"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

sábado, 9 de agosto de 2008

“Vou estar fazendo”

Anatomia de um vício de linguagem.

Marcelo Leite

No meio do meu descanso toca o telefone.

“Boa tarde, senhor (atentem ao ‘r’ vibrante). Aqui é da Mega Plus International que por sua boa relação como cliente vai estar disponibilizando totalmente grátis sem nenhum custo adicional o Ultra Mega Plus Card com todas as vantagens do programa especial Mega Plus Services, vai estar também oferecendo (por favor, com uma epêntese do /i/, logo, ofereceindo)...” Pronto, já me perdi no gerúndio desnecessário dela.

- Obrigado pela oferta, mas não vou estar quere(i)ndo.

- Mas senhor... Insiste. Mas que vantagens o seu cartão já oferece...

- Não oferece vantagem nenhuma, mas o que rola entre a gente é uma relação sem interesse, é só amor mesmo... sabe aquele não querer mais que bem querer de Camões.

A atendente de telemarketing se despede, mas não sem antes rir do outro lado da linha.

O fato é que o gerúndio é uma forma nominal em português que projeta o aspecto durativo em um evento verbal. Eu estou escrevendo é uma maneira de dizer que no momento atual (que não é necessariamente agora) eu estou exercendo a atividade de escrever. Sendo assim, é uma aplicação aspectual muito pertinente ao tempo presente e a casos de formas de pretérito (Ontem, eu estava escrevendo quando...), mas não muito necessária ao futuro. Na verdade, é até dispensável.

Não vamos fazer um cavalo de batalha com isso, mas de uns tempos para cá algumas modalidades de discurso como o telemarketing exauriram este emprego do gerúndio assim com em certas épocas outras modalidades desgastaram termos repetidamente como “a nível de”, “eu, enquanto, X” e outras pérolas que pareciam (?) dar ao usuário um ar de intelectualidade.

A bola da vez é o gerúndio. Podemos argumentar que é uma tradução mal feita do inglês (I´m going to be offering / vou estar oferecendo) ou mesmo que, de fato temos uma ação durativa no futuro. Entretanto, o fato é que muitos verbos indicam que o evento será realizado em um ponto no tempo (vai oferecer, por exemplo. Você oferece em um momento e ponto e não faz disso um processo que se estende). Por outro lado, o gerúndio se aplica bem em casos como “Amanhã, a esta hora, vou estar falando para mais de 100 pessoas. O verbo falar esta modulado por um gerúndio que aponta nitidamente para uma ação de discursar.

Aos operadores de telemarketing, sugiro a substituição por um presente com valor atemporal (a Mega Plus International oferece ao você, sem nenhum custo adicional...). Diriam eles que isso é menos expressivo do que o gerúndio. Mas aí eu pergunto: Por quê? Tecnicamente, é até mais amplo.

Enfim, fica aí a sugestão.

Da próxima vez, com certeza vou estar sugerindo isso..

Viu como fica esquisito?

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