"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O ensino de literatura de acordo com a Lei 9.394/96

Publicada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a lei 9.394/96 traduz o conjunto das preocupações que, na década de 1990, envolviam a sociedade brasileira: espírito de participação democrática, formação para a cidadania e qualificação profissional para atender às exigências do mercado de trabalho no contexto da globalização.
A lei organiza o currículo escolar em duas partes: uma base nacional comum e uma parte diversificada:

Art. 26.  Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura e da economia e da clientela.
(MEC, 1996, p. 28)

No artigo 35, item II, é ressaltado o interesse em preparar o educando “para o trabalho e a cidadania”, para “continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores”. Embora a lei 9.394/96 revele preocupação com a formação e a qualificação profissional do estudante, os objetivos e a ênfase que ela dá a esses aspectos são diferentes dos observados na lei 5.692/71. A nova lei prevê na parte diversificada conteúdos relacionados com as especificidades regionais, culturais e econômicas de cada comunidade escolar. Portanto, sem eliminar o caráter eventualmente profissionalizante desses conteúdos, a parte diversificada se abre também para interesses de outra natureza, como os culturais.
Preocupada com a formação integral dos estudantes, a reforma educacional tornou obrigatório o ensino de arte e restituiu à História e à Geografia a independência disciplinar.
No que se refere ao ensino de Português no ensino médio, as referências à disciplina, feitas em duas ocasiões, são vagas:

Art. 36. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes:
I – destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania;”
[...]
§ 1º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre:
[...]
II – conhecimento das formas contemporâneas de linguagem.

(MEC, 1996, p.32-3)

A referência ao ensino de literatura está na menção às “letras” e ao “processo histórico de transformação da sociedade e da cultura”; a referência ao ensino de língua é feita explicitamente no trecho “língua portuguesa como instrumento de comunicação”, na qual há ainda uma concepção funcionalista da linguagem.
A lei é detalhada por vários pareceres e resoluções, como, entre outros, os pareceres 05/97, 15/98 e 01/99, as resoluções 3/98 e 2/99 e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, aprovadas em 1º/6/1998, documento que melhor desenvolve os objetivos e os fundamentos teóricos da reforma educacional.
De modo geral, os documentos partem do pressuposto de que vivemos numa sociedade que passa por rápidas transformações sociais, econômicas e culturais, como decorrência da globalização e da revolução tecnológica. Mediante esse quadro, reconhecem a necessidade de formar um estudante para essa nova realidade, mas sem priorizar a formação estritamente profissionalizante. Aliás, essa formação pode e deve ser contemplada, porém depois de dada atenção à formação geral ao educando.
Assim, de acordo com o ponto de vista expresso nesses documentos, o profissional dos novos tempos deve ser qualificado não apenas quanto aos requisitos técnicos, mas também quanto à capacidade de se adaptar a novos contextos sociais e profissionais, de interagir e se comunicar com outras pessoas, de lidar com as tecnologias de ponta e de expressar uma visão democrática, solidária e ética da vida em sociedade.
O objetivo de que o aluno “aprenda a aprender”, por exemplo, é expresso no artigo 35, item II, da LDB:

II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento superiores.
(MEC, 1996, p. 32)

Considerando a velocidade, a quantidade e a baixa qualidade de informações que circulam no mundo contemporâneo, a lei critica a fragmentação do saber e estimula a prática de um ensino que aproxime e integre as áreas do conhecimento e, assim, promova um verdadeiro “resgate do humanismo”. Para isso, sugere um ensino contextualizado e interdisciplinar, voltado para o exercício da cidadania, no qual o aluno seja efetivamente o protagonista do processo de aprendizagem.

Nesse contexto, a linguagem ou as linguagens passam a ser vistas como um importante meio tanto para a construção de significados e conhecimentos quanto para a constituição da identidade do estudante. Além disso, a linguagem verbal passa a ser por excelência a ferramenta natural da interdisciplinaridade.
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Fonte:
CEREJA, William Roberto. Ensino de literatura: uma proposta dialógica para o trabalho com literatura. 2 ed. São Paulo: Atual, 2013
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