O que é que você pensa?
Pensamos da maneira que pensamos e escrevemos do jeito que escrevemos porque nossa civilização, a ocidental, evoluiu nessa direção. Trata-se não de um simples condicionamento, mas de reconhecer que vivemos em sociedade e, nesse processo interativo, a produção de um texto deve sempre levar em consideração o conhecimento já existente. A nossa cultura é produzida e se transmite em grande parte por meio das várias formas de redação, cujo exemplo mais típico é o ensaio. Por isso, é um texto utilizado para difundir o conhecimento e para avaliar a capacidade de compreensão de quem o redige. Grande parte dos trabalhos escolares e das redações solicitadas nos vestibulares – chamados genericamente de dissertações – é na verdade um pequeno ensaio. Outras formas de redação, como o relatório, a carta comercial e a tese, também se organizam e têm uma linguagem semelhante à do ensaio. Assim, podem ser consideradas como formas variantes dele.
Como redigir
O que é necessário para escrever um bom texto, que tenha qualidade e prenda a atenção do nosso leitor? O essencial já temos: nós pensamos. Mas também é necessário que nosso pensamento se desenvolva coerentemente, com clareza, para que possamos comunicar nossas idéias de forma convincente para quem nos lê. Precisamos, portanto, ter algumas orientações básicas de como organizar e estruturar nossas idéias.
Redigir é difícil
Muitas pessoas costumam dizer que têm idéias, mas não conseguem passá-las para o papel. Uma das razões para isso é o fato de que o pensamento humano não é e nunca será absolutamente exato. Até a expressão 2 + 2 = 4 é passível de discussão. Temos a capacidade de questionar e podemos repensar, refazer, reestruturar e aperfeiçoar nossas idéias. Mas às vezes temos dificuldades para expressá-las, porque:
― Não amadurecemos nossas idéias suficientemente.
― Não temos as informações e os dados necessários para desenvolver nossas idéias.
― Não estamos explorando toda a nossa capacidade de pensar.
A prática da redação
Pensar, como redigir, requer prática. Ninguém jamais saberá tudo de redação. Você pode aprender muito com a leitura, obter informações novas, alimentar seus pensamentos com novos dados. Mas não aprenderá a escrever lendo.
Para lembrar:
Aprende-se a escrever escrevendo. Nada substitui sua prática. Da mesma forma que nenhum livro ou professor moverá seus braços para que você aprenda a nadar ou segurará seus pincéis se você desejar pintar. A prática é essencial; sem ela você não consegue nada.
Uma prática consciente e bem orientada pode ajudar qualquer pessoa a melhorar seu texto, seu desempenho expressivo. Não é preciso ter um dom especial para isso. Se você encontra dificuldade, é porque a tarefa é complicada mesmo.
A reescrita ajuda a redigir
Não espere fórmulas prontas e infalíveis para melhorar sua redação. Algumas vezes precisamos refazer um trabalho, porque não ficamos satisfeitos com sua primeira ou segunda versão.
Os exercícios de reescrita exigem paciência e dedicação. Mas a insatisfação e a insegurança com as primeiras versões de nossos textos podem ser o gérmen da autocrítica, essencial para quem deseja melhorar seu texto.
Como se comporta o redator
O bom redator de ensaio deve ser necessariamente curioso, ávido de conhecimento, atento e preocupado em compreender e em desvendar. Além disso, precisa ter o espírito sempre aberto às novas informações.
O pensamento e a redação
Ninguém pode entrar em sua cabeça, penetrar em seu cérebro e conhecer o modo como você pensa. Mas é possível avaliar a eficiência de seus processos mentais, na medida em que você se expressa, redigindo. Nesse caso, seja qual for sua maneira de pensar, com certeza haverá estruturas comuns de pensamento que servirão de base para que ocorra um entendimento objetivo entre você e seu leitor.
Pensando o texto
Pensar significa ter idéias, refletir, raciocinar, meditar, cogitar, lembrar-se, julgar, supor etc. Pensar é uma faculdade que nos permite organizar mentalmente nossa interação com o mundo à nossa volta. Por meio do pensamento, elaboramos todas as informações que recebemos e orientamos as ações que interferem na realidade e organização de nossos escritos. O que você leu até agora e continuará lendo é produto de um pensamento transformado em texto.
Cada um de nós tem seu modo de pensar e, quando escreve, procura organizar as idéias de um modo que facilite a compreensão do leitor.
A arte do diálogo
Quando escrevemos, é importante pensar em um leitor com quem vamos dialogar – mesmo que esse leitor não se manifeste explicitamente.
Ofélia perguntou devagar, com recato pelo que lhe acontecia:
– É um pinto?
Não olhei para ela.
– É um pinto, sim.
Da cozinha vinha o fraco piar. Ficamos em silêncio como se Jesus tivesse nascido. Ofélia respirava, respirava.
– Um pintinho? certificou-se em dúvida.
– Um pintinho, sim, disse eu guiando-a com cuidado para a vida.
– Ah, um pintinho, disse meditando.
– Um pintinho, disse eu sem brutalizá-la.
Já há alguns minutos eu me achava diante de uma criança. Fizera-se a metamorfose.
– Ele está na cozinha.
– Na cozinha? Repetiu fazendo-se de desentendida.
– Na cozinha, repeti pela primeira vez autoritária, sem acrescentar mais nada.
– Ah, na cozinha, disse Ofélia muito fingida, e olhou para o teto. (...).
(Clarice Lispector, A Legião Estrangeira)
O diálogo literário sempre prevê o interlocutor
Para lembrar:
Pensar supõe diálogo e, ao escrevermos, precisamos sempre ter presente que nossa meta são os leitores ou determinado leitor.
O diálogo com nosso leitor deve ter o sentido de uma conversa aprofundada e inteligente, principalmente quando estamos redigindo um ensaio. A palavra "diálogo" origina-se do grego e é composta do prefixo dia (que significa movimento por meio de) e logos (palavra). Ou seja, para os gregos, a arte do diálogo tinha o sentido de convencer por meio da palavra.
O diálogo entre os gregos
Na Grécia Antiga, a arte do diálogo chamava-se "dialética" e teria surgido entre 500 e 400 a.C. Há uma polêmica em torno de quem teria sido o fundador dessa arte. Uma parcela dos estudiosos credita o feito ao filósofo Zênon (490-430 a.C.). Outros consideram Sócrates (469-399 a.C.) o pai da dialética. Na filosofia moderna, o conceito de dialética é muito controvertido. Mas, deixando as controvérsias de lado, ficamos com o significado original dos gregos.
– Então terá também a vida – continuou Sócrates – um contrário, como a vigília tem por contrário o sono?
– Certamente – disse ele.
– Que contrário?
– A morte – respondeu.
– Então, estas duas coisas nascem uma da outra se são contrárias; e, como são duas, há entre elas dois nascimentos?
– Sem dúvida.
– De um desses dois pares que acabo de mencionar, e das suas gerações, irei falar eu agora – disse Sócrates. – Tu falarás do outro. Lembro, pois, ser um o sono e o outro, a vigília e que do sono nasce a vigília, como da vigília o sono, e que os seus nascimentos levam uma ao adormecimento e o outro ao acordar. Achas que isto é suficientemente claro?
– Claríssimo.
– É agora a tua vez – prosseguiu Sócrates – de dizer o mesmo da vida e da morte. Não admites que o contrário da vida seja a morte?
– Sim.
– E que nasçam uma da outra?
– Sim.
– Então, que é que nasce da vida?
– A morte – respondeu ele. (...)
(Platão, Diálogos III)
O escritor e o leitor
Assim como em todo diálogo sempre há um interlocutor, o texto precisa do leitor para cumprir sua finalidade. Todo texto conceitual, especialmente o ensaio, busca responder a um possível questionamento do leitor. É como se o escritor antecipasse as possíveis perguntas que o leitor possa fazer sobre o assunto que seu texto procura desenvolver.
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