, na paz do céu risonho/ toda branca de sol” e depois “recebe a benção de Jesus”. Porém a consciência do poeta agora clama e não mais canta, vê-se uma gradação emocional, uma tensão.

            “Por entre lírios e lilases desce/ a tarde esquiva: amargurada prece/ põe-se a luz a rezar”, esses versos refere-se também à Constança e neles o poeta enaltece a figura da amada que até a natureza tem reverência por ela. “A catedral do meu sonho/ aparece, na paz do céu tristonho/ toda branca de luar”; ela continua com todas as características como bela, pura, perfeita etc., todavia a concepção utópica dele muda “céu tristonho”, alguma coisa começou a entrar em desequilíbrio. Outrora tudo era perfeito, pois era como estivesse sonhando e no sonho o irreal torna-se real. Então, isso o leva ao desespero, porque queria ficar com ela, mas esse mundo vai se desfazendo à medida que vai se acordando. A tensão aumenta cada vez mais e “o sino chora” ou o estado da alma do poeta desfaz-se levando-o à catarse.

            Por conseguinte, “o céu é todo trevas: o vento uiva./ do relâmpago a cabeleira ruiva/ vem açoitar o rosto meu”; nesses versos, o poeta acorda ou sua consciência e aquela reminiscência logo se evapora. Ela “afunda-se no caos do céu tristonho/ como um astro que já morreu”; “e o sino geme em lúgubres responsos:/ “Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!” Além do que já foi dito, esses versos mostram a autocompaixão do poeta no badalar do sino.

            O sino, este grande referencial estampado nos versos do poema, conduz os interlocutores para uma leitura em que se evidenciam as quatro fases de um dia (madrugada, manhã, tarde e noite), entretanto, o que também se pode inferir é que o poeta procurou contemplar as quatro cerimônias que ocorrem numa igreja. Numa leitura mais criteriosa e menos apressada podemos observar os relatos e descrições de um dia de ”batismo”, de “primeira comunhão”, de ”casamento” e, por fim, os de um “funeral”. A oração letal (lúgubres responsos) palavras sempre presentes entre as estrofes principais indicam que o próprio Alphonsus já profetizava um final para a purgação que não tardaria a chegar.

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