"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas.

AB’SÁBER, Aziz Nacib. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. 7. ed. São Paulo: Ateliê, 2012

Andrezza Karla de Oliveira Silva

RESENHA 
A obra “OS DOMÍNIOS DE NATUREZA: POTENCIALIDADES PAISAGÍSTICAS” escrita pelo professor Aziz Nacib Ab’Sáber é estruturada em nove capítulos, que relatam os domínios e as potencialidades paisagísticas existentes no Brasil analisados através dos aspectos morfoclimáticos, pedológicos, hidrológicos, ecológicos e fitogeográficos.
No primeiro capítulo “POTENCIALIDADES PAISAGÍSTICAS BRASILEIRAS” a paisagem é vista como um conjunto de elementos naturais ou artificiais sempre atrelados à herança. Este caráter de herança é estabelecido por processos de atuação antigos e recentes, que remodelam a topografia diante de forças da natureza em uma escala de tempo de milhões a dezenas de milhões de anos. A magnitude espacial do território brasileiro propicia um mosaico bastante completo das principais paisagens e ecologias tropicais. Deste modo, o entendimento dessas potencialidades é constituído a partir dos domínios morfoclimáticos e fitogeográficos compreendidos como um conjunto espacial de certa ordem de grandeza territorial, onde estejam integradas as feições de relevo, tipos de solos, formas de vegetação e condições climático-hidrológicas para formação de complexos fisiográficos e biogeográficos homogêneos e extensivos. Tais complexos podem ser estruturados em arranjos poligonais possuidor de áreas core. Estas áreas possuem domínios de transição e de contato, que podem formar competências com combinações físico-ambientais diferenciadas com expressão regional, além dos enclaves distinguidos por sua própria natureza. Existem seis grandes domínios paisagísticos e macroecológicos no território brasileiro: a) domínio das terras baixas florestadas da Amazônia; b) domínio das depressões interplanálticas semiáridas do Nordeste; c) domínio dos “mares de morros” florestados; d) domínio dos chapadões centrais recobertos de cerrados e penetrados por florestas-galeria; e) domínio dos planaltos de araucárias; f) domínio das pradarias mistas do Rio Grande do Sul. O autor descreve detalhadamente os aspectos morfoclimáticos e fitogeográficos de cada domínio abordando suas principais características e contrastes, que são responsáveis por formar um cenário com combinações distintas em cada domínio. Ao final tece algumas considerações e conclusões em relação à estrutura da paisagem do território brasileiro caracterizado por áreas homogêneas em seu caráter fisiográfico e ecológico, entretanto cada domínio é formado por subconjuntos que criam contrastes na paisagem. Esses padrões diferenciados são estabelecidos pela existência de faixas de contato e transição, que formam espacialmente quadros de exceção constituindo um mosaico paisagístico. Relata também, a substituição dos ecossistemas naturais pela produtividade da agricultura, que se consolidou pela rápida interiorização e destruição das florestas para o avanço do espaço agrário, forma de desenvolvimento econômico implantada na maioria dos países tropicais. A introdução desse modelo econômico ocasionou drásticas mudanças na estrutura dos ecossistemas deflagrados pela devastação da cobertura vegetal natural, exploração de madeira, urbanização e industrialização, que reduziram pequenos espaços a ambientes insalubres para a qualidade de vida.
No segundo capítulo ““MARES E MORROS”, CERRADOS E CAATINGAS: GEOMORFOLOGIA COMPARADA”, o autor expõe as semelhanças existentes entre os grandes domínios morfoclimáticos e as principais províncias fitogeográficas da região intertropical do Planalto Brasileiro levando-o a uma observação científica para esclarecer tais coincidências geográficas. Assim, foi possível constatar diferentes tipos de combinações de fatos geomórficos, climáticos, hidrológicos e ecológicos, que representam nesta área três domínios morfoclimáticos sobrepostos por três das principais províncias fitogeográficas: 1. domínio das regiões serranas, de morros mamelonares do Brasil de Sudeste (área de climas tropicais e subtropicais úmidos – zona de mata atlântica sul-oriental); 2. domínio das depressões intermontanas e interplanálticas do Nordeste semiárido (área subequatorial e tropical semiárida – zona das caatingas); 3. domínio dos chapadões tropicais do Brasil Central (área tropical subquente de regime pluviométrico restrito a duas estações – zona dos cerrados e de florestas-galeria). Tais domínios constituem uma estrutura complexa formada por uma área core e faixas de transição e contato, que se interpenetram, se diferenciam ou se misturam criando áreas de exceção. O autor descreve cada um dos três domínios morfoclimáticos fazendo uma análise dos aspectos físicos que os caracterizam, demonstrando como pequenos quadros morfoclimáticos, geopedológicos e hidrológicos podem modificar condições ecológicas formando redutos de floresta.            
No terceiro capítulo “NOS VASTOS ESPAÇOS DOS CERRADOS” Ab’Saber aborda os cerrados como conjuntos de arboretas de mesma composição que os cerradões, sendo diferenciados pela exposição do solo que é seu principal suporte ecológico. Ressalta que devido à localização geográfica (longitudinal) e o grau de interiorização das matas atlânticas impossibilitaram a dispersão do domínio dos cerrados. Observa ainda a composição florística no núcleo dos cerrados, constituída por tipos de cerrados e cerradões, e destaca que este padrão é muito diferente das savanas existentes no território africano possuidoras de um arranjo gradativo de diferentes tipos de savana. Este fato não é encontrado nos cerrados brasileiros devido ao seu caráter repetitivo, formado por ecossistemas de cerrados, cerradões e campestres, e relativa homogeneidade paisagística. Neste contexto analisa também as condições geoecológicas e paleoclimáticas recentes do Planalto Central, observando provas sedimentares a partir de formações superficiais como, por exemplo, a presença de paleo-inselbergs, atualmente representados por relevos residuais.             
No quarto tópico do livro “DOMÍNIO TROPICAL ATLÂNTICO”, avalia a magnitude das matas atlânticas como o segundo grande complexo de florestas tropicais biodiversas brasileiras, onde abrangiam aproximadamente um milhão de quilômetros quadrados. As florestas atlânticas possuem uma estruturação espacial azonal de caráter longitudinal nor-nordeste e sul-sudoeste, estendendo-se do sudeste do Rio Grande do Norte ao sudeste de Santa Catarina. A partir desta ressalva distingue-se a existência de subáreas topográficas diferenciadas dentro do domínio tropical atlântico. Estas subáreas podem ser observadas pelos tabuleiros da Zona da Mata nordestina, as escarpas tropicais das Serras do Mar e Mantiqueira, e os “mares de morros”, além dos quadros de exceção verificados fora do espaço principal das matas atlânticas. Após estas colocações descreve cada uma destas subáreas exemplificando através do conjunto de aspectos morfoclimáticos e fitogeográficos a distribuição das florestas de mata atlânticas, bem como analisa a faixa leste-oeste diferenciando os padrões de transição e contato ecossistêmicos. Observando os contrastes topográficos e geológicos existentes entre a Amazônia Brasileira e o Tropical Atlântico atesta que o primeiro é caracterizado pela predominância de terras baixas recobertas por florestas biodiversas, em um eixo leste-oeste ao longo do Equador; já o tropical atlântico possui uma topografia complexa, um recorte norte-sul e grande biodiversidade o que reflete neste domínio diferentes combinações de fatores.            
No quinto capítulo “AMAZÔNIA BRASILEIRA: UM MACRODOMÍNIO”, Ab’Saber enfatiza a Amazônia como um macrodomínio destacando sua alta biodiversidade biológica, a exuberância de suas florestas, sua rede hidrográfica e suas as pequenas variações ecossistêmicas. Estes fatores estão diretamente ligados a sua posição geográfica, que possibilita elevadas taxas de luminosidade (entrada de energia) em associação as permanentes massas de ar úmido condicionam altos índices de precipitação anual entre 1 600 a 3 000 mm, em uma área espacial de aproximadamente 4,2 milhões de quilômetros quadrados. É um domínio caracterizado por feições hidrológicas que constituem labirintos hidrográficos. Destaca ser a bacia amazônica dependente do regime pluviométrico, analisando as variações nos índices de precipitação de acordo com a localização geográfica, a navegabilidade dos rios, o conflito entre águas doces e salinas, as diferentes cores das águas dos rios e a importância dos igarapés para a ocupação indígena da Amazônia. Ao final o autor faz uma reflexão sobre o processo de ocupação da região, as interferências geradas neste complexo paisagístico e discute a necessidade de diagnósticos para a verificação das mudanças na diversidade fisiográfica e ecológica.            
No sexto capítulo “CAATINGA: O DOMÍNIO DOS SERTÕES SECOS”, Ab’Saber inicia discutindo as causas da existência de uma região semiárida em um continente de grandes e contínuas extensões de terras úmidas a partir de uma análise dos fatores climáticos e morfológicos, que contribuem para um déficit prolongado de precipitações com duração, em geral de seis a sete meses. Este caráter desigual das precipitações, que em média no Nordeste seco está entre 268 e 800 mm, fez com que o autor comparasse os índices de precipitações do semiárido nordestino com o domínio dos Cerrados, a Zona da Mata nordestina e a Amazônia, destacando as disparidades observadas. A partir de estudo desenvolvido por George Hargreave para a SUDENE, na década de 1970, baseado em critérios de evapotranspiração e duração dos períodos de deficiência hídrica, Ab’Saber fez uma leitura critica deste estudo e propôs modificações nos conceitos, utilizando as terminologias: 1. faixas semiáridas acentuadas ou subdesérticas; 2. faixas semiáridas ou semiáridas típicas; 3. faixas semiáridas modernas; 4. faixas de transição. Deste modo descreve e exemplifica cada faixa, destacando as principais características que as definem. Além de abordar os aspectos físicos que marcam a região semiárida analisa o cotidiano do sertanejo e de como a variabilidade climática afeta a estrutura socioeconômica da região diante da atividade agrícola e do processo migratório. Ao final faz um registro do processo de ocupação da região enfatizando os grupos indígenas, a importância dos “brejos” para a agricultura desde o período colonial com a introdução da cana-de-açúcar e, atualmente da bananicultura, bem como relata de forma sintética algumas ações governamentais e suas consequências no desenvolvimento da região e as mudanças ocasionadas na vida do homem do sertão.           
No sétimo capitulo do livro “PLANALTOS DE ARAUCÁRIAS E PRADARIAS MISTAS” destaca as particularidades deste domínio, onde aborda a relativa perda de tropicalidade, principalmente em relação às temperaturas médias. Esta característica foi fator condicionante para a presença de um complexo vegetacional extratropical de araucárias, sub-bosques e um mosaico de bosquetes de pinhais. A singular originalidade ecológica torna este cenário, totalmente diferente da paisagem dos cerrados e das florestas de matas. A partir de estudos paleoclimáticos observou que entre 23 e 13 mil anos AP a paisagem dos planaltos subtropicais, dominados por pradarias, era constituída por um cenário de estepes, solos pedregosos e um clima semiárido frio. Além de relatar as feições geológicas e geomorfológicas existentes no Brasil Meridional utilizando-se de uma análise nos estados do Paraná e Santa Catarina de transectos leste-oeste e no Rio Grande do Sul no eixo de sul-norte, abordando os Planaltos paranaenses, as estruturas ruiniformes e a importância do Escudo Uruguaio-Sul-Rio-Grandense.            
No oitavo capítulo da obra “O DOMÍNIO DOS CERRADOS” faz uma reflexão da importância de profissionais como o geógrafo, retornarem a regiões outrora estudadas e fazerem uma releitura das paisagens e espaços tanto observando os aspectos ecológicos quanto sociais. Com essa proposta Ab’Saber sugere uma reavaliação do domínio dos cerrados, analisando as transformações ocorridas na gênese das paisagens e dos espaços geoecológicos de uma região que está em constante modernização. Analisa os fatores ecológicos, hidrológicos, pedológicos, climáticos, morfológicos e fitogeográficos predominantes neste domínio, ressaltando como a combinação de fatos físicos, ecológicos e bióticos podem caracterizar a relativa homogeneidade do domínio dos cerrados. Destaca os conjuntos topográficos do Planalto Central, a rede de depressões interplanálticas e os enclaves de cerrados no domínio das caatingas. Ab’Saber alerta para a necessidade de conciliar desenvolvimento e proteção dos patrimônios genéticos, sugerindo três diretrizes básicas, bem como faz algumas propostas aos órgãos de gerenciamento do meio ambiente no Brasil na tentativa de conciliar o dilema entre desenvolvimento de técnicas de seleção dos espaços agricultáveis com a preservação natural dos cerrados e cerradões.              
No nono capítulo “DOMÍNIOS DE NATUREZA E FAMÍLIAS DE ECOSSISTEMAS” é discutido os domínios de natureza do Brasil, ressaltando que em cada domínio a um tipo predominante de vegetação. Apesar da aparente homogeneidade são observados quadros de exceção formando mosaicos paisagísticos, sendo importante a escala de observação. Um conceito relatado é o de ecossistema introduzido por Tansley em 1935, que retratou a relação entre fatores bióticos e fatos físicos. Tal conceito possibilitou a evolução do pensamento na busca de estudos que melhor retratassem os espaços ecológicos. Salienta também a importância dos estudos desenvolvidos por George Bertrand em 1968 que procurou obter a partir de uma ótica geográfica, uma tipologia de espaços naturais com subdivisões escalares: geossistemas, geofácies e geótopo, sendo o geossistema mais aplicável. Ab’Saber faz uma abordagem sobre como os macrodomínios e como estes podem ser estudados perante uma escala regional com a combinação de atributos comuns. Desta forma, cada domínio morfoclimático e fitogeográfico (cerrados, caatingas, grandes domínios florestais, planalto das araucárias) são descritos com a análise das famílias de ecossistemas, tendo como base espacial os conceitos de espaços naturais de Bertrand.             
A importância do livro, Os Domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas está na construção de uma obra que traz uma riqueza de conteúdo e detalhes sobre os aspectos físicos do território brasileiro. Retratados a partir da integração e contextualização da influência dos fatos geológicos, geomorfológicos, pedológicos, hidrológicos, climáticos, ecológicos e fitogeográficos na determinação dos complexos vegetacionais, aparentemente homogêneos, mas possuidores de enclaves com características diferenciadas. A obra é um subsídio aos planejadores e pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento no sentido de compreender o grande mosaico paisagístico do Brasil.

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