quinta-feira, 15 de junho de 2017
Aprender a viver
“Adquiri, ao longo dos anos, a convicção
de que para todo indivíduo, inclusive para os que não a veem como uma vocação,
é valioso estudar ao menos um pouco de filosofia, nem que seja por dois motivos
bem simples.
O primeiro é que, nada podemos
compreender do mundo em que vivemos. É uma formação das mais esclarecedoras,
mais ainda do que a das ciências históricas. Por quê? Simplesmente porque a
quase totalidade de nossos pensamentos, de nossas convicções, e também de
nossos valores, se inscreve, sem que o saibamos, nas grandes visões do mundo já
elaboradas e estruturadas ao longo da história das ideias. É indispensável compreendê-las
para apreender sua lógica, seu alcance e suas implicações... [...]
Além do que ganha em compreensão,
conhecimento de si e dos outros por intermédio das grandes obras da tradição, é
preciso saber que elas podem simplesmente ajudar a viver melhor mais
livremente. [...]
Aprender a viver, aprender e não temer
em vão as diferentes faces da morte, ou simplesmente, a superar a banalidade da
vida cotidiana, o tédio, o tempo que passa, já era o principal objetivo das
escolas da Antiguidade grega. A mensagem delas merece ser ouvida, pois,
diferentemente do que acontece na história das ciências, as filosofias do
passado ainda nos falam. Eis um ponto importante que por si só merece reflexão.
Quando uma teoria científica se
revela falsa, quando é refutada por outra visivelmente mais verdadeira, cai em
desuso e não interessa a mais ninguém ― à exceção de alguns eruditos. As grandes
respostas filosóficas dadas desde os primórdios à interrogação sobre como se
aprende a viver continuam, ao contrário, presentes. Desse ponto de vista seria
preferível comparar a história da filosofia com a das artes, e não com a das ciências:
assim como as obras de Braque e Kandinsk não são ‘mais belas’ do que as de
Vermeer ou Manet, as reflexões de Kant ou Nietzsche sobre o sentido ou não sentido
da vida não são superiores ― nem, aliás, inferiores ―às de Epiteto, Epicuro ou
Buda. Nelas existem proposições de vida, atitudes em face da existência, que
continuam a se dirigir a nós através dos séculos e que nada pode tornar
obsoletas. As teorias científicas de Ptolomeu ou de Descartes estão
radicalmente ‘ultrapassadas’ e não têm outro interesse senão histórico, ao
passo que ainda podemos absorver as sabedorias antigas, assim como podemos
gostar de um templo grego ou de uma caligrafia chinesa, mesmo vivendo em pleno século
XXI.”
FERRY, Luc. Aprender a viver: filosofia para os novos tempos.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. P. 15-17.
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Um comentário:
o que podemos ganhar estudando nem que seja pouco de filosofia
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