"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

domingo, 13 de dezembro de 2009

O vestibular

Um dos efeitos perversos do vestibular diz respeito aos dilemas vividos pela escola pública entre a intenção de formar cidadãos e preparar os alunos para este exame. Cindida por essa dupla exigência, insiste em priorizar o método decoreba, ainda predominante nos vestibulares. Os conteúdos precisam ser memorizados e a forma de verificação, a prova, também é, invariavelmente, utilizada como instrumento do poder disciplinador. Eis outro engodo: a memorização de conteúdos não garante a aprendizagem dos mesmos. Em geral, o aluno memoriza para tirar a nota e passar de ano.

A idéia de que o vestibular é democrático é mais um engodo. Igualdade de oportunidades não é o mesmo que igualdade real de condições. Como, em geral, o aluno da escola pública se encontra em situação desvantajosa, por sua condição social e pela realidade de sucateamento da educação, é ilusório imaginar que ele concorrerá nas mesmas condições que o aluno com maior capital cultural e social. É certo que algumas escolas públicas, em geral melhor situadas territorialmente, desmentem o mito de que a eficácia educacional só é possível na escola privada. Mas, sejam instituições ou indivíduos, as exceções confirmam a regra.

A lógica do vestibular, assumida por pais, professores e alunos, camufla o fato de que somos socialmente desiguais, que determinados grupos sociais tem acesso à cultura e à educação para além do sistema de ensino, o qual reproduz e legitima as desigualdades: vitoriosos e fracassados são analisados por pretensos dons e méritos individuais. Para uns o sucesso parece natural (o próprio fato de terem sido vitoriosos o comprovaria); a vitória de uns naturaliza o fracasso da maioria. É preciso observar que a seleção é também anterior ao vestibular.

Ensino privado, cursinhos preparatórios pagos, etc., tudo nos parece muito natural: uns podem pagar a mercadoria educação, outros não. Paciência! O mercado oferece as opções para prepararmos nossos filhos para vencer e temos a liberdade – e o dever, pensam muitos! – de fazer a escolha certa; ainda que essa tenha um alto custo econômico e ainda que necessitemos nos render à agiotagem oficial ou nos submeter a uma excessiva carga de trabalho para manter a renda familiar. Mas mesmo o ingresso no ensino superior pode se revelar uma grande ilusão devido ao processo de desvalorização e inutilidade dos diplomas. Bem, restará a sensação do dever cumprido e da consciência tranqüila.

Será utopismo imaginar a possibilidade de ensino superior publico e gratuito para todos sem a necessidade de processo seletivo para o ingresso na universidade? Ainda que seja utópico por que não pensar em outras alternativas que substituam o vestibular e fortaleçam a escola pública e não se restrinjam apenas a um momento da vida estudantil? Por que não adotar sistema de cotas para negros e para os estudantes oriundos de escolas públicas? Aliás, algumas universidades já o fazem. Não seria o caso de ampliar as vagas no ensino superior público? De investir mais na qualificação profissional e na estrutura educacional?

Contudo, o vestibular predomina. Esse mecanismo vicia e submete todo o sistema de ensino: do fundamental ao ensino médio torna-se o centro das preocupações e tudo é feito em sua função. Até mesmo o fato de o vestibular ter se transformado em fonte de receita para as universidades públicas (algumas chegam a fazer dois vestibulares anuais), também é encarado naturalmente. Quem ganha com o vestibular? A resposta parece óbvia e a pergunta redundante. Mas, confessemos, não nos fazemos essa pergunta nem questionamos a resposta. Em suma, há muitos interesses econômicos e políticos em jogo, daí a necessidade de mantê-lo.

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Fonte: http://antonio-ozai.blogspot.com/2009/12/o-vestibular.html

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