"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

terça-feira, 27 de julho de 2010

Celebração da paz

A crônica em questão foi escrita por um aluno do ensino ensino fundamental da rede pública estadual, na zona leste da capital paulista, e em breve estará concorrendo ao prêmio em disputa por ocasião da Olímpiada de Língua Portuguesa, ano de 2010.

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Estavam todos muito cabreiros e um converseiro destoava no ambiente fraterno que até então ocorria no lugar. E não havia justificativa para desavenças no baile, pois a festa era justamente para comemorar um ano sem violência, um ano inteirinho sem rixa alguma. Alguns, é claro, sempre acabam abusando dos gorós e ficam treitados por pouca coisa, mas o fato é que já se passavam mais de 365 dias sem que houvesse fatalidades, todos de bem com a vida e com as cabeças tranquilas. Então, por que tudo aquilo de uma hora para outra. Por que aquele zunzunzum todo?

Acontece que a molecada havia passado a semana toda na correria para organizar o evento, um baile da hora, no pátio do lava-rápido, ali mesmo na comunidade. Entretanto, agora estavam o Barnei, o Bebezão, o Faísca e o Arroba, todos zuados e de cabeça quente, quase em pé de guerra pra cima de um carinha que pintou na área, e o pior de tudo, já colando na roda e pitando no narguile do Bebezão. “Quem ele pensa que é pra ir chegando e ficando de boa, na maior moral?” ― questionavam alguns que se aglomeravam em torno do Faísca.

Betinha, a mina do Barnei, ainda tentava passar o pano enquanto dizia que o Rick, esse é o nome do moleque desconhecido que estava marcando, quase ao ponto de ser expulso na porrada pelos festeiros.

Dizem, pelos cantos por aí, que no ano passado um nóia vacilão estava furtando as coisas por aí e acolá... botijão de gás, bicicleta, roupa no varal e tudo o que encontrasse dando mole... acabou no micro-ondas, isto é, acabou nas mãos dos irmãos que deram um corretivo no desinfeliz e depois o colocaram desacordado dentro do fusca e atearam fogo no carro. Foi horrível, mas é assim que as coisas funcionam por aqui, e sempre funciona, porque as leis são ditadas pelo comando.

O Rick ― sujeitinho também cheio de mala ― não estava nem aí para o reboliço todo. Querendo mais que o mundo acabasse em barranco, só para morrer encostado, sacou o celular e conferiu as horas, comentando que já estava quase na hora de ir vazando. Foi quando alguém comentou sobre a caranga jeitosa dele, um Pegeout 207 conversível muito maneiro. No que Rick disse:

― Conheci este carro quando estive na França. Fui participar de um concurso de grafitagem e por pouco não ganhei em primeiro lugar. Com a grana do segundo prêmio comprei o carro e agora é só alegria.

Foi aí que o Barnei colou na fita e baixou o faixo... A molecada da área é vidrada num grafite. Então o Rick sacou de um compressorzinho na mochila e fez uma homenagem pra comunidade no muro da bagaça.

E a notícia espalhou na hora. As minas pagaram o maior pau pro carinha de fora, e os manos ficaram de boa... Ficou tudo na maior responsa. Grafite na comunidade é manifestação de paz e tudo de bom. Assim a paz deve continuar por um bom tempo.

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