sábado, 20 de dezembro de 2014
A linguagem nos concursos públicos
Do carnaval
no samba do concurso doido
Ao encerrar um ano
bastante difícil e considerando que não tarda a chegada do carnaval, consideramos
oportuno abordar um aspecto de vestibulares e concursos para preenchimento de
cargos públicos. Trata-se da prova de português, também uma folia, mas sem
confetes nem serpentinas. Ao passar os olhos sobre os testes de alguns
concursos e “simulados”, concluímos que ainda há pouco a comemorar, pois alguns
deles põem o candidato contra a parede com frases tão fora da realidade quanto
o título desta coluna.
É louvável que a primeira eliminatória dos concursos públicos inclua
questões de português. Seu mérito é justamente este: levar o pessoal a “correr
atrás do prejuízo”. E haja apostilas e matrículas em cursos preparatórios!
Alguns concursos partem direto para a redação, ótimo (aí o problema
pode ser a correção delas, mas nada é perfeito...). Outros começam com provas
objetivas, que nem sempre avaliam o conhecimento do candidato; isso depende
muito da maneira como se fazem as questões e que tipo de questão é feita. Pode
se beneficiar mais aquele que conhece os macetes de marcar cruzinhas, eliminar
isso e aquilo, fazer somas, do que o candidato que redige bem, tem bom
vocabulário, mas desconhece a “psicologia” da prova objetiva ou a tendência
(para não dizer o humor) de quem a elaborou.
Espera-se de um procurador ou juiz que conheça a língua nativa de modo
a redigir com coerência, clareza e correção seus pareceres, sentenças,
petições, acórdãos. E é importantíssimo que ele saiba consultar dicionários e
livros para solucionar dúvidas. Mas na hora do “vamos ver”, esse pobre advogado
tem que saber, sob pena de reprovação:
—que o plural de puxa-puxa,
pele-vermelha e puro-sangue é puxa(s)-puxas, peles-vermelhas e puros-sangues;
—que são todas frases “erradas”:
Estados Unidos atacam Afeganistão. Fiquem alertas! João namora com Maria. Não
me simpatizei com ela. Aqui se come, se bebe e se é feliz. Sua atitude
implicará em demissão (1). Deu nove horas no relógio da praça (2). Esqueci de
seu nome;
—que na língua nativa as frases
boas (“assinale a frase correta”) são escritas assim: Fi-las com dedicação de
um monge. Nunca me esqueceram seus olhares marotos (3). Meus projetos, nunca
lhos mostrarei. A elas, não lho entregarei (4). O senador favorável à nossa
causa assiste em Brasília. Entrada é proibido (5). Dá-lo-ia, mandá-la-á...
Comentários:
(1) Temos que parar de ser
implicantes com “implicar em”; felizmente bons vestibulares já não estão
insistindo na regência deste verbo.
(2) Quanta história! Já em 1654,
D. Francisco Manuel de Melo escreveu em “Relógios Falantes”: “Não dera ainda
nove horas, que é a taxa de todo cativeiro do matrimônio”.
(3) Que fase marota: os olhares
não me esqueceram ou eu é que não esqueço tais olhares? Aqui a confusão ocorre
pela correlação com, por exemplo, o filme “Esqueceram de mim”, que deveria se
chamar “Esqueceram-se de mim”. Ora, se Érico Veríssimo, Mário de Andrade, Jorge
Amado, José Lins do Rego e Clarice Lispector usaram a expressão “esquecer de”
(sem o pronome oblíquo), por que nós, simples mortais, não temos esse direito?
(4) Afinal, o concurso é para
trabalhar no Brasil ou em Portugal? Pois lá é que se usam os pronomes mo, ma,
lho, lha...
(5) Qualquer pessoa normal que
quiser afixar placa de interdição saberá escrever: proibido entrar ou entrada
proibida ou é proibida a entrada ou até mesmo Proibido entrada, mas nunca usará
a opção sugerida no teste.
Gostamos de gramática, prezamos sua utilidade e defendemos seu ensino.
Porém há um evidente exagero nisso tudo. Não se pode ficar cobrando regras
quando são inócuas ou polêmicas. Essa coisinha de exceção e de “pegadinha” só
faz afastar as pessoas do estudo de português, criando nelas ojeriza ao idioma.
Até pode ser interessante saber que “informar e inflamável apresentam
prefixos de mesmo significado” (in, “para dentro”) e que “amarelar,
infelizmente e apedrejar não são formadas pelo mesmo processo”, pois na 1ª
derivação sufixal, na 2ª derivação prefixal e sufixal e na 3ª parassíntese, mas
se o candidato não tiver memória para decorar tudo isso, danou-se!
Fonte:
(Adaptado do livro)
PIACENTINI, Maria Tereza de Queiroz. Não tropece na língua: lições e
curiosidades do português brasileiro. Curitiba: Bonijuris, 2012.
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