"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Redação forense e elementos da gramática


A GRAMÁTICA FEMININA*

Eduardo Sabbag **

* Na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, o Professor Sabbag elabora um poema em homenagem à mulher, por ele carinhosamente rotulada de “gênero inclassificável”. Nos versos, o Professor faz curiosas associações do vocábulo “mulher” a elementos gramaticais, cujos desdobramentos podem ser conferidos nas notas de rodapé.

** Eduardo Sabbag: Advogado; Doutorando em Língua Portuguesa, na PUC/SP; Doutorando em Direito Tributário, na PUC/SP; Mestre em Direito Público e Evolução Social, pela UNESA/RJ; Professor de Direito Tributário e de Língua Portuguesa, na Rede de Ensino LFG/ANHANGUERA; Coordenador e Professor do Curso de Pós-graduação, em Direito Tributário, na Rede de Ensino LFG/ANHANGUERA. Autor do Manual de Direito Tributário, 3ª edição, pela Editora Saraiva; Elementos de Direito Tributário, 12ª edição, pela Editora RT; Redação Forense e Elementos da Gramática, 4ª edição, pela Editora RT; e diversas outras obras.



Mulher: dissílaba[1], na classificação;
Oxítona[2], na acentuação.

Substantivo comum e concreto[3], na gramática;
Perante todos, um ser “concretamente incomum”.

Do gênero feminino, como substantivo[4], a mulher faz parte;
Como ser privilegiado, “faz o gênero” que quiser...

Mulher: gênero inclassificável[5]!

Mulher: uma palavra sem a força do acento gráfico[6],
Mas que soa forte, como o “sim” e o “não” de uma mulher.
Se é dito “eu amo mulher” – o cacófato[7]; se é escrito “mulher docílima” – o superlativo na expressão[8];
Aos prisioneiros de seus encantos, a paráfrase de Caetano adverte: “dulcíssima prisão”[9].

Mulher não é verbo;
Se o fosse, de conjugação única, sê-lo-ia... e no tempo verbal “mais-que-perfeito”!

Com efeito, na gramática ou fora dela;
O (vere)dito popular ensina: “Ela é a tampa da panela”.


Mulher: gênero inclassificável!

Mulher: uma palavra com seis distintas letras;
A “alma de mulher”: seis preciosos sentidos...

“Mulher” se escreve assim, no singular;
 Mas sempre se “lê”, no plural, “mulheres” – um ser multifacetado que é...

Se “da vida”, a meretriz; se “fatal”, a sedutora; se “com pudor”, o encanto;
Para os desavisados, leia-se: “Mulher não é sexo frágil, só se o quiser...

Daí o seu poder, um “poder-fato”, e não um “poder-dúvida”, como o de certos homens que não a conhece, de fato...


Mulher: gênero inclassificável!

Se “mulher-homem”, a opção;
A mulher sem homem, a falta de opção.

Mulher irascível: a TPM;
Homem ao lado de mulher com TPM: a tensão.

Homem abandona mulher, “mulher-superação”;
Mulher abandona homem, “homem sem chão”.

Lugar de mulher, o homem quer decidir;
O homem sem a mulher, perdido sem lugar.


Mulher: gênero inclassificável!

Mulher “dona de casa”, o trabalho árduo;
Mulher dentro de casa, a organização.

Mulher companheira, bem mais que ele;
Mulher fiel, o presente dele.

Mulher casada, o compromisso;
Mulher solteira, a busca disso;

Mulher professora, com quem aprendemos.
Esposa mulher, com quem convivemos.


Mulher: gênero inclassificável!

Mulher se vestindo: para outra mulher;
Mulher no espelho: idem, idem.

Cabelos brancos, tinta;
Olhos e sobrancelhas, pinta.

Coisas de mulher, o segredo;
Traição de mulher, sem segredo.


Mulher: gênero inclassificável!

Mulher moderna, o trabalho;
Mulher no sábado, o salão.

Sonho de mulher, compras irrestritas;
Mulher sonhando, paixão à vista.

Lágrimas de mulher: o mistério;
Mulher em lágrimas: Delegacia da Mulher!


Mulher: gênero inclassificável!

Alma de mulher: Chico Buarque;
Mulher e atitude: Alcione.

Eu gosto é de mulher”: Ultraje a Rigor;
Perfume de mulher”: filme de rigor!...

Mulher de Trinta”, no samba de Miltinho;
A maturidade, em Honoré de Balzac.

Mulher sereia, só dentro d`água;
Mulher “Amélia”: fora...de moda!

“Mulher honesta”, no Código Penal;
Mulher e “gravidezes”, o detalhe do plural[10].


Mulher: gênero inclassificável!

Mulher grávida, continuidade do amor;
Mulher mãe, o amor contínuo.

Mulher que “dá à luz gêmeos”: gramática em dia[11]!
Ser “mãe-mulher”: uma beleza indizível e, enquanto bela, pleonasmo”[12].

De tudo, uma notável certeza:

“Mãe-mulher”, de onde viemos;
“Mulher-terra”, pra onde iremos.


Prof. Eduardo Sabbag
março de 2011



[1] A palavra “mulher” é dissílaba, ou seja, composta por duas sílabas: mu-lher.

[2] A palavra “mulher” é classificada como oxítona, ou seja, um vocábulo cuja sílaba tônica é a última, à semelhança de colher, mister, entre outros.

[3] A palavra “mulher” é classificada como um substantivo comum, quando designa seres da mesma espécie (como menino, boi etc.), e como um substantivo concreto, quando designa seres de existência real (como mãe, pedra, leão etc.).

[4] A palavra “mulher” é classificada como um substantivo feminino (a mulher), possuindo diferente radical da forma masculina (o homem).

[5] O adjetivo “inclassificável” tem a acepção daquilo que não se pode classificar com clareza, no sentido de algo indizível. Este é o significado pretendido nos versos em epígrafe. Frise-se que o adjetivo é dicionarizado, estando previsto no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP 2009), redigido pela Academia Brasileira de Letras.

[6] A palavra “mulher” não recebe o acento gráfico, mas apenas o acento prosódico (da fala), indicando que a maior tonicidade recai na última sílaba (-lher), o que a insere na classificação de oxítona (Ver nota 2).

[7] O cacófato (ou cacofonia) é um vício de linguagem que, em razão de uma dada sequência de sílabas, produz som desagradável ou de uso desaconselhável. Exemplos: “uma mão lava a outra” (som de “mamão”); “cinco cada um” (som de “cocada”) etc. No verso do poema, a frase “eu amo mulher” indica som (/mumu/) que deve ser evitado.

[8] Docílimo é um adjetivo (o superlativo absoluto sintético) de “dócil”. Portanto, algo muito dócil é docílimo.

[9] Caetano Veloso lançou, em 1984, a célebre composição musical “O Quereres”, na qual retrata o paradoxo da relação amorosa, referindo-se ao amor pela pessoa amada como “dulcíssima prisão”.
[10] O plural de “gravidez” é gravidezes.

[11] A mulher dá à luz algo (gêmeos, trigêmeos, menino e menina etc.), e não “a algo”. Note que o verbo dar é transitivo direto e indireto. Assim, sintaticamente, a mãe dá gêmeos à luz, ou seja, despontam na oração o objeto direto (gêmeos, sem a preposição) e o objeto indireto (à luz, com a preposição). Assim, há condenável equívoco na frase “a mulher deu à luz a gêmeos...”

[12] O pleonasmo é figura de sintaxe caracterizada pelo emprego de palavras redundantes, com o fim de enfatizar a expressão (como “sorrir um sorriso”, “pedra dura” etc.). No verso, a expressão “mãe-mulher-bela” foi considerada propositadamente como um pleonasmo, no intuito de realçar a beleza feminina como algo intrinsecamente natural.
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