sexta-feira, 17 de outubro de 2014
Narrativas urbanas - Parte I
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Mistério no hemocentro
Depois de
vários meses Istonevaldo resolveu que já estava mais do que na hora de fazer
uma nova doação de sangue. Reforçava, para os companheiros na firma, que sua
intenção era de praticar um gesto nobre e não apenas ganhar um dia de folga,
ficar de boa longe da catraca do ônibus em que trabalhava paulatinamente como
cobrador das cinco da matina até ao meio-dia. Sua prática de doador já vinha de
vários anos, lembrava, foi para ajudar a Alicinha, prima de seu cunhado
Gilseley, que permitiu pela primeira vez que lhe enfiassem a agulha na veia e
extraíssem quatrocentas e poucas miligramas de seu raríssimo sangue.
Nessas
lembranças, vem à tona várias etapas que antecederam àquela doação, desde a
picada na falange do dedo médio da mão esquerda, passando pela inusitada
entrevista em que sua rotina de vida foi vasculhada, desde os cuidados com a
saúde até aos comportamentos mais íntimos, depois veio a pessoa de uma robusta
enfermeira que com ágeis procederes preparou pequenos frascos etiquetados e em
seguida, desembaraçosamente, lhe cravara a agulha. Daquele dia em diante, fez
da doação um hábito. Doar faz com que o sangue do indivíduo seja purificado,
propicia um certo ar de heroicidade, e além de tudo, mesmo que a pessoa afirme
não ser o motivo principal da doação, gratifica o praticante da benevolência
com aquele dia de folga no trabalho.
Istonevaldo,
entretanto, desfruta de grande entrosamento entre todos, seja na comunidade, no
trabalho ou até mesmo no circuito que envolve o hospital, a maternidade, o
hemocentro regional e mais um certo número de clínicas médicas, tanto que já
nem mais se empolga com os elogios e agradecimentos que o envolvem a cada
doação. Doa por doar e pronto. Isso é o que o Stone diz, mas sentenciam os mais
próximos, que ultimamente têm observado uma fagulha de desgosto na lucidez de
Istonevaldo. Para alguns, tal tristeza se deve ao fato de que sua mãezinha, que
ficou lá no Norte e reluta em não querer vir morar na Grande São Paulo,
enquanto que outros confidenciam que o rapaz está padecendo por causa um amor
não correspondido por uma solteiríssima que pintou na área.
Nosso
guerreiro a conheceu, não por acaso, em uma de suas últimas aparições no banco
de sangue, ocasião em que foi convocado para socorrer um desconhecido que, lá
pelas bandas do extremo da Zona Leste, carecia de oferta do seu tipo sanguíneo.
Ela surgiu pelo estacionamento em seu luxuoso Hyundai preto, com seus cabelos
loiros ainda umedecidos e os grandes olhos esverdeados mirando em algum ponto
perdido no infinito. Costumam se dizer que os amores perfeitos são aqueles que
se reconhecem à primeira vista, só que este é mais profundo, os amantes que se
unem pelo sangue.
Ela, Ivana
Ashlen, filha de família judaica que se mudou para o Brasil, estudou medicina
na UFRGS e se especializou nos Estados Unidos, vindo aceitar ocupar o cargo de
supervisão do Hemocentro de São Paulo, sendo que ainda não totalmente habituada
aos costumes paulistanos, tem levado uma vida bastante reclusa e dedicada a se
inteirar sobre os pormenores do trabalho, viu no herói uma companhia conveniente
para se descontrair e se soltar um pouco. E deu no que deu. Lá pelas tantas...
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