terça-feira, 26 de julho de 2016
O NOVIÇO
Luis Carlos Martins Pena
O noviço traz basicamente a história de Carlos,
rapaz endiabrado, que é enviado a um convento por decisão de sua tia e
tutora. Não tendo vocação para a vida religiosa, Carlos foge do
convento e dedica-se a desmascarar o ambicioso Ambrósio, segundo
marido de sua tia. A seguir organiza-se a sequência de ações que desenvolvem a essência dessa
narrativa.
A peça inicia-se com Ambrósio Nunes em uma
sala ricamente decorada. Preparando-se para ir à igreja com sua mulher Florência, o personagem
afirma em tom cínico que mudara sua vida de homem pobre em oito anos.
Fora miserável, mas valendo-se de determinação, perspicácia e destituído de qualquer
escrúpulo tornara-se
rico, condição que lhe conferia poder e lhe garantia plena impunidade.
É interrompido por
Florência que lhe
apressa, dizendo que é necessário chegar cedo para sentarem-se nos primeiros bancos e,
assim, poderem assistir confortavelmente à missa de Ramos. Ambrósio, com
delicadeza de fala e gestos, pergunta à esposa como anda o projeto de
encaminhar a enteada Emília para o convento e satisfaz-se com a notícia de que tudo
corre como ele desejaria. Com muita habilidade, Ambrósio enfatiza a ideia de que a herança deixada pelo
primeiro marido de Florência nunca o atraiu, revela que sua paixão sempre foi
espontânea e pura e, de
certo modo, lhe é até um tanto penoso administrar a fortuna do nobre falecido,
no entanto, cabe ao marido zelar pela esposa amada. Desse modo, toma para si a
incumbência de cuidar do
dinheiro.
Florência cede às propostas
aparentemente sinceras do marido e concorda em encaminhar não somente a filha
para o claustro, mas também incentivar seu filho Juca de nove anos para ser frade,
acreditando que dessa maneira estaria proporcionando aos dois uma vida virtuosa
e verdadeiramente feliz. Ambrósio, com a intenção deliberada de controlar toda a situação familiar,
mostra-se preocupado com a possibilidade de Carlos, sobrinho tutelado de Florência, vir a se
revoltar contra o noviciado que lhe fora imposto há seis meses e
causar aborrecimentos ao casal. Encerra-se a conversa. Ambrósio retira-se para
acabar de vestir-se. Florência está a agradecer a Deus o marido que tem, quando Emília entra na sala.
A mãe aproveita o
momento para expor à filha as vantagens que a vida de freira proporciona, Emília chora e,
contrariada, declara não ter inclinação para o claustro. A mãe, insensível à dor da filha,
abandona a sala e sobe ao sótão para aprontar-se para a missa.
Inesperadamente, Carlos, vestido de
frade, entra afobado e conta à Emília que havia fugido do convento, após discussão que acabara com
uma barrigada no Abade Mestre. Irado, manifesta o desejo de ser militar, de
envolver-se em lutas com espadas e não se submeter a jejuns prolongados e a
coros e rezas infindáveis. A moça, comovida, ouve o relato dos martírios sofridos pelo
noviço rebelde e lhe
conta que também ela deverá entrar para um convento. Carlos
revolta-se, declara o seu amor pela prima, acusa severamente Ambrósio de estar
conspirando contra todos. Promete que não descansará enquanto não vingar-se do
velhaco Ambrósio. Em meio à conversa, o garoto Juca, desajeitado em um
hábito de frade,
corre para o colo de Carlos, que percebe claramente o plano do marido da tia:
filhos e enteados dedicados à vida religiosa seriam obrigados a fazer votos de pobreza,
o que garantiria a posse de todos os bens por parte de Ambrósio. Emília e Juquinha
saem da sala.
Batem à porta. Rosa entra na sala e com muita
reverência dirige-se a
Carlos, imaginando ser ele um frade. Conta-lhe que está à procura de seu
marido Ambrósio Nunes, que há seis anos a abandonara em Maranguape,
de posse de sua fortuna, a pretexto de investimentos lucrativos em Montevidéu. Sem notícias, ela chegou a
pensar que ele tivesse morrido, mas uma pessoa informara-lhe de que estava o
fujão na corte, e
estava ela ali, no momento, após longa viagem e andanças pelo Rio de Janeiro. Carlos
aproveita-se do engano da mulher e, fingindo ser bom capuchinho, investiga
detalhes da história e recebe, como prova da veracidade dos fatos
relatados, uma cópia da certidão de casamento de Rosa e Ambrósio. Promete ajudá-la e pede-lhe que
aguarde alguns momentos em um quarto da casa. Florência, o marido e a
filha, prontos para saírem, deparam-se com Carlos. Ambrósio cobra de
Carlos obediência. O moço ironicamente desafia o marido da tia
por meio de frases ambíguas, dando a entender que conhecia a história pregressa de
Ambrósio. Este se
enfurece e passa a fazer-lhe exigências. Carlos o toma pelo braço, abre a porta do
quarto e mostra-lhe Rosa. O tio desorganiza-se, corre e arrasta violentamente
para fora da casa mulher e enteada.
Carlos diverte-se com a aflição do cínico tio e expõe à Rosa a atual condição de Ambrósio. A mulher traída não resiste.
Desmaia. Cria-se um alvoroço. Juquinha é chamado a ajudar; apanha um galheteiro,
Carlos a faz cheirar vinagre, azeite, tentando-lhe restituir os sentidos. Em
meio a intensa agitação, ouvem-se meirinhos aproximarem-se. Dirigem-se eles a casa
para efetuarem a prisão do travesso noviço. Carlos faz a mulher acreditar que
Ambrósio é poderoso e que os
oficiais batiam à porta para prendê-la. Propõe a ela que trocassem vestimentas. Rosa
vestiria seu hábito de religioso, e ele, suas vestes de mulher. Desse
modo, estaria ela a salvo da fúria dos meirinhos e ele seria preso em seu lugar. Rosa
ingenuamente aceita a proposta. Juca a encaminha para um quarto. Carlos,
travestido de mulher, recebe dissimuladamente o Mestre de Noviços e os meirinhos.
Faz-se passar por tia do noviço endiabrado, aponta o esconderijo e orienta a maneira
segura de surpreender e prender o sobrinho. Os oficiais entram no quarto,
capturam o falso noviço e o levam para o convento.
Carlos diverte-se imaginando a confusão que aconteceria
quando o Abade percebesse que uma mulher fora presa em seu lugar. Pede a Juca
que ficasse à janela e o avisasse da chegada do padrasto.
Ambrósio, perturbado, invade a sala. Havia
deixado Florência e Emília na igreja. A sua agitação é tamanha que se dirige a Carlos,
pensando ser ele Rosa. O sobrinho aproveita-se do engano e diverte-se,
respondendo às perguntas de Ambrósio como sendo sua primeira esposa.
Chega inclusive a atirar-se aos pés de Ambrósio em pranto exagerado. Nesse
instante, o tratante Ambrósio percebe o equívoco. Irrita-se com o descaramento do
sobrinho, que imediatamente lhe contém a fúria, mostrando a certidão que estava em
seu poder. O tom da cena inverte-se: Ambrósio humilha-se, implora a Carlos que
nada revele à Florência. Dono da situação, o rapaz faz exigências: abandonará o noviciado,
receberá a herança deixada pelo
pai; Emília não será freira, e ele terá o consentimento
para casar-se com a prima. Ambrósio, de joelhos, aceita as imposições e suplica
piedade de Carlos.
Subitamente, Florência e Emília entram na sala
e há novo equívoco: Florência acredita ter
flagrado o marido em traição. Sente-se desgraçada e num assombro se dá conta de que é o sobrinho que
subjuga Ambrósio. Pede explicações para aquela patifaria e,
cinicamente, Carlos afirma que estavam encenando uma comédia para o sábado de Aleluia. A
tia, atônita, ouve ainda o
rapaz trapalhão declarar o acordo que fizera com Ambrósio. Este vai
interrompendo a fala de Carlos com argumentos incontestáveis. Diz à mulher que fora um
erro encaminhá-lo ao convento, pois não se pode impedir que os jovens pudessem
concretizar o amor tão genuíno que sentem. Carlos acrescenta que como prova de
agradecimento cederá metade de seus bens em favor do tio bondoso e lhe entrega
a certidão de casamento
como se entregasse o termo de cessão de parte da fortuna. Ambrósio rasga o papel,
dissimulando total desinteresse pela doação. Florência sente-se abençoada por ter
casado com um homem tão honrado e chega a vangloriar-se da própria capacidade de
distinguir o amante sincero entre tantos pretendentes que tivera logo após a viuvez. Elogia
as qualidades do marido, que insiste não ser merecedor de tanta reverência.
Felizes, Emília e Carlos
acertam o casamento para dali a quinze dias. Nem bem confirmam o enlace
matrimonial, o Mestre dos Noviços surge para efetuar a prisão do noviço fujão. O religioso
declara enraivecido o constrangimento que passara diante do Abade ao cair
novamente em uma cilada de Carlos, quando levou ao convento uma mulher. Diante
das declarações do Mestre, Ambrósio perturba-se e tenta saber do
paradeiro da tal mulher. Florência desconfia das intenções do marido. A confusão está armada: o Mestre
arrasta o noviço para fora da casa; a tia não consegue impedir
a prisão do sobrinho,
mesmo dizendo que Carlos abandonaria a vida religiosa e que ela mesma diria
isso ao Abade.
O clima na casa é de confusão. Ambrósio mostra-se
atordoado, Florência pede explicações para ter sido levada apressadamente
para a igreja e ter sido lá deixada. Ambrósio rapidamente dissimula a própria aflição. Tenta abraçar a esposa que se
revela arredia, exigindo que se esclareça a identidade da mulher que fora presa
em lugar do sobrinho. Acuado, Ambrósio inventa ser a tal mulher uma antiga
namorada, que não se conformara com o fato de ter ele se casado. Confessa
o erro cometido ao envolver-se na juventude com aquela moça. Diz-lhe, no
entanto, que a causa da separação fora o amor incontido que sentiu desde o primeiro
momento que viu Florência. O discurso amoroso de Ambrósio é interrompido por
Rosa, vestida de frade. Esta, entregando a certidão a Ambrósio, interpõe-se ao casal,
gritando que aquele homem lhe pertencia. Ambrósio corre pela casa, tentando escapar.
Nesse momento, ouve-se a ordem de prisão ao bígamo. Enquanto isso se passa, Florência, estarrecida,
lê a certidão de casamento de
Rosa Lemos e Ambrósio Nunes.
Muda-se o cenário. Florência, recolhida no
quarto de Carlos, para evitar contato com o ambiente em que vivera momentos
felizes ao lado do marido farsante, chora convulsivamente e é confortada pela
filha. Está assim prostrada há oito dias. Nada a anima, nem mesmo os
remédios receitados
por um médico da família. Emília afirma ser
necessário que a mãe reaja e, desse
modo, vingue-se de tanta traição. Florência diz que seu procurador está encaminhando um
mandado de prisão e que quer enviar uma carta ao Abade, explicando-lhe os
fatos e pedindo-lhe o favor de mandar um representante do convento para que ela
se justificasse pessoalmente pelos transtornos causados. Decide, então, que o criado
José fosse o portador
da carta.
Nova surpresa: Carlos mais uma vez
havia fugido do claustro. Apressado, invade os fundos da casa, com o hábito roto e sujo,
as mãos esfoladas,
joelhos machucados. Entra em seu antigo quarto. Ouve a voz do padre-mestre,
esconde-se embaixo da cama em que está deitada a tia. Emília acompanha o
padre até os aposentos onde
está Florência, que acorda
meio atordoada. Estava ele incumbido novamente de efetuar a prisão do noviço indomável. Florência e Emília surpreendem-se
com a notícia de que Carlos tivesse escapado novamente das grades
do convento. Enquanto Florência expõe a sua decisão de livrar Carlos do noviciado, Emília percebe a
presença do amado embaixo
da cama. O padre mestre retira-se da casa, aliviado por não ter mais que se
haver com as diabruras de Carlos.
Florência lamenta-se da tragédia que lhe
acometera. Emília se mostra comovida e comporta-se como se não soubesse o
paradeiro do primo, mesmo este lhe puxando as saias e fazendo-lhes cócegas nas pernas.
Chega a casa Ambrósio, trajando-se como um frade, seguindo o criado José até o quarto de Florência. Há novo equívoco. Florência imagina ser o
frade o representante que requisitara ao Abade e passa a lhe contar a trama de
que fora vítima. Ambrósio, não suportando ouvir tantas acusações, denuncia-se,
retirando o capuz, revelando, assim, a sua real identidade. Revela à mulher que as
portas da casa estão trancadas e que ninguém poderá lhe socorrer os gritos. Impõe que lhe entregue
dinheiro e joias, enfim, tudo que ela possuísse; caso contrário, só restaria a
alternativa de matá-la. Nesse momento, se esclarece mais um mal-entendido:
José, fiel a Ambrósio, não tinha enviado a
carta ao Abade, na verdade, tinha facilitado os planos de seu patrão.
Florência corre aos gritos pela casa,
esconde-se em um canto coberta por uma colcha. Ambrósio, na correria,
encontra Carlos, puxa-lhe pelo hábito, pensando tratar-se das saias de
Florência. Carlos
revida com uma bofetada. A tia permanece imóvel, coberta por uma colcha. Em
seguida, entram quatro homens armados e o vizinho Jorge que vinha em socorro
aos gritos que da rua se ouviam. Florência diz que um ladrão travestido de
frade tinha invadido a casa, mas já havia fugido. Os homens vasculham a
casa e acabam dando com Carlos, que aos berros, sai debaixo da cama, e,
tentando proteger-se das agressões, mete-se atrás de um armário e o atira ao
chão. O vizinho,
ferido na perna, grita à Florência que o ladrão se escondia no quarto e havia
escapulido por uma porta. Emília desvencilha-se do vizinho, agradece a ajuda e mando-o
embora. Insiste com a mãe que o frade era Carlos. A mãe retruca,
afirmando que era o padrasto.
A tensão aumenta com a chegada de Rosa, que é recebida com certa
amabilidade por Florência. As duas conversam a sós. Lamentam-se da inocência com que se
entregaram ao vilão Ambrósio. Rosa apresenta à Florência a ordem de prisão contra o bígamo e queixa-se
ao saber que Ambrósio há instantes escapara daquela casa. De modo inesperado,
arrebenta-se uma tábua do armário e Ambrósio, quase
asfixiado, põe a cabeça de fora. Ambas as mulheres atacam-no aos socos e
pauladas. O farsante, aos gritos, suplica compaixão às duas esposas.
Entra no quarto Carlos, preso por Jorge
e os soldados. Florência desfaz o engano, dizendo que era seu sobrinho o que
tomavam por ladrão. Ambrósio esconde-se novamente no armário. Rosa,
acompanhada de oficiais de justiça, entrega o mandado lavrado de prisão. O bígamo é retirado do armário e recebe a
sentença de prisão. O Mestre de
Noviços retorna a casa
com a permissão de livrar Carlos do convento. Antes de retirar-se, o
religioso abençoa a futura união de Emília e Carlos. Ambrósio sai
lamentando-se da punição recebida.
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