"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Sobre a prática da pesquisa


Carta aos jovens[1] 

O que desejaria eu aos jovens de minha pátria consagrados à ciência?
Antes de tudo – constância. Nunca posso falar sem emoção sobre essa importante condição para o trabalho científico. Constância, constância e constância! Desde o início de seus trabalhos habituem-se a uma rigorosa constância na acumulação do conhecimento.
Aprendam o abecê da ciência antes de tentar galgar seu cume. Nunca acreditem no que se segue sem assimilar o que vem antes. Nunca tentem dissimular sua falta de conhecimento, ainda que com suposições e hipóteses audaciosas. Como se alegra vista com o jogo de cores dessa bolha de sabão – no entanto ela, inevitalvemente, arrebenta e nada fica além da confusão.
Acostumem-se à descrição e à paciência. Aprendam o trabalho árduo da ciência. Estudem, comparem, acumulem fatos.
Ao contrário das asas perfeitas dos pássaros, a ciência nunca conseguirá alçar voo nem sustentar-se no espaço. Fatos – essa é a atmosfera do cientista. Sem eles, nunca poderemos voar. Sem eles, nossa teoria não passa de um esforço vazio.
No entanto, estudem, experimentem, observem, esforcem-se para não abandonar os fatos à superfície. Não se transformem em arquivistas de fatos. Tentem penetrar no mistério de sua origem e, com perseverança, procurem as leis que os governam.
Em segundo lugar – sejam modestos. Nunca pensem que sabem tudo. E não se tenham em alta conta; possam ter sempre a coragem de dizer: sou ignorante.
Não deixem que o orgulho os domine. Por causa dele poderão obstinar-se quando for necessário concordar; por causa dele renunciarão ao conselho saudável e ao auxílio amigo; por causa dele perderão a medida da objetividade.
No grupo que me foi dado dirigir, todos formavam uma mesma atmosfera. Estávamos todos atrelados a uma única tarefa e cada um agia segundo sua capacidade e possibilidades. Dificilmente era possível distinguir você próprio do restante do grupo. Mas dessa nossa comunidade tirávamos proveito.
Em terceiro lugar, a paixão. Lembrem-se de que a ciência exige que as pessoas se dediquem a ela durante toda a vida. E, se tivessem duas vidas, ainda assim não seria suficiente. A ciência demanda dos indivíduos grande atenção e forte paixão. Sejam apaixonados por sua ciência e por suas pesquisas.
Nossa pátria abre um vasto horizonte para os cientistas e é preciso reconhecer – a ciência generosamente nos introduz na vida de nosso país. Prossigam com o máximo de generosidade!
O que dizer sobre a situação dos nossos jovens cientistas? Eis que tudo é claro. A vocês muito foi dado, mas de vocês muito se exige. E para jovens, assim como para nós, a questão de honra é ser digno de uma esperança maior, aquela que é depositada na ciência de nossa pátria.

Ivan Pavlov (1849–1936),
médico e cientista russo



[1] Tradução do original em russo por Annibal Villela.